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Economista

Opinião|Risco não é se ter um governo de esquerda ou de direita, mas sim um populista

Governos populistas incentivam o medo, promovem políticas de baixa qualidade e fomentam a descrença, assim como como o de esquerda da Venezuela e o de direita de Bolsonaro

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Atualização:

O sistema político das principais democracias mudou nas últimas décadas. Choques econômicos, como a crise de 2008 e a pandemia, intensificaram mudanças estruturais causadas por avanços tecnológicos e pela globalização.

Uberização, mudança nas cadeias produtivas globais, aumento da monopolização e respostas insatisfatórias de governos às crises frustraram expectativas de indivíduos. Pessoas foram impactadas de forma diferente por essas mudanças e alteraram a sua percepção a respeito de si e do seu coletivo. Também alteraram seu comportamento como eleitores.

Jair Bolsonaro, presidente da República Foto: Isac Nóbrega/PR

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Esta mudança de identificação dos indivíduos pode explicar também por que a sociedade está mais polarizada. Quando nos frustramos ou vivemos tempos de escassez, ficamos protetores, avessos ao risco. Um discurso do “nós contra eles” nasce e pode ser mais facilmente explorado.

Frustrações e polarização favorecem distorções na percepção de mundo dos indivíduos. Mais pessoas deixam de pensar de forma crítica e individual sobre questões relevantes. Uma identificação exagerada de um indivíduo com seu grupo pode criar dimensões de conflito que nem eram importantes, amplificando dissonâncias numa sociedade.

Esses fenômenos estão correlacionados com uma ascensão do nacionalismo e do populismo, um aumento da descrença no sistema político, uma perda da credibilidade de partidos e aumento da descrença na democracia. O debate típico entre direita e esquerda sobre redistribuição e tamanho do Estado fica para trás. Abre-se espaço para conflitos multidimensionais que abrangem direitos humanos, liberdades individuais, imigração, globalização e papel do Estado.

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O populismo não é exclusividade da esquerda ou da direita. Podemos ter governos populistas tanto com um viés quanto com outro. Governos populistas de esquerda, como o da Venezuela, e governos populistas de direita, como o de Bolsonaro no Brasil, são ambos exemplos de riscos à democracia de seus países.

Um debate entre os polos é o natural e saudável numa democracia. O risco não é se ter um governo de esquerda ou de direita, e sim um governo populista. São esses governos que incentivam o medo, a discórdia, promovem políticas públicas de baixa qualidade, fomentam a descrença na democracia e corroem o tecido social e democrático de um país.

O debate relevante hoje parece ser sobre como sobreviver a ameaças democráticas que enfrentamos. Quais países conseguirão renovar suas estruturas políticas para atender a novas demandas sociais e salvar sua fibra social de discursos populistas? O debate esquerda-direita fica em um vazio intelectual. O risco não é esquerda ou direita. O risco é o populismo e a ameaça à democracia.

Opinião por Laura Karpuska

Professora do Insper, Ph.D. em Economia pela Universidade de Nova York em Stony Brook

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