Com o avanço da vacinação e o brasileiro começando a retomar uma vida “quase” normal – indo a restaurantes, bares, salões de beleza, shows e viagens, por exemplo –, foi aberto um espaço para reajustes de preços dos serviços. A tentativa é tirar o atraso de um longo período sem repasse das várias pressões de custos que se acumularam.
Com o comportamento das pessoas voltando aos poucos ao nível pré-pandemia, entre julho e outubro deste ano quase a totalidade (92%) de uma lista de 62 serviços prestados às famílias teve preços majorados. Houve reajustes de até três dígitos no período, caso das passagens aéreas (107,2%), seguido por aplicativos de transporte (47,4%). Só cinco serviços tiveram queda de preço, mostra levantamento feito pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a pedido do Estadão, para avaliar o impacto da reabertura na inflação de serviços.
A realidade dos últimos meses é completamente diferente da que vigorava na primeira onda de covid-19. Com o isolamento social, entre março e agosto de 2020, metade dos itens da lista de serviços registrava deflação, com quedas expressivas. A outra metade tinha variação ainda positiva nos preços, porém pequena.
Com a reabertura das atividades, a inflação dos serviços usados pelas famílias se espalhou e subiu, em média, 2,8% no período. É o equivalente a mais da metade da inflação geral medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulada em igual período – entre julho e outubro –, que foi de 4,3%, segundo o levantamento. O estudo usou dados da inflação oficial apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e seguiu a metodologia do Banco Central (BC) para classificar os serviços.
Escalada
Desde julho, a inflação dos serviços prestados às famílias não para de aumentar a cada mês. Em outubro atingiu 1,04%, a maior alta mensal desde o início da pandemia. “Mascarada pela inflação da gasolina, da energia elétrica e dos alimentos que estão absurdamente altas, a inflação dos serviços se acelera desde o final da segunda onda de covid ao sabor da redução do isolamento social”, diz o economista-chefe da CNC e responsável pelo levantamento, Fábio Bentes.
Pressionados por aumentos de custos de vários insumos e recentemente pelo risco de mais uma onda da pandemia, em razão da nova variante Ômicron, que pode levar a paralisações, prestadores de serviços aproveitam o quadro positivo de final de ano e a demanda reprimida para aumentar preços.
O movimento em bares e restaurantes, por exemplo, vem crescendo com a reabertura. O faturamento nacional do setor neste segundo semestre está 3% maior em relação ao mesmo período de 2019, descontada a inflação. “Estamos indo muito bem nas vendas”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci. No entanto, o ano, como um todo, ainda ficará abaixo de 2019 para o setor, porque o primeiro semestre de 2021 foi ruim.
O consumidor voltou com muita força a comer fora de casa, mesmo com aumentos de preços, que não foram poucos. Até outubro, o reajuste no cardápio acumulado desde 2020 foi de 15% e a perspectiva é fechar o ano com 20%. “Não há espaço para aumentar mais que 5% os preços porque o consumidor não aguenta”, admite o presidente da Abrasel.
Freio
Economistas acreditam que esse movimento vigoroso de reajustes dos preços dos serviços terá fôlego curto. Segundo Claudio Considera, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, a alta dos preços dos serviços acabará sendo contida pela própria disparada da inflação em geral, que corrói o poder de compra das famílias. Ele observa que o consumo das famílias não voltou aos níveis pré-pandemia, considerando os três trimestres deste ano. E os serviços têm peso importante: respondem por 80% do consumo das famílias.
“No primeiro trimestre de 2022, deve haver um ‘freio de arrumação’ nos preços dos serviços”, prevê Bentes, da CNC. Ele explica que o poder aquisitivo menor e o enfraquecimento da atividade previsto para 2022 devem segurar os aumento de preços dos serviços que foram acelerados nos últimos meses por conta da reabertura.
O aumento da circulação de consumidores, segundo o economista, estaria “anabolizando” a demanda neste final de ano. “Tem mais gente circulando, mas com menos dinheiro no bolso”, diz.