IPCA termina o ano em 4,83% e meta de inflação é descumprida pela 8ª vez desde 1999

Nos últimos quatro anos, é a terceira vez que a inflação fica acima do teto da meta perseguida pelo Banco Central; aceleração em dezembro era esperada pelos analistas

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Atualização:

RIO - Pela oitava vez desde que o sistema de metas de inflação foi implantado no Brasil, em 1999, o alvo para o IPCA perseguido pelo Banco Central foi descumprido, sendo sete por ficar acima do teto e uma por ficar abaixo do piso (em 2017).

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Sob a pressão dos custos dos alimentos e dos transportes, a inflação oficial no País acelerou de 0,39% em novembro para 0,52% em dezembro. Como resultado, o IPCA encerrou 2024 com uma alta de 4,83%. segundo dados divulgados nesta sexta-feira, 10, pelo Instituto Brasileiro de Geográfica e Estatística (IBGE). O centro da meta é de 3%, com margem de tolerância de 1,5 ponto porcentual para mais ou para menos.

Desta maneira, o atual presidente do BC, Gabriel Galípolo, empossado há apenas 10 dias, terá de escrever uma carta aberta ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para explicar o descumprimento da meta de inflação de 2024.

Nos últimos quatro anos, a meta foi descumprida três vezes (2021, 2022 e 2024). E a tendência é de que isso volte a ocorrer este ano. A mediana das previsões das instituições consultadas pelo Projeções Broadcast indica um IPCA de 5% para 2025.

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Além disso, a partir deste ano, há uma mudança no regime de metas de inflação, que passa a ser contínua, e não mais relativa ao ano inteiro. Dessa forma, se a inflação ficar acima do teto ou abaixo do piso por seis meses seguidos, a meta será considerada descumprida.

Sede do Banco Central, em Brasília  Foto: Dida Sampaio/Estadão

Conforme a economista Luciana Rabelo, em relatório do departamento de Pesquisa Macroeconômica do Itau Unibanco, o IPCA de dezembro ficou próximo das expectativas, mas com uma composição um pouco pior do que o estimado. “Nota-se que os serviços subjacentes surpreenderam para cima, concentrados na alimentação fora de casa, o que reflete o recente aumento dos preços das proteínas, e nos bens industriais subjacentes, concentrados no vestuário. No geral, o núcleo da inflação permanece sob pressão e é pouco provável que diminua nas próximas divulgações”, avaliou.

O cenário obrigará o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central a “apertar um pouco mais o discurso”, mas não deve fazê-lo acelerar, ao menos por ora, o ritmo de alta na taxa básica de juros, a Selic, previu Nicolas Borsoi, economista-chefe da corretora Nova Futura Investimentos.

“Os dados de hoje dão sinais de uma contaminação inicial do varejo pela depreciação cambial, especialmente em alimentos e industriais, enquanto o mercado de trabalho aquecido começa a pressionar os serviços subjacentes, em um processo de reinflação bastante disseminada”, afirmou Borsoi, que espera uma alta ainda mais aguda para o IPCA de 2025, de 5,5%.

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O economista-chefe da gestora de recursos G5 Partners, Luis Otávio Leal, afirmou que “não parece surpresa” que uma parte relevante dos analistas estime que o IPCA em 2025 fique acima de 5,00%. “Por enquanto este não é o nosso cenário por dois motivos”, afirma Leal, em comentário. “Primeiro porque os juros – que na nossa projeção subiriam até 15,00% ao ano, ficando nesse patamar até o final de 2025 – devem começar a impactar a economia a partir do segundo semestre. Além disso, ao contrário de 2024, quando tivemos o impacto de dois fenômenos climáticos – El Niño e La Niña – e uma quebra de safra agrícola, 2025 aparenta ter apenas um La Niña fraco e uma safra recorde. Com isso, esperamos uma variação nos alimentos bem abaixo do que foi no ano passado. Por conta destes dois fatores, projetamos que o IPCA em 2025 fique em 4,80%, relativamente o mesmo patamar de 2024 o que, obviamente, não é uma boa notícia para o BC.”

Reaceleração esperada

Para a estrategista de inflação da Warren Investimentos, Andrea Angelo, o IPCA de 2024 trouxe uma reaceleração já esperada dos núcleos e da inflação como um todo, com destaque para os serviços. “Temos a particularidade de serviços e dos núcleos como um todo refletindo essa piora que a gente já vem vendo nas últimas leituras. Reflete a atividade aquecida, o que dá espaço para esse tipo de reajuste em preços de serviços, com destaque para os intensivos em mão de obra”, detalha.

Ela destaca que os bens industriais já refletem boa parte da depreciação cambial. “É menos sobre Black Friday e mais sobre o câmbio”, afirma. A economista também destaca, por outro lado, uma surpresa baixista em carnes, que registraram alta de 5,26% em dezembro. “Tivemos uma alta mais modesta que o esperado. Devemos ter um alívio dessa pressão no primeiro trimestre, até porque o preço da arroba do boi voltou”, salienta.

A projeção da Warren é de alta de 5,4% para o IPCA de 2025, com balanço de riscos assimétrico para cima.

