Publicidade

‘A raiva contra Bolsonaro contagiou as previsões econômicas’, diz Mendonça de Barros

Para ex-ministro das Comunicações e ex-presidente do BNDES, os economistas deram ‘vexame’ nas projeções ao atuar ‘com o fígado’ e ignorar indicadores; ele revela que não pretende votar no 2º turno

Foto do author José Fucs
Por José Fucs
Atualização:

O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no governo Fernando Henrique Cardoso, é um crítico duro do catastrofismo que contagia boa parte de seus pares no País.

PUBLICIDADE

Às vésperas de completar 80 anos, em novembro, Mendonção, como se tornou conhecido, dedica hoje boa parte de seu tempo à leitura e à realização de postagens no Twitter, nas quais contesta, com base nos principais indicadores econômicos, as previsões que permeiam a narrativa dominante no mercado.

Nesta entrevista ao Estadão, ele afirma que a “raiva” ao presidente Jair Bolsonaro e ao que ele representa contaminou as previsões de muitos economistas, desmentidas, uma a uma, pela realidade. “Esse pessoal estava esperando o fim do mundo. Quando você é analista de economia, não pode agir com o fígado, ficar amarrado a pensamentos ideológicos. A política tem de ser neutra.”

Integrante da chamada “ala desenvolvimentista”, que perdeu a disputa para os “monetaristas” na era FHC, Mendonça de Barros conta que há anos deixou o PSDB, ao qual era filiado desde quase sua fundação. Ao contrário de vários economistas que também participaram do governo na época, que declararam voto em Lula, ele revela que não pretende votar no 2º turno. “É evidente que o meu lado é o do Lula. Só que eu tenho uma visão muito crítica do PT”, afirma. “Por isso, é provável que eu acabe nem votando. Tenho 80 anos, não preciso votar. E sou tucano, gosto do muro.”

Luiz Carlos Mendonça de Barros foi ministro das Comunicações e presidente do BNDES no governo FHC. Foto: Arquivo pessoal

Como o sr. analisa a reação dos investidores ao resultado do 1º turno das eleições, com a queda do dólar e a alta da Bolsa? Por que o mercado reagiu com tanto otimismo?

Num mercado como o nosso, quando você tem um evento que é “bola ou búlica”, se o Lula vai ganhar ou não no 1º turno, sempre acontece uma esticada grande depois, porque tem gente que apostou num lado e gente que apostou no outro. Há um ajuste de contas entre “comprados” e “vendidos”. Quem apostou no lado errado, de que o Lula levaria no 1º turno, tem de sair comprando. Só agora, quando a poeira baixar, é que nós vamos ver o que vai acontecer de fato.

Qual era o receio do mercado com uma eventual vitória do Lula no 1º turno?

Publicidade

Na visão do mercado e na minha, também, havia o risco de que uma vitória do Lula no 1º turno representasse um salvo-conduto para ele gastar, estourar o orçamento. Uma menina do Credit Suisse que se chama Solange Srour (economista-chefe do banco no Brasil), a quem eu gosto mais de criticar do que elogiar, estava dizendo que, com a vitória do Lula, o dólar iria a R$ 6, por causa da incerteza fiscal. Agora, a composição do novo Congresso mostrou que se o Lula ganhar o PT não poderá fazer o que quiser, porque ele não terá maioria no Congresso. A esquerda vai ter 150 deputados e a direita, troglodita ou não, quase 300. No Senado, o quadro será semelhante. Além disso, para ganhar as eleições, ele vai ter de nomear um ministro da Fazenda muito bom e não essas porcariadas de que estão falando por aí. Se não, ele não ganha. Acredito que o Lula vai fazer isso, embora na campanha haja uma ala da ultraesquerda que fica enchendo o saco dele.

Em sua avaliação, se isso se confirmar, como o mercado deverá reagir em caso de vitória do Lula no 2º turno?

