MP causa polêmica ao liberar licença ambiental automática para projetos de baixo ou médio impacto

Regra sobre o licenciamento, incluída na MP, estabelece que apenas 'atividades com impacto significativo no meio ambiente' seguirão sem prazo definido para licenciamento

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Foto do author André Borges
Atualização:

BRASÍLIA - A medida provisória 915, publicada pelo governo na última sexta-feira do ano passado, em 27 de dezembro, tem causado polêmica entre especialistas do meio ambiente. No entendimento do setor, o texto da MP possibilita que processos de licenciamento ambiental que envolvam projeto de baixo ou médio impacto poderão obter licença automática, caso os órgãos responsáveis pelo processo não cumpram um prazo pré-determinado para se manifestarem sobre esses pedidos.

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A MP 915 trata, originalmente, da gestão de imóveis que pertencem à União. A regra sobre o licenciamento, incluída na MP, estabelece que apenas “atividades com impacto significativo no meio ambiente” seguirão sem prazo definido para licenciamento. 

A ideia é estabelecer um prazo geral de 60 dias para que os órgãos se manifestem. Até o dia 1º de fevereiro, cada órgão ambiental do País deverá estipular seus próprios prazos. Para que haja uma transição, no primeiro ano de vigência o prazo máximo estabelecido pelo órgão ou entidade poderá ser de 120 dias. Vencido esses períodos, o projeto recebe a licença tácita. No segundo ano, de 90 dias, chegando a 60 dias no terceiro ano. Poderá haver, no entanto, prazos maiores em casos que se comprovem mais complexos.

Especialistas afirmam que a proposta é inconstitucional, porque a Lei Complementar que trata do Meio Ambiente (LC 140) proíbe a estipulação de prazos para a emissão de qualquer tipo de licença ambiental e o instrumento da MP não tem poder de alterar essa regra. Pela legislação, para que isso fosse feito, o governo teria de submeter ao Congresso um Projeto de Lei Complementar. 

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“Da forma como está, é inconstitucional. Em tese, se essa licença tácita fosse apenas provisória e não paralisasse o andamento da análise ambiental, até poderia ser algo cabível, mas esse não é o caso. Está em desacordo com o que diz a lei complementar”, diz Gustavo Badaró, professor de Direito Processual Penal da Universidade de São Paulo (USP).

“Essa mudança é inconstitucional. A lei ambiental em vigor proíbe a aplicação automática de licença por decurso de prazo”, diz o advogado Fabio Feldmann, ex-secretário de meio ambiente de São Paulo. Na avaliação de Feldmann, que já presidiu a Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema), o artigo sobre licenciamento incluído na MP traz insegurança jurídica. “O que percebemos é que a qualidade técnica dos textos editados é ruim, tem ambiguidades. A redação é mal feita para dificultar a leitura e o entendimento. Isso só potencializa a insegurança jurídica.”

Projetos “com impacto significativo no meio ambiente” são aqueles que exigem a contratação de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA), como construção de hidrelétricas e abertura de novas estradas, portos e ferrovias, por exemplo. Esse tipo de empreendimento de maior complexidade, no entanto, é minoria no dia a dia dos pedidos analisados pelos Estados.

Em São Paulo, por exemplo, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) acumula um estoque de mais de 100 mil processos de licenciamento já realizados. Desse total, somente 1 mil, exigiram a elaboração desses estudos, ou seja, apenas 1% do total licenciado, segundo informações levantadas pelo doutor Luis Sánchez, professor titular da Escola Politécnica da Universidade São Paulo (USP).

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“Estão tentando resolver, pela via legislativa, um assunto que é administrativo. Tentar fazer com que essas decisões sejam automáticas é uma forma de não enfrentar o problema institucional, que é a capacitação dos órgãos ambientais. Os servidores têm a missão de cumprir esse trabalho, mas não possuem apoio e recursos para isso”, comenta Sánchez. 

A proposta defendida pelo Ministério da Economia foi batizada de “Licenciamento 4.0”. Os órgãos ambientais ainda precisam definir quais são os projetos de baixo ou médio impacto ambiental. Em linhas gerais, esses empreendimentos incluem, por exemplo, plantas industriais, postos de gasolina ou a ampliação de capacidade de uma rodovia.

"Mal entendendido"

Apesar das queixas, o Ministério da Economia nega que tenha a intenção de impor a regra de licença tácita ao meio ambiente após um determinado prazo e afirma que se trata de um mal entendido.

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Geanluca Lorenzon, diretor do programa de desburocratização da Secretaria Especial do Ministério da Economia, diz que a aprovação tácita das licenças instituída pela Lei de Liberdade Econômica e regulamentadas pela MP 915 não se aplica para o licenciamento ambiental.

“Não há a intenção ou a interpretação de que os licenciamentos ambientais de empreendimentos, atividades, fábricas, prédios, edificações passem a estar sob aprovação tácita”, diz o secretário.

Segundo Lorenzon, o alvo da medida são “licenças de direito ambiental”, o que incluiria requerimentos burocráticos mais simples. Ele cita como exemplos a emissão de autorizações para uso do selo ruído em eletrodomésticos, registro de produtos para preservação da madeira, entre outros. “Sobre todos esses outros tipos de licenças, o órgão ambiental fará a avaliação se existe potencial dano ambiental envolvido e, caso seja positivo, estará afastada a aplicação da aprovação tácita”, afirma.

Lorenzon admite que há possibilidade de alterar o texto da MP enviado ao Congresso para afastar a interpretação dos especialistas. 

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Expectativas

O setor privado espera alterações nas regras do licenciamento, mas sem fragilidade jurídica. “A questão legal dessas mudanças deve ser avaliada pelos advogados. Agora, do ponto de vista do investidor, está claro que é preciso ter um senso de urgência de que o País tem de se desenvolver”, diz Cesar Borges, presidente executivo da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR). De acordo com ele, em média, numa duplicação de rodovias, a licença ambiental leva dois anos para sair. “Muitas vezes, o impacto de uma obra já ocorreu. Então, uma medida que possa simplificar o processo vem em boa hora.”

Pesquisas comprovam que as rodovias são o principal vetor da destruição da floresta Foto: VINICIUS MENDONCA - IBAMA
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