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Segundo os cálculos do Santander Brasil, divulgados em nota, as métricas de núcleos e a taxa de difusão continuam a apontar para uma taxa de inflação em torno de 6% até meados de 2025, com riscos para cima. “A média dos cinco núcleos já está próxima de 6% na média móvel trimestral anualizada e dessazonalizada, com dois componentes já neste nível”, afirma o banco.

Em relação ao IPCA de dezembro, o Bradesco avalia, em relatório, que o resultado foi impulsionado pela aceleração em bens industriais (0,49%), principal surpresa para cima do mês. “O dado de dezembro seguiu pressionado em especial pela parte de bens industriais, que reflete a depreciação recente da moeda”, destaca o banco. “Nossa expectativa é de que tal dinâmica prossiga ainda no curto prazo”, acrescenta. Por outro lado, houve desaceleração no grupo de Alimentação e Bebidas (1,55% para 1,18%), mas que ainda segue pressionada para cima, devido à alta de 6,81% em carnes.

O Bradesco afirma que continua vendo serviços pressionados, “com alguns subitens mais voláteis mais elevados neste último mês”. Em serviços (0,59%), houve desaceleração pelo comportamento mais ameno de passagens aéreas. Porém, serviços subjacentes avançaram 0,66% e fecharam o ano em 5,8%, influenciado pelo subitem ligado a serviços por aplicativo.

‘Inflação mais espalhada’

O índice de difusão, que mostra o porcentual de itens com aumentos de preços, subiu de 58% em novembro para 69% em dezembro, o mais elevado desde maio de 2022.

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“A inflação em dezembro foi mais espalhada do que em novembro. Houve mais subitens que tiveram altas de preços em dezembro”, confirmou André Almeida, técnico do Sistema Nacional de Índices de Preços do IBGE.

No mês de dezembro, os gastos que mais pesaram no orçamento das famílias foram as carnes (alta de 5,26%), refeição fora de casa (1,42%), transporte por aplicativo (20,70%), passagem aérea (4,54%) e gasolina (0,54%). Na direção oposta, o principal alívio partiu da energia elétrica, com queda de 3,19%, devido à substituição da bandeira tarifária amarela em vigor em novembro pela bandeira verde a partir de dezembro, eliminando assim a cobrança extra nas contas de luz.

Churrasco mais caro

As carnes foram os grandes vilões da inflação na reta final de 2024. Nos últimos quatro meses do ano, de setembro a dezembro, os preços subiram 23,88%. As carnes tiveram quedas de preços no primeiro semestre, porém alta no segundo semestre, explicou André Almeida, do IBGE.

No ano de 2024 como um todo, as carnes ficaram 20,84% mais caras, uma contribuição de 0,52 ponto porcentual para a inflação de 4,83% apurada pelo IPCA no período. O aumento foi o mais intenso desde 2019, quando o produto encareceu 32,40%.

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“Os fatores que influenciaram para isso foram desde questões climáticas, que intensificaram efeitos da entressafra, quanto o próprio ciclo da agropecuária, com um menor volume de animais para abate”, disse Almeida, acrescentando que houve ainda influência das exportações brasileiras do produto, que restringiram ainda mais a oferta interna.

Mais gasto com alimentação e bebidas

No ano de 2024, as famílias gastaram 7,69% a mais com alimentação e bebidas. O grupo respondeu sozinho por mais de um terço de toda a inflação registrada no País no período.

Os alimentos para consumo no domicílio subiram 8,23%. Além das carnes, tiveram altas expressivas o café moído (39,60%), o leite longa-vida (18,83%) e as frutas (12,12%).

Já a alimentação fora do domicílio aumentou 6,29% no ano de 2024: a refeição teve um avanço de 5,70%, enquanto o lanche teve elevação de 7,56%.

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“Em 2024, a gente teve um ano com questões climáticas em diversos momentos. Teve o El Niño, a calamidade no Sul por conta das enchentes, teve forte estiagem, ondas de calor e um período longo sem chuvas em parte do País”, lembrou André Almeida. “A gente tem alimentos em que parte da produção foi destinada para o mercado externo, para exportações, que reduzem a oferta e têm influência nos preços”, acrescentou.

O efeito da alta do dólar

O câmbio também é um dos fatores que influenciam no preço dos alimentos, uma vez que impacta a cotação de commodities alimentícias em dólar, além de afetar a decisão de produtores sobre destinar mais seus produtos para o mercado externo, restringindo assim a oferta doméstica, explicou Almeida. Há possibilidade de contaminação também do câmbio para a inflação através de itens e componentes importados, lembrou.

Além de alimentos, figuraram no ranking de principais pressões sobre o IPCA de 2024 a gasolina (com alta de 9,71%), o plano de saúde (7,87%), condomínio (6,25%), ensino fundamental (8,86%), serviço bancário (8,03%) e aluguel residencial (3,45%).

No grupo Habitação, segundo o IBGE, a energia elétrica residencial recuou 3,19%, influenciada pelo retorno, em dezembro, da bandeira tarifária verde, sem cobrança adicional nas contas. Em novembro, estava em vigor a bandeira tarifária amarela, que acrescentava R$ 1,885 a cada 100 kWh consumidos. /Com Gabriela Jucá e Anna Scabello

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