O mercado vai se fortalecer e começar a subir devagar. Se o Lula colocar um cara mais conservador na economia, se ele aparecer com um nome decente e ganhar a eleição, acho que o País vai continuar crescendo. A inflação está caindo e daqui a pouco você vai ver o pessoal do mercado rever a estimativa de crescimento do ano que vem. Hoje, eles estão projetando uma alta de 0,5% no PIB (Produto Interno Bruto), mas, nesse cenário, acredito que o Brasil deverá ter um resultado semelhante ao deste ano e crescer de 2,5% a 3% em 2023. O risco, se o País começar a crescer, é acontecer o que aconteceu com (Henrique) Meirelles (presidente do Banco Central no governo Lula). Mais à frente, os economistas do PT vão dizer que a economia está indo muito bem e que eles não precisam desse cara lá, segurando as coisas.

Na minha família, sou considerado bolsonarista, porque digo que a economia está crescendo e a inflação, caindo.

Não houve também uma constatação de que, com uma eventual vitória de Bolsonaro no 2º turno e a permanência do ministro Paulo Guedes no cargo, o risco de ocorrer um “cavalo de pau” na economia é menor?

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Não tem dúvida. Com o Bolsonaro, o risco fiscal fica menor. Embora ele não seja nenhum santo em termos de política fiscal, o Paulo Guedes tem credibilidade. Então, se o Bolsonaro ganhar, você vai ter uma especulação de que o crescimento será muito maior. Não sei se isso vai se confirmar, porque ainda temos restrições pela frente. De qualquer forma, acredito que o crescimento normal do Brasil, sem inventar muito, ficará entre 2,5% e 3% ao ano, nos próximos dois ou três anos.

Nos últimos meses, em suas publicações no Twitter, o sr. tem apontado os erros em série cometidos pelos economistas nas previsões para os principais indicadores econômicos: crescimento, inflação, contas públicas. O que acontece? Por que os economistas erraram tanto?

Toda a revolta pelo jeito de ser do Bolsonaro acabou permeando esse quadro. Quando você é analista de economia, não pode agir com o fígado, ficar amarrado a pensamentos ideológicos e não olhar o que está acontecendo. A política tem de ser neutra. Na minha família, sou considerado bolsonarista, porque eu digo que a economia está crescendo e a inflação, caindo. O fígado do meu irmão (o economista José Roberto Mendonça de Barros, ex-secretário de Política Econômica de FHC) se deteriorou. O que eu fiz simplesmente foi abstrair o Bolsonaro e ver a recuperação que estava ocorrendo, que era normal. Com a pandemia, acabou a mobilidade e o nível de atividade obviamente caiu. Depois, devagarzinho, o ciclo econômico foi voltando, da mesma forma que a inflação vai se acomodar. Nesta semana, saiu a inflação “cheia” de setembro, medida pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) e pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), e o que aconteceu? Foi zero.

Publicidade

Em suas postagens, o sr. diz que houve um “vexame” dos economistas...

Foi um vexame mesmo. Eles erraram demais. Esse pessoal estava esperando o fim do mundo. Achava que iria ser caos. O mercado vai tirar de letra isso. Como é que pode um grande banco, que gasta uma fortuna com economista, projetar em julho, faltando cinco meses para o fim do ano, uma inflação de 7,5% em 2022? É a mesma coisa que eu dizer, num jogo que está 1 a 0 aos 40 minutos do 2º tempo, que o placar vai ser 5 a 0. Só agora eles estão dizendo que a inflação vai ficar em 6%. Essa Solange Srour previu isso, aquilo e tudo o mais, e não aconteceu nada do que ela falou. Hoje, está falando que o déficit público vai a 6% do PIB. Pelo amor de deus. O atual secretário da Fazenda de São Paulo, Felipe Salto, chegou a dizer que a dívida pública iria chegar a 100% do PIB, quando ela deverá fechar 2022 em torno de 75%. Coitado. Ele é boa gente, mas pato novo. Tem de viver mais uns 10 anos para depois dar palpite. Como existe esse mal estar com o Bolsonaro, pelo jeito dele, pelo que ele representa, era mais ou menos regra geral que as coisas não poderiam dar certo. Mas, apesar dos problemas, do orçamento secreto, que é “dinheiro de pinga” perto do PIB, o Brasil está indo para a frente.

