Importação de produtos chineses dispara antes mesmo do efeito do tarifaço de Trump

No 1º trimestre do ano, a compra de produtos chineses somou US$ 19 bi, o que representa um recorde para o período; na comparação com os primeiros 3 meses de 2024, o salto foi de quase 35%

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Foto do author Luiz Guilherme  Gerbelli
Atualização:

Em meio aos efeitos da guerra comercial detonada pelo governo de Donald Trump, as importações de produtos da China para o Brasil bateram recorde no primeiro trimestre deste ano. Elas somaram US$ 19,058 bilhões, o que representa um crescimento de 34,9% em relação aos valores apurados no mesmo período de 2024 (US$ 14,124 bilhões), segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).

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A importação brasileira de produtos da China é a maior da série histórica do Mdic, iniciada em 1989, para o primeiro trimestre. Até então, o recorde pertencia a 2022 (US$ 14,708 bilhões).

Os números do Brasil ajudam a ilustrar o movimento adotado pela China, que acelerou as exportações para se antecipar ao tarifaço do presidente dos EUA. Em março, as exportações chinesas para todo o mundo cresceram 12,4% na comparação com o mesmo mês do ano anterior.

“Houve uma corrida aos navios e uma aceleração importante das exportações chinesas para o mundo inteiro entre o final do ano passado e o primeiro trimestre deste ano”, afirma Livio Ribeiro, sócio da consultoria BRCG e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre). “A China saiu loucamente exportando para tentar fechar contratos numa estrutura tarifária anterior.”

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Os produtos chineses responderam por 28,3% das importações brasileiras no primeiro trimestre. Até agora, o resultado de 2025 foi influenciado, sobretudo, pela importação de US$ 2,662 bilhões em plataformas e embarcações. A segunda encomenda vinda da China mais demandada pelos brasileiros foi a de válvulas e tubos (US$ 1,014 bilhão).

“Desde o ano passado, a China está oferecendo condições vantajosas para que os importadores brasileiros sejam tentados a comprar produtos, que eventualmente nem estejam precisando naquele momento”, afirma José Augusto de Castro, presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

No ano passado, as importações da China somaram US$ 63,636 bilhões, uma alta de 19,7% na comparação com 2023.

Futuro de incerteza

A incerteza tem dominado o comércio global desde que o presidente Trump passou a adotar a política tarifária de maneira agressiva em seu novo mandato.

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Na semana passada, a Casa Branca anunciou que as tarifas impostas aos produtos chineses chegaram a 145%. Para os demais países, as tarifas recíprocas anunciadas por Trump foram pausadas em 10% por 90 dias.

Em resposta aos norte-americanos, a China adotou tarifas de 125%.

Os especialistas ainda tentam entender qual será o novo equilíbrio do comércio global. A maior dúvida é o que vai ocorrer com o excedente de produtos chineses se o país asiático tiver mais dificuldade para acessar o mercado dos Estados Unidos. A grande é os chineses inundarem o resto do mundo com seus produtos de baixo custo. A China exporta anualmente US$ 450 bilhões para os norte-americanos.

Guerra comercial pode fazer a China desovar produtos para todo o mundo Foto: Anderson Coelho/Estadão

“Se me perguntassem em 1º de janeiro, eu diria que o avanço da importação (de produtos chineses) continuaria em 2025, mas num ritmo menor, porque o crescimento brasileiro vai ser menor este ano. Agora, com essas medidas do Trump, o cenário muda muito, porque haverá uma sobreoferta de produtos chineses”, afirma Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil. “Vai haver desvio de comércio para o mundo. Isso é inevitável.”

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Com uma poupança elevada, os chineses têm uma capacidade de consumo menor do que a observada em outros países, o que pode, portanto, dificultar a absorção de parte desse excedente. Em março deste ano, a China anunciou um plano para aumentar a renda e estimular o consumo — o país asiático tem como meta entregar um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de “cerca de 5%” este ano.

“A prescrição óbvia seria a China implementar políticas que estimulassem o consumo doméstico e desestimulassem a poupança. Ainda que o governo chinês esteja falando sobre isso de maneira mais clara, as políticas que foram colocadas na rua não fazem isso”, afirma Lívio.

Se a China falhar nesse plano de estimular o consumo e o comércio internacional permanecer travado, é aí que os produtos chineses devem começar a inundar outros mercados, como o brasileiro.

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“A China vai tentar vender (seus produtos) a qualquer preço e o Brasil vai tentar evitar para que eles entrem a qualquer preço”, afirma Castro. “A China está cercando o Brasil por todos os lados. O Brasil vai ser o país de destino de uma parcela das exportações que iriam para os EUA.”

Em novembro passado, os presidentes do Brasil e da China assinaram 37 acordos bilaterais nas áreas de agricultura, indústria, investimentos e infraestrutura numa visita do presidente chinês, Xi Jinping, ao Brasil.

Em maio, deverá ser a vez de Lula visitar a China.

“Todos os países podem ser os recipientes desses produtos. A questão é que o Brasil, como México, Europa, e países do Sudeste Asiático, tem uma indústria doméstica suficientemente sofisticada, se não para competir para ao menos fazer lobby”, afirma Livio. “E lembremos: a Anfavea conseguiu impor uma tarifa contra veículos elétricos chineses. É esse tipo de coisa que vamos ter olhar daqui para a frente”

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Na avaliação de Livio, o grande problema será uma reação em cadeia, com os países impondo uma série de tarifas em cadeia no comércio global. “Aí a coisa sai do controle, porque todo mundo começa a taxar todo mundo e vira uma bagunça.”

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