O mercado virou, e o pessimismo agora impera.
O contraste é marcante com o entusiasmo demonstrado entre janeiro e maio, e que desde sempre achei algo fora do lugar. Já em 31 de maio, meu artigo neste espaço (“Reformas à moda do Centrão”) começava assim: “Muitos analistas e observadores passaram a expressar uma grande animação quanto ao futuro da economia brasileira, especialmente devido à resiliência mostrada por ela nos primeiros meses do ano... Além disso, há bastante otimismo quanto ao avanço das reformas e da agenda infraconstitucional. Creio que esta visão seja um pouco prematura e esteja algo exagerada”.
A situação econômica piorou de forma significativa e deu um nó. A tal ponto que é difícil saber por onde começar a análise, pois existe uma realimentação entre as partes.
Vamos iniciar pela área fiscal, que já vinha sendo afetada pela perda do controle do Orçamento pelo Executivo, agora inteiramente na mão do Congresso e que passou a distribuir uma fortuna aos parlamentares para destinar às suas bases em projetos de escassa qualidade.
Além disso, subitamente o Ministério da Economia descobre que no próximo ano terá de pagar a expressiva quantia de R$ 90 bilhões em precatórios, ao mesmo tempo em que buscava encontrar de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões para programas destinados a turbinar a popularidade presidencial. Essas quantias são simplesmente infactíveis, e a solução encontrada pelo ministro da Economia foi propor uma PEC que divide em nove anos o pagamento de boa parte desses precatórios. Ora, isso é simplesmente um calote parcial de uma dívida líquida e certa, o que, naturalmente, gerou um imenso choque nas expectativas. Além disso, a tal PEC terminava na prática com a regra de ouro, em mais um enfraquecimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
O impasse criado foi enorme, e não será fácil aprovar essas medidas. A situação sugere que o teto de gastos será de muitas formas furado.
Complementando as dificuldades fiscais, o governo propôs uma enrolada reforma no Imposto de Renda, que também gerou impasse e tem imensas dificuldades de ser aprovada.
Ficamos sem saber como o Orçamento de 2022 poderá ser montado e apresentado ao Congresso até o final de agosto.
O desastre fiscal pressiona os prêmios de risco no dólar e nos juros, que já vinham subindo como consequência da contínua pressão inflacionária. Hoje, todos os analistas preveem um IPCA superior a 7%. Isso levou o Banco Central a mudar de política, em favor de uma taxa de juros acima da neutra, que nós projetamos chegar a 7,75% no final do ano.
Naturalmente, a forte piora das expectativas pressiona os juros em toda a curva, sendo que os mais longos já ultrapassaram com folga os 10% ao ano. Pessoas e empresas endividadas irão sofrer muito. E a atividade econômica, obviamente, será comprometida.
Na mesma direção, o PIB para o ano que vem será bem menor do que os magros 2% hoje projetados. Além de expectativas ruins e de juros em elevação, estamos vendo uma queda na produção agrícola como consequência de seca e geadas e um veloz esvaziamento dos reservatórios, que pode levar a falhas no fornecimento de energia a partir do último trimestre do ano.
Em paralelo, as famílias das classes C, D e E sofrerão ainda mais as agruras do mercado de trabalho e do custo de vida em elevação. Com isso, o consumo das famílias seguramente vai cair mais e o conjunto certamente levará a que muitas empresas posterguem seus investimentos.
Não é fora de propósito que passemos por uma recessão no ano que vem.
Reforçando este quadro negativo, vemos uma antecipação da campanha presidencial e crescentes ataques à democracia.
Mesmo que nada fora da Constituição aconteça, a elevada temperatura política pressionará ainda mais os juros, o câmbio e a inflação.
Está cada vez mais claro que as candidaturas dos dois polos extremos que se digladiam não trazem uma mensagem de futuro que possa apontar uma retomada da esperança e do crescimento sustentado após esses anos tão ruins.
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