Se o emprego está crescendo e se a arrecadação está aumentando, não dá para dizer que a economia está em recessão.

O que o levou a acreditar que o crescimento em 2022 seria bem maior do que as projeções do mercado?

Eu leio muito e procuro tirar o que acho importante e brigar esses economistas novos da chamada Faria Lima. Estou enxergando isso desde o começo do ano. Todos os indicadores econômicos, todos, estão crescendo, porque a economia está crescendo. Por exemplo: o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, do Ministério do Trabalho), que indica o nível de emprego formal no País, começou a subir. De outro lado, o desemprego total, calculado pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, continuou aumentando. Aí os caras falaram: “Tem alguma coisa errada. Não é possível o Caged subir e o desemprego da Pnad aumentar”. Lógico que é possível, porque, no tempo, são coisas distintas. Se o emprego está crescendo e se a arrecadação está aumentando, a economia só pode estar crescendo. Não dá para dizer que a economia está em recessão. Não faz sentido.

Agora, não é só a Solange Srour, do Credit Suisse, que está dizendo que o déficit público vai explodir no ano que vem. Tem muita gente boa por aí preocupada com isso. Como o sr. vê esta questão?

Esse pessoal não faz a menor ideia de que existe um ciclo de gasto público, vinculado ao mandato presidencial. Este ano estamos no pior momento – ainda pior do que em governos anteriores, porque a eleição está muito polarizada. Agora, o que vai acontecer no ano que vem, que é o primeiro ano de um mandato novo? Vai esfriar, o governo vai parar de gastar. É só olhar o fluxo histórico do déficit primário. É isso que acontece. E o que os analistas estão fazendo? Pegando o gasto deste ano, principalmente a parte de segundo semestre, que está inflada, porque estão gastando muito, e projetando isso para o ano que vem, dizendo que o déficit fiscal vai explodir. É complicado.

Como o sr. vê a perspectiva mudança no teto de gastos em um novo governo? Como isso pode afetar a percepção do mercado?

Publicidade

O teto de gastos foi construído pelo Meirelles, e funciona. Nós precisamos ter um indicador de gastos, porque, se o governo começa a fazer certos gastos e diz que eles são prioritários, tem de cortar de outro lugar, para a coisa não degringolar. No passado, a fixação de um superávit primário mínimo também funcionou. Não precisa elaborar muito, sofisticar demais. O teto e o superávit primário são indicadores que mostram como estão indo os gastos públicos e dão um sinal para o governo, em caso de aumento das despesas, de que é preciso tomar alguma medida para conter isso. Você não pode ter um governo que gasta o que demandarem. Não pode. Tem que ter prioridades. Então, para mim, se o indicador for o teto de gastos, o superávit primário ou alguma coisa mais sofisticada, tanto faz. Precisa ter.

O sr. tem uma ligação histórica com o PSDB e era considerado um dos líderes da “ala desenvolvimentista” do governo Fernando Henrique. Mas, mesmo tendo uma postura crítica, do ponto de vista político, em relação a Bolsonaro, o sr. tem uma visão mais otimista da economia do que muitos profissionais da área. Como se explica isso?

