NOVA YORK - Executivos de Wall Street reforçaram o coro de alerta para os riscos que a guerra tarifária do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, representam para a economia americana, com empresas engavetando projetos diante de um cenário turvo à frente. Em uma reviravolta no otimismo demonstrado no início do ano, eles enxergam a turbulência atual como diferente das outras, com a agressividade das alíquotas desafiando até os seus cabelos brancos. Mas muita volatilidade ainda inundará os mercados globais até que as peças do novo xadrez comercial voltem a se encaixar, dizem eles.
“No curto prazo, temos uma economia em risco”, disse Larry Fink, presidente da BlackRock, maior gestora do mundo, com US$ 11,6 trilhões em ativos sob gestão, ao falar a analistas e investidores, na semana passada. Segundo ele, a crise afeta milhões de pessoas, impactando suas reservas para a aposentadoria e para a faculdade. “Não se trata de uma disputa entre Wall Street e “Main Street”. Essa crise do mercado impacta milhões de americanos”, afirmou Fink. Uma das razões que Trump alega para mudar as políticas em seu governo é estimular a “Main Street”, em referência às ruas, ou seja, à economia real.

No setor corporativo, os impactos já começam a aparecer, com projetos e investimentos sendo engavetados. Trata-se de uma virada na explosão de otimismo que dominou as teleconferências de resultados no início do ano, com banqueiros de Wall Street animados com os sinais de empresários e esperançosos de um maior volume de operações no mercado de capitais. Mas as surpreendentes tarifas de Trump colocaram em xeque a retomada das aberturas de capitais (IPO, na sigla em inglês), com diversas transações sendo adiadas nos últimos dias, assim como negócios de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês).
A temporada de resultados do primeiro trimestre deve cristalizar ainda mais esses efeitos na esteira de profundos cortes nas expectativas para os lucros das empresas em 2025. Deve variar de zero a uma queda de 5%, na opinião do presidente do JPMorgan Chase, Jamie Dimon. “E então você ouvirá mil empresas relatando seus resultados, e elas dirão quais são os guidances, mas eu acredito que essas projeções de desempenho serão retiradas”, disse o maior banqueiro do mundo, a analistas e investidores.
O CEO do Morgan Stanley, Ted Pick, afirmou que algumas empresas estão adiando projetos, enquanto outras estão mantendo, em meio à guerra tarifária. “Acho que muitas pessoas estão dando um passo para trás, dizendo: preciso ter mais clareza e certeza sobre o rumo que as coisas estão tomando”, reforçou o diretor financeiro do Wells Fargo, Michael Santomassimo, em uma teleconferência com repórteres, conforme a imprensa americana.
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Pick, do Morgan, previu ainda “maior volatilidade” à frente diante da incerteza comercial e geopolítica desencadeada pelas tarifas de Trump. Mas ponderou que é “muito cedo” para saber o fim dessa história. “A verdade nua e crua hoje é que ainda não sabemos onde a política comercial se estabelecerá, nem sabemos quais serão os efeitos reais de transmissão na economia real ao longo do ano”, disse Pick, em conversa com analistas e investidores, nesta manhã.
O banqueiro chamou atenção para a inflação, que continua a oscilar entre queda e persistência. Mas, também na questão dos preços tanto para a cadeia de suprimentos, quanto para os consumidores, o caminho futuro ainda “não é claro”, segundo ele. “Não sabemos qual será a taxa de inflação quando os efeitos da transmissão se manifestarem”, avaliou o CEO do Morgan Stanley.
Na contramão dos sinais mais positivos da inflação ao consumidor e ao produtor dos EUA em março, nova pesquisa da Universidade de Michigan mostrou que as expectativas de preços em 12 meses subiram de 5% em março para 6,7% em abril. Trata-se da leitura mais alta desde 1981 e o quarto mês de aumento consecutivo. É um indício de danos duradouros à maior economia do mundo, avaliou a Capital Economics.
Nunca antes na história desse país
Para Dimon, do JPMorgan, as tarifas trazem uma preocupação maior do que os impactos na economia dos EUA. “Eu quase não me importo fundamentalmente com o que a economia fará nos próximos dois trimestres. Isso não é tão importante”, disse Dimon. “O mais importante é que o mundo ocidental se mantenha unido economicamente. Manter o mundo seguro e livre para a democracia, isso é o mais importante”, acrescentou.
Os executivos também concordam que a turbulência atual é diferente de todas as outras. “Os anúncios abrangentes de tarifas foram mais longe do que eu poderia imaginar em meus 49 anos em finanças”, admitiu Fink, que descartou riscos sistêmicos.
Conhecido por suas projeções catastróficas, Dimon disse que tem sido “bastante cauteloso”, mas acredita que os EUA vão superar os obstáculos econômicos à frente. “A questão da China é importante. Eu não sei como isso vai acabar. É uma mudança significativa que nunca tínhamos visto”, alertou o presidente do JPMorgan.
Apesar das incertezas, os banqueiros veem menos riscos de recessão na maior potência global após o anúncio da pausa de 90 dias nas tarifas de Trump. “Economistas estão nos dizendo que o risco de recessão aumentou substancialmente, mas o consenso hoje é mais suave, sem crescimento negativo”, afirmou Pick, do Morgan Stanley.
“As chances de recessão são hoje de 50%”, disse Dimon, mencionando a previsão de um economista do banco. Na semana passada, o JPMorgan elevou as chances de uma recessão no mundo e nos EUA, de 40% para 60%, mencionando o novo e abrangente regime tarifário de Trump.