‘Primeiro ano de governo Milei foi muito melhor do que se esperava’, diz economista do Ibre/FGV

Fabio Giambiagi destaca, no entanto, que presidente argentino ainda terá de mostrar que consegue adotar o câmbio livre sem que a inflação volte a subir

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Foto do author Luciana Dyniewicz
Entrevista comFabio GiambiagiEconomista, pesquisador associado do Ibre /FGV

Antes cético em relação à capacidade do presidente da Argentina, Javier Milei, ter sucesso na condução da economia do país, o economista Fabio Giambiagi agora afirma que os resultados das políticas adotadas pelo ultraliberal foram melhores do que o esperado. “O primeiro ano do governo foi certamente muito positivo”, diz o pesquisador do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas).

Filho de argentinos, o economista viveu no país vizinho durante sua infância e diz que a situação da população melhorou nos últimos 12 meses. “Estive na Argentina em janeiro de 2024 e agora. A diferença social é da água para o vinho. Havia uma situação de enorme emergência um ano atrás e agora a situação está mais tranquila.”

Apesar de o nível de pobreza no país ter atingido 52,9% no primeiro semestre de 2024, é provável que o indicador tenha caído na segunda metade do ano, afirma ele. Os números do fim de 2024 serão conhecidos apenas em março. “É razoável imaginar que, na mensuração de dezembro, haverá uma queda. Essa mensuração segue outros indicadores. Por exemplo, os salários: houve perda inicial grande, mas eles já estão em recuperação.”

Giambiagi, no entanto, destaca que o governo Milei ainda será submetido a um grande teste quando retirar as restrições ao câmbio que vigoram hoje. Quando isso for feito, explica o economista, a inflação poderá voltar a subir. “A prova vai ser quando o câmbio for livre, como ocorreu conosco em janeiro de 1999. Inicialmente, enfrentamos um ceticismo grande, mas o aís passou com sucesso no teste.”

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Diz ainda que será preciso ver se a estabilização da inflação será capaz de dar dinamismo à economia. “No caso brasileiro, o efeito da queda da inflação na recuperação da atividade foi modesto.”

Giambiagi: 'Governo Milei mostrou ter habilidade política' Foto: Wilton Júnior/Estadão

O pesquisador destaca também que Milei enfrenta uma maratona, não uma corrida de 100 metros, mas afirma que o presidente já começou melhor do que Mauricio Macri – que também teve seus resultados econômicos celebrados inicialmente, mas deixou a Casa Rosada com o país em recessão e enfrentando inflação em alta. “Há uma diferença enorme entre a situação fiscal atual e a do governo Macri. Claramente hoje é muito melhor. Se isso será suficiente para que a história seja diferente, veremos.”

A seguir, trechos da entrevista:

Antes de o Milei assumir a presidência, o sr. estava cético em relação à possibilidade de o governo ter sucesso na economia. Como avalia o resultado do primeiro ano de governo?

Foi certamente muito positivo e melhor do que eu e a grande maioria dos analistas esperávamos. Houve três diferenças importantes em relação ao que imaginava. Primeiro, o governo mostrou ter habilidade política. E, aí, um papel fundamental cabe ao Guillermo Francos, chefe de gabinete. Em segundo lugar, havia um ceticismo muito grande em relação ao cumprimento do déficit zero. Contra fatos, não há argumentos (o país teve, em 2024, um superávit primário de 1,8% do PIB e financeiro de 0,3% do PIB). Por último, os números de inflação são certamente muito melhores do que aqueles que o mercado imaginava no começo do ano (a inflação caiu de 211% em 2023 para 117,8% em 2024).

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A inflação caiu quase pela metade, mas ainda é alta. No fim de 2023, o sr. comentou achar que faltava um plano de verdade para controlar a inflação, que incluísse um projeto de desindexação. É possível continuar reduzindo a inflação? O governo tem um plano para isso?

Esses comentários se baseavam em uma suposição – que se revelou equivocada – de que a inflação cederia, mas depois ficaria estabilizada em torno de 5% ou 6% (por mês), o que apontaria para uma inflação mais próxima de três dígitos do que da estabilidade. Nesse contexto, seria necessário um plano de desindexação. Diante dos números alcançados agora, essa desindexação não parece necessária, mas, sim, a continuidade do programa clássico. Dito isto, vale o que mais de um analista historicamente falou sobre o país: governar a Argentina é controlar o câmbio. O fato, porém, é que o câmbio vem sendo mantido com o uso de instrumentos heterodoxos, que o próprio Milei criticava. Então, a prova do pudim está associada à manutenção do cepo cambial (conjunto de restrições de acesso ao dólar) e ao ‘crawling peg’ (regime de câmbio que permite depreciações graduais). Então, a prova vai ser quando o câmbio for livre, como ocorreu conosco em janeiro de 1999. Inicialmente, enfrentamos um ceticismo grande, mas o país passou com sucesso no teste.

Mas é possível levar a inflação anual para um dígito?