É porque eu sou um economista profissional. As pessoas que me ouvem, que me leem, de quem já fui consultor de investimentos, esperam que eu tenha essa capacidade. Se eu tiver com raiva do Bolsonaro, posso ir numa manifestação, xingar, jogar papel. Agora, como profissional, para entender o que está acontecendo na economia, não posso misturar uma coisa com a outra. Faz 50 anos que estou nisso e tenho orgulho de, ao longo do tempo, ter conseguido separar as duas coisas – e para mim não é fácil. Como você deve imaginar, com esses posts todos, o pessoal fica dizendo que eu virei “o maior bolsonarista”. Eu estou pouco me importando para o que estão falando. Estou exercendo a minha profissão, no fim da minha carreira, tenho mais alguns anos de trabalho, e quero sempre ficar conhecido como um técnico, como um economista que consegue separar as coisas. Como profissional, você pode até errar nas suas previsões. Aí, você tem de fazer a autocrítica: “Eu não vi isso, não enxerguei aquilo”. Tem de pelo menos pedir desculpa.

Alguns economistas que participaram do governo FHC, como Pedro Malan, Pérsio Arida, Armínio Fraga, Edmar Bacha e Elena Landau, declararam que vão votar em Lula no 2º turno. O sr. também vai apoiar Lula?

É evidente que o meu lado é o do Lula. Só que eu tenho uma visão muito crítica do PT. O PT é um partido autoritário. Agora, os valores do bolsonarismo, em termos de comportamento mesmo, de uma certa decência para falar as coisas, estão absolutamente em choque com a minha formação. Eu tenho uma formação humanista, que é oposto da do Bolsonaro. Por isso, é mais provável que eu acabe nem votando. Eu tenho 80 anos, não preciso votar. E sou tucano, gosto do muro.

Qualquer prefeito do interior sabe que o primeiro e o segundo anos são para segurar os gastos, para poder gastar mais no terceiro e no quarto.

Como o sr. avalia a gestão do ministro Paulo Guedes à frente da economia?

Foi boa. O que foi importante? A primeira coisa foi o pacote fiscal da época da pandemia. Absolutamente correto. O gasto, equivalente a 10% do PIB, foi mais ou menos o que os outros países fizeram. Acredito que o Banco Central errou ao abaixar o juro até 2%. Acho que deveria ter esperado um pouco mais para ver a natureza da recessão que estava por vir. Teve gente falando que a queda seria de 10% do PIB e acabou sendo de 4%. Como ninguém tinha visto uma pandemia, todo mundo achou que haveria uma queda maior. Para mim, a parte fiscal também poderia ter esperado um pouco para ter uma ideia melhor do que iria acontecer. Quando a situação se reverteu, acho que o governo também agiu de forma correta. O problema fiscal foi aparecer agora, porque, com a eleição muito apertada, o governo gastou mais do que devia. Mas isso não me assusta, porque o ano que vem será o primeiro do mandato de quem ganhar eleição. Qualquer prefeito do interior sabe que o primeiro e o segundo anos são para segurar os gastos, para poder gastar mais no terceiro e no quarto. Agora, se você pegar o gasto deste segundo semestre e projetar para o ano que vem, dá um desastre mesmo.

Publicidade

É uma ironia que, hoje, o sr. esteja criticando o pessimismo generalizado, em linha com o que diz o ministro Paulo Guedes, e quando estava no governo, quem tinha uma posição catastrofista era ele. O sr. até o apelidou de “Beato Salu”, em referência ao personagem da novela da Globo, Roque Santeiro, que vagava pelas ruas anunciando o fim do mundo. Como o sr. vê isso hoje?

Isso foi no governo Sarney (1985-1990), quando eu era diretor do Banco Central. Naquela época, nós estávamos numa briga danada para controlar a inflação – e confesso que a gente só estava fazendo bobagem – mas estávamos brigando. E o Paulo Guedes saía por aí dizendo que “vai explodir tudo”, “vai explodir tudo”. Como era na época da novela da Globo, a gente falava que ele era “o Beato Salu da economia”. A diferença é que, na ocasião, eu tinha 37 anos e ele uns 20 e poucos e nós dois já rodamos muito desde aquele período. Isso nos levou a modular o nosso entendimento. Agora, eu converso com ele, discuto com ele, porque solto é uma Solange Srour. Quando você está no governo, a coisa é diferente.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.