As condições mais adversas da economia brasileira, com inflação e juros em alta, têm pavimentado o caminho para o crescimento da oferta de carteiras de crédito vencidas, ou “podres”, como são chamadas informalmente.
Os grandes bancos são os principais ofertantes desse tipo de ativo, mas outros segmentos estão ingressando no mercado como forma de lidar com dívidas vencidas e reforçar o caixa, como é o caso dos bancos digitais e das varejistas de vestuário e eletroeletrônicos.
A tendência, portanto, é de volumes maiores e diversificação de origens, segundo agentes de mercado consultados pelo Estadão/Broadcast. A Jive, gestora especializada em ativos problemáticos , estima que as ofertas girem entre R$ 40 bilhões e R$ 60 bilhões neste ano. Se confirmado, o ponto médio dessa projeção representará uma alta de 43% na comparação com 2021.
A comercialização de créditos “podres” é uma alternativa para bancos e empresas passarem adiante as dívidas que não conseguiram receber de seus clientes. Por parte da compradora dessas carteiras, o interesse está em lucrar com a recuperação de ao menos uma parte da dívida principal.
Neste mês, o Santander, por exemplo, colocou no mercado cinco carteiras de crédito vencidas de pessoas físicas e jurídicas somando R$ 7 bilhões. Foi uma das maiores ofertas já feitas pela instituição. Já o Itaú Unibanco liquidou há poucos dias uma carteira de R$ 3,6 bilhões, incluindo crédito rotativo, consignado e cartões de crédito de pessoas físicas.
“Os bancos tiveram piora significativa no volume de créditos em atraso desde o fim do ano passado”, diz o sócio da Jive, Guilherme Ferreira. Nos três primeiros meses do ano, os créditos vencidos entre 90 e 180 dias subiram 12,5% nos cinco maiores bancos, alcançando R$ 28 bilhões.
Novos players
Fora do universo bancário, Via (dona da Casas Bahia e Ponto), Carrefour, Lojas Marisa, Riachuelo e Pernambucanas também negociaram carteiras vencidas de crédito a pessoa física nos últimos meses, em ofertas de até R$ 500 milhões. Parte dos créditos vencidos que chegam ao mercado agora está relacionado aos baques provocados pela pandemia, que levou ao fechamento do comércio e a demissões de muitos trabalhadores.
O cenário adverso afetou os braços financeiros de varejistas, assim como bancos digitais, que não têm tanto experiência nem estrutura especializada para atuar na cobrança. Como resultado, tem sido comum a oferta de carteiras “mais jovens”, com débitos vencidos entre 6 meses e 1 ano. No caso dos bancos, o vencimento geralmente se deu há mais tempo.
“Esse mercado começou com os grandes bancos, com dívidas vencidas há quatro ou cinco anos. Depois, vieram as fintechs e as varejistas. Minha percepção é de que são os segmentos que sentiram primeiro o efeito da inadimplência oriunda da pandemia”, diz Eduardo Martins, sócio da MGC Holding, empresa especializada na comercialização dessas carteiras.
Ele acredita que os próximos ofertantes serão as empresas de serviços básicos, como energia, saneamento e telecomunicações, que sentiram o peso da inadimplência nas contas de luz, água, internet e TV por assinatura tanto entre clientes residenciais quanto comerciais e industriais e do setor público. “Acredito que essas ofertas vêm ainda em 2022.”
Segundo os especialistas, os novos ofertantes de carteiras são empresas focadas em originar serviços e crédito, e não em recuperá-los. Eles não têm, por exemplo, equipes dedicadas a renegociar a dívida.
Já os grandes bancos possuem profissionais dedicados a isso, além de contar com empresas apartadas com foco específico na compra dessas carteiras e na recuperação dos recursos – caso da Return (pertencente ao Santander), Ativos (Banco do Brasil), Recovery (Itaú Unibanco) e RCB (Bradesco).
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