A maioria dos analistas considera que, no dia em que o câmbio flutuar, alguma desvalorização será mais ou menos inevitável. A dúvida é quanto disso passaria para os preços. Quem defende a medida diz que o repasse seria mais modesto, como foi no Brasil em 1999. Quem se opõe à medida, argumenta que isso poderia desatar uma corrida cambial. Muito provavelmente o governo vai tentar obter fundos em um acordo com o FMI que lhe permita ter uma maior flexibilidade. Por outro lado, quanto mais perto das eleições estiver, maior deverá ser a resistência do governo a encarar esse teste. Isso por razões óbvias. Se ele der errado na véspera da eleição, coloca em risco as chances de vitória. Então, parece difícil que o governo estique essa combinação atual de câmbio oficial controlado e manutenção do cepo até as eleições presidenciais de 2027. Por outro lado, como o governo tem um certo conforto hoje, com o câmbio controlado favorecendo a inflação baixa, há dúvida se ele sairá disso antes das eleições parlamentares de outubro deste ano.

Apesar da queda da inflação e do déficit, a pobreza cresceu muito no país. O sr. mesmo comentou, também em 2023, que o problema da classe média empobrecendo era dramático. Como vê a situação da população? Deve melhorar a partir de agora?

Estive na Argentina em janeiro de 2024 e agora. A diferença social é da água para o vinho. Havia uma situação de enorme emergência um ano atrás e agora a situação está mais tranquila. Sobre a aferição da pobreza, os indicadores são semestrais. A pobreza era muito alta no fim do governo de Alberto Fernández, ao redor de 40%, e deu um salto na mensuração de junho passado, que foi divulgada em setembro, para mais de 50%. É chocante, considerando que o país em que eu me criei tinha 5% de pobreza na minha infância, nos anos 60. No espaço de um pouco mais de uma geração, passou de 5% para 50% de pobreza. Isso deve ser um caso recorde mundial de empobrecimento. Dito isso, acho que é razoável dar o benefício da espera para o governo, principalmente considerando a defasagem dos indicadores. Era natural que o choque causasse, em um primeiro momento, um aumento da pobreza, por mais que ele tenha sido muito elevado. Mas também é razoável imaginar que, na mensuração de dezembro – que vai ser conhecida em março –, haverá uma queda. Essa mensuração segue outros indicadores. Por exemplo, os salários: houve perda inicial grande, mas eles já estão em recuperação. A expectativa é que haja uma queda na pobreza. A dúvida é em relação à sustentação. O que está se perfilando é o tipo de modelo em que o governo consegue sucesso em alguns indicadores, mas associados a crescimento vigoroso de alguns setores que não são muito empregadores de mão de obra, como petróleo e mineração. A dúvida é até que ponto isso se espalha para a economia e até que ponto a estabilização gera um dinamismo grande. No caso brasileiro, o efeito da queda da inflação na recuperação da atividade foi modesto. Agora a Argentina pratica um discurso de que basta estabilizar para a economia ser dinâmica. Ela crescerá muito em 2025. Isso está praticamente dado. Mas qual será o ritmo posterior ainda é uma interrogação.

Antes de o Milei assumir, o sr. dizia que fazer um ajuste fiscal como ele previa era difícil demais. Como avalia o resultado agora?

Na minha opinião, seria desejável que essa discussão fosse superada. Há controvérsias sobre a forma como foi obtida, a questão das aposentadorias (o presidente vetou um aumento de 8,1% nas aposentadorias que havia sido aprovado por ampla maioria no Congresso). Mas, dado que isso foi alcançado, algo que parecia impossível, abandoná-lo no futuro seria um pecado capital. Incorporar isso ao modus operandi da política argentina seria uma mudança transcendental se você olhar o histórico das últimas décadas.

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O Milei foi eleito com um discurso que defendia o fechamento do Banco Central e a dolarização…

Se a inflação for baixa, ninguém vai ligar para isso. O importante é que a inflação diminuiu. Se houver uma desvalorização e a inflação aumentar, provavelmente a popularidade dele irá por água abaixo e a oposição o acusará de estelionato eleitoral. Os resultados mandam. Se eles forem bons como foram até agora, a população vai ignorar esse descompasso entre o que ele prometeu e o que ele fez.

O sr. também desconfiava do ministro da Economia, Luis Caputo. Agora o vê com mais capacidade para ocupar o cargo?

Eu achava que ele não tinha características associadas à negociação com o Congresso. Continuo achando isso. Não obstante, com a articulação com o Congresso sendo feita pelo presidente da Câmara dos Deputados, Martín Menem, e pelo chefe de gabinete, essa característica um pouco diferente em relação a outros ministros não tem sido um obstáculo.

No fim do segundo ano do governo Macri, havia um otimismo grande com o sucesso que ele havia tido na economia. Depois disso, a situação mudou completamente e o governo terminou fracassado. Acha que o sucesso do Milei com os indicadores econômicos está mais estruturado para que não se repita algo como o que aconteceu com Macri?

Não tenho dúvida nenhuma de que o governo está enfrentando uma maratona e não uma corrida de 100 metros. Milei vai ser julgado pelo conjunto da obra de quatro anos. Dito isso, há uma diferença enorme entre a situação fiscal atual e a do governo Macri. Claramente hoje é muito melhor. Se isso será suficiente para que a história seja diferente, veremos.

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