A cada ano que o Brasil deixa de investir o mínimo necessário para manter a infraestrutura existente, a economia perde R$ 151 bilhões – valor próximo ao déficit primário calculado para o País em 2016. O resultado dessa conta, feita pela consultoria GO Associados, é perverso: além de manter um transporte de má qualidade e uma oferta restrita de serviços públicos, o baixo investimento no setor representa menos emprego e renda para a população e menos dinheiro nos cofres do governo.
Importante aliado para turbinar o crescimento econômico em qualquer lugar do mundo, o investimento em infraestrutura sempre esteve entre as prioridades anunciadas pelos governos Lula e Dilma. Mas, apesar da criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), os montantes aplicados de 2003 para cá nunca passaram dos 3% do Produto Interno Bruto (PIB) – parâmetro mundial que indica o investimento necessário para manter a estrutura existente.
Nas últimas duas décadas, o Brasil investiu em média 2,2% do PIB em infraestrutura, enquanto a média mundial foi de 3,8%. Na China, o número chegou a 8,5% e, na Índia, a 4,7%. Só em 2015, os investimentos que deixaram de ser feitos no setor representaram R$ 23 bilhões menos no bolso do trabalhador e R$ 14 bilhões no caixa do governo, segundo cálculos da GO.
A reversão desse quadro é uma das promessas do governo de Michel Temer, que criou uma secretaria especialmente para tocar os projetos do setor. Sob o comando de Moreira Franco, o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) vai trabalhar em cima de uma infraestrutura precária: apenas 12% das rodovias brasileiras são pavimentadas, sendo a maioria de qualidade ruim; a malha ferroviária é pequena e lenta; 16% da população não tem acesso a água tratada; e 50% não estão conectados à rede de esgoto.
A exemplo do que ocorreu em governos anteriores, a tarefa de mudar esse cenário não é fácil, especialmente diante da grave crise fiscal e política que atingiu o Brasil. Se nos períodos em que o País era considerado o “queridinho” dos investidores, o porcentual aplicado no segmento não alcançou o nível desejado, agora, sob forte desconfiança do resto do mundo, os esforços terão de ser redobrados, afirmam especialistas no setor.
“O maior desafio hoje é a retomada da confiança do investidor, já que o País não tem condições de levar adiante a expansão da infraestrutura e dependerá de capital estrangeiro”, afirma o professor da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende.
O secretário executivo do PPI, Moreira Franco, concorda que, para tirar as concessões – estimadas em R$ 200 bilhões – do papel será primordial restabelecer a credibilidade no mercado internacional. “Precisamos fazer o dever de casa, buscar a transparência dos marcos regulatórios e garantir a segurança jurídica”, disse ele, destacando que as concessões serão lançadas assim que os estudos forem sendo concluídos.
Dentro das medidas para recuperar a confiança, o fortalecimento das agências reguladoras é um ponto central. Devolver a autonomia a esses órgãos – e retirar a influência política – seria uma boa sinalização para o investidor e daria mais conforto, diz o economista Cláudio Frischtak, da consultoria Inter.B. “Isso traria mais estabilidade para o mercado, reduziria o risco regulatório e o prêmio exigido pelos investidores.”
Crédito. Mas, ainda que se consiga recuperar a atratividade do setor, há outro entrave que exigirá soluções rápidas para a retomada do investimento: a escassez de crédito. Ao contrário do que ocorreu no passado, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não terá condições de financiar uma parcela muito grande das concessões. “Ele não vai repetir, e não tem condições de repetir, o desempenho que teve até agora”, diz Moreira Franco.
Ou seja, será necessário criar outras formas de financiamento, seja no mercado externo ou interno. No mercado, algumas fórmulas começam a ser desenhadas para tentar resolver o problema, como um mix de dinheiro do BNDES com bancos internacionais de fomento, como o Banco Mundial. “Nesse momento, debêntures não seriam uma boa alternativa, pois esbarram na confiança”, diz o sócio do escritório L.O. Baptista, Fernando Marcondes.
A lista de entraves aos investimentos de infraestrutura é extensa. Além da falta de confiança e crédito mais curto, os empreendimentos sofrem com o excesso de burocracia, problemas ambientais, desapropriações e indefinições regulatórias. Hoje, há uma série de projetos parados Brasil afora por causa dessas questões. A bilionária ferrovia Transnordestina, que ligará o sertão do Piauí aos Portos de Pecém (CE) e Suape (PE), deveria ser entregue em 2010 e até hoje não foi concluída. Um dos problemas foi a desapropriação das áreas necessárias para a construção, além da dificuldade de gestão da CSN, dona da concessão da ferrovia.
Na opinião do presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Venilton Tadini, apesar dos enormes desafios, o governo precisa começar de alguma forma. O primeiro passo é avançar com iniciativas que já estão mais adiantadas, a exemplo dos aditivos contratuais de concessões existentes e que podem render R$ 15 bilhões de investimento sem novas licitações. Há ainda pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro de contratos por causa de atraso com a demora em licenciamento ambiental e desapropriações, que podem representar outros R$ 20 bilhões. “Imediatamente, isso terá impacto no emprego e na renda.”
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