Ajustar o Focus

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Por Redação
Atualização:

Reportagem dos colegas Fabio Graner e Adriana Fernandes, no caderno de Economia do Estadão, nesta quarta-feira de cinzas, informa que o Banco Central realiza estudos com o objetivo de ampliar o alcance da pesquisa semanal Focus. A elaboração de estudos não significa que as providências estudadas serão definidas e muito menos executadas. Mais de uma década depois de sua adoção, contudo, bem que o sistema de metas merecia uma reforma.

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O boletim Focus coleta projeções de indicadores macroeconômicos de uma centena de instituições e consultorias do mercado financeiro e divulga a mediana dos resultados. As informações assim organizadas são um dos elementos utilizados na formação de expectativas, que, na lógica do sistema de metas de inflação, devem ser coordenadas pelo BC.

Criado, ao longo de 1999, no atropelo da implosão do regime de câmbio fixo, o sistema de metas brasileiro seguiu a onda que se formava ao redor do mundo, com a então crescente e depois dominante adoção de regimes de câmbio flutuante. Mas, no caso da economia brasileira, era preciso também levar em conta elementos específicos derivados do tumultuado histórico da inflação: a disseminação de indexações monetárias, surtos hiperinflacionários e manipulações de índices.

Daí porque o sistema de metas tupiniquim foi desenhado para facilitar a compreensão de seus mecanismos de funcionamento e abrir espaços para a aquisição de credibilidade pelo BC na sua aplicação. Nada de considerar, por exemplo, núcleos de inflação ou outros filtros que isolassem elementos imunes aos controles monetários. Todos poderiam cheirar a manipulação. Idem para a escolha do índice "oficial": a escolha deveria recair sobre um índice genérico e puramente ao consumidor, coletado por instituição pública tida como idônea e competente.

 Em seus 12 anos de vigência, os limites dos tetos estabelecidos para as metas foram ultrapassados três vezes - 2001, 2002 e 2004 - e sofreram alterações no meio do caminho em 2003. Na passagem do governo FHC para Lula, em 2002, a inflação explodiu, com o IPCA a 12,53%, (para uma meta de 3,5% e intervalos de 2 pontos). No começo do então novo governo, a meta foi revista para o ano e o ano seguinte (8,5% para 2003 e 5,5% para 2004). A partir de 2005, o centro da meta não variou, ficando em 4,5%, com margem de tolerância de 2 pontos para mais ou para menos. No período, os tetos nunca foram ultrapassados e em 2006 o IPCA fechou abaixo do centro da meta.

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Os índices de crescimento econômico, nesses anos de vigência do sistema de metas, ficaram abaixo da média histórica brasileira, bem como dos registrados em outras economias emergentes. Difícil, talvez impossível, estabelecer correlações sólidas entre uma coisa e outra. Mas é fato que, diferentemente de outras economias, em que, além das metas (implícitas ou explícitas), o banco central considera leques de variáveis, principalmente as de crescimento e emprego, no sistema brasileiro, até recentemente, apenas as tendências e expectativas de inflação do ano civil ocupavam o radar das autoridades monetárias.

Além de uma política fiscal mais frouxa, sobretudo nos últimos dois anos, choques de oferta e indexações formais que afetam pelo menos um terço do índice utilizado no acompanhamento da meta têm exigido da política monetária, até há pouco entendida como exclusivamente dependente da taxa básica de juros, um esforço extra para manter os preços ancorados. Com isso, aumentam as dificuldades para a sustentação do crescimento ao longo do tempo.

O boletim Focus é parte ativa do engessamento que estava tomando conta do sistema de metas - e que foi rompido, não sem resistências ainda encruadas, a partir do segundo trimestre de 2010. O Focus é um cachorro que morde o próprio rabo, rodopiando em falso e fertilizando o terreno das profecias auto-realizadoras sobre as expectativas inflacionárias.

É o caso mesmo de, juntamente com uma série de outros elementos - alguns mencionados acima -, repensar o sistema de metas, Focus incluído. Até para poder redu\ir o centro da meta.

Ampliar o número e as áreas de atuação dos consultados, como está em estudo no BC, pode ser uma boa medida, mas ninguém deve se iludir com a potência de seus possíveis efeitos positivos. Mais importante, neste aspecto específico, talvez seja desenvolver mecanismos de controlar e filtrar a capacidade técnica dos convidados a participar do jogo da formação de expectativas. Não dá para eliminar a chutometria, mas dá para limitar seus impactos.

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