BRASÍLIA - O texto da Medida Provisória (925) de socorro ao setor aéreo, aprovado na última quarta-feira, 15, pelo Senado, limita as situações em que a empresa aérea responde por danos causados ao consumidor e promete, na visão do mercado, reduzir o índice de judicialização na aviação. As mudanças são comemoradas pelo presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Eduardo Sanovicz. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, Sanovicz afirmou que, com o texto, o Brasil "finalmente" se alinha ao conceito internacional de dano moral, demanda "histórica" do setor.
As alterações ainda precisam ser chanceladas pelo presidente Jair Bolsonaro. A partir disso, se receberem o aval, um atraso de voo por mau tempo, por exemplo, não dará direito de indenização ao consumidor, a não ser que se prove que a companhia tem algum tipo de culpa no ocorrido. "Quando o problema de um voo for causado por força maior, nós não vamos pagar dano moral, a não ser que alguém prove motivo que nós temos culpa. No mundo inteiro, quando o motivo é de força maior e fatores como clima, uma pandemia, impedem um voo de sair, isso não gera dano moral", explicou Sanovicz.
O texto foi costurado pelo deputado Arthur Maia (DEM-BA), com o auxílio do setor e do Ministério da Infraestrutura - que, como mostrou o Estadão/Broadcast, via na tramitação da MP uma oportunidade para trabalhar agendas pró-setor. A versão aprovada pelo Congresso define quais situações se enquadram como casos fortuito ou de força maior, e que, portanto retiram a responsabilidade do transportador sobre danos causados ao consumidor por atrasos.
São elas: restrições ao pouso ou à decolagem decorrentes de condições meteorológicas adversas (mau tempo); em razão de indisponibilidade da infraestrutura aeroportuária; motivadas por determinações da autoridade de aviação civil ou de qualquer autoridade da administração pública (que será responsabilizada); e pela decretação de pandemia e atos do governo decorrentes dela, que impeçam ou restrinjam o transporte.
Para o setor, a falta de uma legislação clara sobre o tema abriu portas para o excesso de judicialização no Brasil, além de incentivar o surgimento de "sites abutres", como Sanovicz chama, responsáveis por estimular o consumidor a entrar com ações de dano moral contra a empresa aérea. "Esse artigo da MP permite que o Brasil pratique o que se pratica no planeta. O (direito) ao dano continua existindo, você pode pedir desde que seja um assunto da governabilidade da empresa", disse o presidente da Abear.
No relatório em que propôs as novidades, Arthur Maia destacou que, em 2017, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), as condenações judiciais decorrentes de ações ajuizadas por passageiros representaram aproximadamente 1% dos custos e despesas operacionais das empresas aéreas brasileiras. Custo equivalente a R$ 311 milhões. "E resultado de mais de 60 mil processos ajuizados contra as empresas aéreas nacionais", citou.
Mais mudanças
Na avaliação de Sanovicz, a versão final da MP é "muito positiva" para o setor. Além das alterações nas regras de responsabilização das empresas aéreas por danos ao consumidor, a Abear também comemorou a liberação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para os aeroviários e aeronautas, a extinção a partir de 2021 do adicional de 18 dólares à Tarifa de Embarque Internacional e a liberação dos recursos do Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac) para empréstimos ao setor.
Sobre a alternativa de crédito, Sanovicz lembrou que o governo ainda precisa regulamentar como serão as operações. Segundo o texto aprovado no Congresso, o dinheiro do Fnac poderá ser usado para empréstimo e como garantia de operações de até R$ 3 bilhões. "Agora precisamos ver como será regulado. Mas é super relevante por ser uma possibilidade de alternativa de crédito", disse.
Já sobre a extinção do adicional, Sanovicz pontuou que, embora não interfira diretamente na receita das empresas aéreas, é uma mudança que irá diminuir o custo do bilhete. Na prática, isso vai tornar o mercado mais propício à entrada das companhias low cost. Estudos apontam que, caso de destinos na América do Sul, o adicional pode representar mais de 20% do preço da passagem.
O presidente da Abear ainda destacou o aval pelo Congresso das regras de reembolso e remarcação de passagens durante a pandemia - objeto inicial da MP, que teve regras mais bem detalhadas a partir de um acordo das empresas aéreas com o Ministério Público Federal, fechado em março. "Consagra o acordo que nós estamos praticando com os consumidores, que firmamos com Ministério Público lá atrás", disse.
De acordo com a medida, as companhias aéreas têm um prazo de até 12 meses para devolver aos consumidores o valor das passagens compradas entre 19 de março e 31 de dezembro de 2020 e canceladas em razão do agravamento da pandemia. O texto também prevê que o passageiro terá a opção de receber um crédito, ao invés do valor em dinheiro, a ser utilizado em até 18 meses.
Tributário
Sanovicz lembrou, no entanto, que o setor ainda tem uma agenda importante na área tributária pela frente, para igualar o Brasil a padrões internacionais. O mercado reclama há anos de tributações aplicadas, como a cobrança de PIS/Cofins no querosene de aviação. A ideia inicial do Ministério da Infraestrutura era de trabalhar com essa agenda também dentro da MP, mas a orientação do Ministério da Economia foi contrária.
Questionado se a reforma tributária seria um bom espaço para discutir essas mudanças, o presidente da Abear afirmou que a entidade está à disposição para debater o tema, seja onde for. "Todos os fóruns que se habilitam a debater, nós vamos debater. A nossa agenda tem um conceito muito claro, defendemos que o Brasil precisa ter aqui as regras que existem no planeta, regras judiciais, de regulamentação e de tributação", disse.
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