Pelo menos três assuntos prosaicos — contas públicas, inflação e barreiras comerciais — podem compor a pauta mais urgente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, se ele estiver disposto a se ocupar da administração e da estabilidade econômica do País. O recuo da inflação mensal para 0,16% em janeiro, graças, principalmente, a uma redução da conta de luz, pode ser um alívio passageiro.
O custo da alimentação deve continuar assombrando a maior parte das famílias, por alguns meses, segundo projeções de especialistas. Além disso, o governo precisará encontrar um jeito de acomodar no Orçamento o programa Pé-de-Meia, por determinação do TCU, o Tribunal de Contas da União.
Enfim, será necessário dar atenção especial às condições internacionais de comércio, num cenário de insegurança agravada pelo presidente Donald Trump, governante da maior potência econômica e militar.
Contas públicas em ordem e preços menos instáveis podem ser particularmente importantes em tempos de maior incerteza nos mercados globais.

O quadro poderia ser menos ameaçador para os brasileiros se o presidente já estivesse empenhado em programas de estabilização. Mas estabilidade e segurança, quando se trata de macroeconomia, são preocupações pouco perceptíveis na maior parte da administração federal e do mundo parlamentar.
Quanto ao chefe de governo, tem exibido a disposição de completar seu mandato, neste ano e no próximo, com muito dispêndio conversível em votos. Os programas podem ser socialmente produtivos e, portanto, facilmente defensáveis, mas bons programas também têm custos e consomem recursos finitos.
A limitação de recursos é mencionada muito raramente, no entanto, nas manifestações do presidente da República. Com frequência muito maior, ele se empenha em mostrar a utilidade do gasto, sem discutir as condições das finanças da União.
Foi esse o estilo de seu comentário, no começo da semana, sobre o programa Pé-de-Meia, destinado a facilitar a permanência dos estudantes no ensino médio. Muitos governantes, disse ele, achavam natural o abandono dos cursos.
Segundo muitos brasileiros, continuou Lula, o governo tem de trabalhar para apenas 35% da população. “A gente não teria problema de déficit fiscal, porque é governar para menos gente e gente com mais dinheiro.”
Está implícita, nessa fala, uma curiosa tese sobre finanças públicas: segundo Lula, governar para todos — e em benefício de todos — produz déficit fiscal. Sim, é isso mesmo. Governando “para menos gente, e gente com mais dinheiro”, não haveria déficit.
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O presidente da República parece incapaz de conceber um governo empenhado em trabalhar para todos e em manter, ao mesmo tempo, o equilíbrio das contas oficiais.
O ministro da Fazenda tem defendido a tese oposta — do governo socialmente transformador e financeiramente bem arrumado. A diferença entre o ministro e seu chefe parece incluir uma divergência sobre uma ideia admitida e seguida por milhões de famílias: se um objetivo é prioritário se o dinheiro é curto, cortem-se outros gastos. Simples assim, como se diz no linguajar contemporâneo.