Manicure, dentista e educação: depois do preço de alimentos, agora o de serviços começa a preocupar

Turbinada pelo emprego e pela indexação a outros preços, inflação de serviços em 12 meses até janeiro subiu quase 1 ponto porcentual, enquanto a de alimentos, embora alta, desacelerou

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Foto do author Márcia De Chiara
Atualização:

A inflação de alimentos deve continuar incomodando os brasileiros no curto prazo, mas a escalada de preços dos serviços e de bens industriais, ainda por conta do repasse da alta do câmbio, é o principal foco de preocupação da inflação para este ano, sobretudo do Banco Central (BC).

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Tanto é que o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC acaba de elevar a taxa básica de juros em 1 ponto porcentual, para 13,25% ao ano, a fim de esfriar a atividade e segurar a expectativa de inflação, que deu um salto na última semana.

De acordo com o mais recente Boletim Focus do BC, o mercado projeta que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deste ano atinja 5,5%, ou seja, 1 ponto porcentual acima da meta, e muito acima da inflação de 5,08% projetada para 2025 na semana anterior.

Um estudo com base nos resultados do IPCA-15 – a prévia da inflação – para identificar a variação dos núcleos de inflação, indicadores de tendência, mostra que serviços e bens industriais são grupos de preços que registraram aumentos nos últimos 12 meses até janeiro em relação ao acumulado até dezembro 2024.

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De acordo com o estudo da Lifetime Gestora de Recursos, em 12 meses até janeiro 2025, o núcleo da inflação de serviços acumulou alta de 5,45%, um aumento de mais de 1 ponto porcentual em relação ao acumulado até dezembro pelo mesmo indicador (4,44%).

Outro grupo que segue pressionado é o de bens industriais em razão do repasse defasado da alta do câmbio. Até janeiro, o núcleo de bens industriais acumulavam variação de 2,93% ante 2,59% até dezembro.

Já a inflação da alimentação no domicílio, embora em níveis elevados e bem acima do teto da meta (4,5%), o núcleo aponta desaceleração. Até janeiro, o acumulado em 12 meses está em 7,76%, um ponto porcentual abaixo do acumulado até dezembro de 2024 (8,76%).

Preço de serviço é de difícil recuo

Diferentemente dos preços dos alimentos que sobem e descem, por conta da oferta e da demanda, os preços dos serviços provocam mais estragos porque são difíceis de recuar.

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“Embora a inflação de alimentos cause mais barulho, a inflação de serviços preocupa mais porque ela sobe e não volta, não é volátil”, afirma Marcela Kawauti, economista-chefe da gestora e responsável pelo estudo.

Além da “rigidez” da inflação de serviços, a economista observa que ela é mais difícil de deter porque carrega um componente forte de indexação a outros preços.

A dona do salão Toko’s Cabeleireiros, Lucivania Machado da Silva, que fica na Zona Oeste da capital paulista, por exemplo, acaba de reajustar em 6,25% o preço da manicure e em 12,5% o valor do serviço de depilação de sobrancelha.

No IPCA-15 acumulado em 12 meses até janeiro, os preços da manicure subiram 10,68% e da sobrancelha, 7,22%, enquanto o IPCA-15 como um todo teve alta de 4,50% no período.

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A cabeleireira Lucivania Machado da Silva, dona do salão Toko's Cabeleireiros, reajustou o preço da manicure e do serviço de depilação de sobrancelha Foto: Alex Silva/Estadão

Além do aumentos de preços dos produtos que utiliza, como esmalte, itens descartáveis, a dona do salão de beleza aponta o reajuste da tarifa de ônibus, que subiu este ano para R$ 5 na cidade de São Paulo, como um dos fatores que a fizeram elevar preços. “Todas nós (trabalhadoras do salão) usamos transporte público, eu moro na Zona Leste e pego três conduções por dia”, exemplifica.

O economista Fabio Romão, da LCA 4 Intelligence, cita como outro exemplo de indexação dos serviços o que ocorre com as despesas de educação. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) é o principal indexador do custo da mão de obra na educação.

O indicador encerrou o ano passado com aumento de 4,8%, portanto 1 ponto acima do registrado em 2023. Isso fez o economista projetar uma alta de 6,3% para os cursos regulares em fevereiro deste ano, ante um aumento de 6,1% em fevereiro passado.

