RIO - A balança comercial brasileira tem registrado déficits cada vez maiores nas trocas internacionais de bens e serviços de alta e média-alta intensidade tecnológica, segundo estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) obtido com exclusividade pelo Estadão/Broadcast.
O ambiente de guerra comercial suscitado pelas declarações de taxações do presidente americano, Donald Trump, tem potencial para aumentar ainda mais a concorrência com os produtos brasileiros dessa indústria de mais alta capacidade tanto no mercado doméstico quanto no exterior. As perspectivas para a indústria brasileira como um todo, porém, permanecem positivas para os próximos anos, avaliou Rafael Cagnin, economista-chefe do Iedi.
Os bens industriais mais intensivos em tecnologia, dos grupos de alta e média-alta tecnologia, foram deficitários em US$ 123,8 bilhões em 2024. Já os bens de baixa e média-baixa tecnologia, que incluem produtos industriais e commodities, foram superavitários em US$ 192,2 bilhões. O grupo de média tecnologia ficou próximo à estabilidade em 2024, com saldo positivo de US$ 5,5 bilhões.

O estudo do Iedi considera a classificação por intensidade tecnológica da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com cinco faixas: alta intensidade, média-alta, média, média-baixa e baixa intensidade.
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Cagnin diz acreditar que novas barreiras comerciais à produção chinesa nos Estados Unidos e Europa levem o país asiático a disputar espaço com as exportações brasileiras em outros mercados, como ocorreu na crise global de 2008 e 2009.
“Essa produção vai buscar alternativas, o que significa uma pressão concorrencial no mercado brasileiro, mas também uma competição maior em outros mercados, para onde o Brasil também exporta”, avaliou o economista.
Embora haja potencial para uma maior disputa dos produtos brasileiros com os chineses, especialmente na alta e média-alta tecnologias, o Iedi ressalta que ainda não se sabe o alcance das medidas por ora apenas propagadas por Trump.
“Do ponto de vista dos Estados Unidos, das barreiras comerciais, não sabemos se a nossa exportação vai ser afetada. A gente pode ganhar, no sentido de que podemos ocupar algum espaço no mercado americano que vai ser desocupado pela China, porque eles vão ter tarifas sobre os produtos deles. Tem muita dúvida ainda, porque ainda assim a China pode ter, a despeito das alíquotas, uma competitividade maior do que a brasileira”, disse ele.
As trocas comerciais brasileiras de serviços e bens industriais com alta intensidade tecnológica — que incluem os segmentos de aviação, farmacêuticos e equipamentos de informática — saíram de um déficit de US$ 40 bilhões em 2023 para um déficit de US$ 45,8 bilhões em 2024. Já o ramo de média-alta tecnologia — que inclui veículos, máquinas e equipamentos, produtos químicos e aparelhos elétricos — saiu de um déficit de US$ 64,7 bilhões em 2023 para um déficit de US$ 78 bilhões em 2024.
No geral, a balança comercial do Brasil encerrou 2024 com um superávit de US$ 74,6 bilhões, aquém apenas do saldo recorde de US$ 98,9 bilhões de 2023. Embora a indústria de transformação tenha respondido por 54% do total das exportações brasileiras no ano passado, o saldo do comércio exterior do setor foi deficitário em US$ 56,9 bilhões, devido ao grande volume de importações desses bens industriais. Os demais bens (agropecuários, minerais e pesca) acumularam um superávit de US$ 131,4 bilhões, mantendo a balança brasileira no positivo.
“O Brasil é um grande exportador de produto primário, e é um grande importador de indústria de transformação. A despeito do resultado bom, a gente continua tendo déficit na indústria de transformação, algo que ocorre desde 2010. É uma mudança estrutural em 2010, a indústria passa a ser deficitária sistematicamente”, lembrou Cagnin.
O economista lembra que mais da metade das exportações brasileiras são de produtos da indústria de transformação, porém, “de início de cadeia”, apenas transformações iniciais de commodities, como óleo de soja e farelo de soja.
“Teve um aumento de 37,8% do déficit da indústria de transformação, que está associado evidentemente a uma puxada mais forte das importações, porque o país cresceu mais rapidamente”, justificou Cagnin. “Também tem a ver com o perfil de dinamismo da indústria. Os ramos que puxaram o crescimento industrial são ramos onde existe uma penetração de importados maior, de bens de consumo duráveis e bens de capital. Essas atividades têm penetração de importados maior na estrutura de insumos dos setores, mas também de produtos acabados.”
No ano de 2024, a indústria brasileira (transformação e extrativas) registrou uma expansão de 3,1% na produção doméstica, segundo a Pesquisa Industrial Mensal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre as categorias de uso, os destaques foram os avanços em bens de consumo duráveis (10,6%) e bens de capital (9,1%), embora também tenham crescido os bens intermediários (2,5%) e os bens de consumo semiduráveis e não duráveis (2,4%).
“Esse ano de 2025 é de desaceleração, porque os juros vão corroer muito do dinamismo da indústria. Os ramos que puxaram o desempenho da produção em 2024 são sensíveis a juros: bens de capital e bens de consumo duráveis. Eles vão perder fôlego. Não acho que voltamos ao negativo, mas eu acho que interrompemos um processo de aceleração da produção”, previu Cagnin. “Para os anos vindouros, a perspectiva é positiva. O Brasil está fazendo coisas importantes para melhorar seu ambiente de negócios, mas ainda tem muito trabalho pela frente.”