Também depois dos resultados do IPCA-15 de janeiro, Romão reviu para cima a inflação de serviços, projetada agora para 6,2% para este ano. É 1,4 ponto porcentual acima do registrado em 2024. Também está acima da projeção geral do economista para o IPCA de 2025, que é de 5,5%

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Além de sofrer influência de outros preços, Romão destaca que levou em conta o desempenho do mercado de trabalho para aumentar a projeção da inflação de serviços. “Teve um movimento muito robusto do mercado de trabalho no ano passado.”

A taxa de desemprego encerrou 2024 na mínima histórica de 6,6%, e a massa de rendimentos dos trabalhadores atingiu R$ 328,6 bilhões. É o maior nível da série iniciada em 2012, com alta real de 6,5% na massa de rendimentos ante 2023, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Romão, que espera para este ano uma taxa média de desemprego ligeiramente maior, de 7,3%, ressalta que ainda será uma desocupação muito baixa.

Com o fortalecimento do emprego e da renda, o quadro fica mais favorável para que os reajustes de preços sejam aceitos pelo consumidor. “Desemprego baixo aumenta a demanda”, afirma André Braz, coordenador dos Índices de Preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas.

O economista observa que a maior parte da população brasileira é de baixa renda e tem pouca capacidade de poupança. Por isso, quando está com dinheiro na mão vai às compras, especialmente se a perspectiva é de novos aumentos de preços.

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Alimento ‘contamina’ serviços

A inflação de alimentos nos supermercados, que tem afetado o bolso do brasileiro e a popularidade do governo, começa a contaminar também o setor de serviços.

Mauro Sérgio Ribeiro Aguiar, sócio do restaurante Paraíso das Delícias, que reajustou em 20% o preço das refeições e teve queda no movimento Foto: Taba Benedicto/ Estadão

Mauro Sergio Ribeiro Aguiar, dono do restaurante Paraíso das Delícias, na Zona Oeste de São Paulo, acaba de reajustar em cerca de 20% o preço das refeições. O prato comercial, que custava R$ 25, subiu para R$ 30. Dados do IPCA-15 mostram que em 12 meses até janeiro de 2025 o valor da refeição subiu 6,40%, do lanche 7,96% e do cafezinho, 9,74%.

“O que mais pesa é a carne”, reclama Aguiar. Para não assustar o cliente, ele passou a oferecer outras opções de refeição com frango, que é uma proteína mais barata. Mesmo assim, teve uma queda de 40% no movimento desde que aumentou preços.

Além da carne que entra como ingrediente dos pratos, o que pesa nos custos é o pó de café. O produto subiu cerca de 40% em 2024. No passado, Aguiar sempre reajustava o preço do cafezinho quando a passagem de ônibus aumentava.

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Neste ano, no entanto, ele manteve o preço do cafezinho em R$ 4, mesmo com a passagem de ônibus reajustada para R$ 5. “Não subimos por causa da concorrência dos ambulantes, que vendem o cafezinho por R$ 2.”

O empresário observa que os ambulantes não têm custos de aluguel e de equipe — este, no seu caso, aumentou cerca de 30%, em razão de dissídio e hora extra. Com 10 empregados, no momento, ele conta que avalia reduzir para oito o número de trabalhadores. “O custo aumentou, o movimento diminuiu, e tenho gente ociosa.”

O ajuste que o dono do restaurante cogita colocar em prática para se adequar à nova realidade de preços é o que o Banco Central pretende que os agentes econômicos façam quando ele aumenta a taxa básica de juros para desacelerar o consumo e a segurar a inflação.

Na análise do economista Fabio Silveira, sócio da consultoria MacroSector, a alta dos juros básicos deve mudar o perfil da inflação a partir do segundo semestre deste ano.

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No primeiro semestre, haverá o efeito do repasse ainda defasado do dólar para as cadeias produtivas mais longas, como eletrodomésticos, eletrônicos, itens de vestuário. E isso deve acelera a inflação dos bens industriais, turbinada pelo reajuste do preço do diesel, que é base do transporte de carga do País.

“Mas o segundo semestre terá uma cara diferente, com inflação menor”, diz o economista. Isso porque as altas taxas de juros estarão fazendo efeito para desacelerar a economia e inibir os reajustes de preços.

Além disso, exceto para o milho, o economista não vê uma aceleração dos preços dos alimentos, subindo acima do patamar atual. “O café já está alto e não deve subir mais”, prevê Silveira, que espera um IPCA de 4,7% para o ano.

Braz, da FGV, que projeta um IPCA de 4,8%, diz que “está apostando na safra”. Ele acredita que, se o câmbio continuar desacelerando, a inflação de alimentos poderá recuar, embora os serviços continuem sendo uma grande preocupação.

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