‘Mudança climática exige preparo da Saúde para atender em extremos’, diz presidente do Einstein

Para o médico Sidney Klajner, setor deve levar à COP experiências de quem já sofre com mudanças climáticas para contribuir nos debates

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'Mudança climática exige preparo da Saúde para atender em extremos', diz presidente do Einstein

Para Sidney Klajner, setor deve levar à COP experiências de quem já sofre com mudanças climáticas para contribuir nos debates

Foto: Egberto Nogueira/imãphoto/Hospital Albert Einstein
Entrevista comSidney KlajnerPresidente do Hospital Albert Einstein

O setor da saúde pode ser afetado pelas mudanças climáticas em mais de uma forma: enquanto precisa realizar sua parte para diminuir as emissões de gases de efeito estufa e outros impactos ambientais, também deve se preparar para atender quem sofrer com os problemas causados por ondas de calor, enchentes e demais tragédias climáticas, que devem se tornar cada vez mais constantes. O tema será debatido na COP-30, a conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre mudanças climáticas, em Belém, em novembro.

Na tentativa de avançar nas pautas, o Hospital Albert Einstein tem a meta de reduzir as emissões de carbono à metade até 2030 e zerá-las até 2050. Porém, segundo o presidente do hospital, Sidney Klajner, as metas devem ser alcançadas com antecedência devido ao consórcio na usina do Complexo Eólico Serra das Vacas, da Engeform Energia, para produção de energia para uso exclusivo, além de uma série de outras iniciativas.

Em entrevista ao Estadão, Klajner deu detalhes dessa e de outras iniciativas do hospital, além do planejamento para lidar com a população que será atingida pelos eventos climáticos extremos.

Ele ressalta que o Einstein vai participar da própria cadeia de produção da energia, por meio de um contrato com uma empresa de engenharia para aproveitar a geração em um parque eólico, em Pernambuco, na Serra das Vacas, e assim permitir que, do consumo total do hospital, 74% sejam de energia renovável; a energia proveniente de fontes renováveis subiu de 72% em 2022 para 74% em 2023.

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Klajner é uma liderança do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nº 3 da ONU, voltado a uma vida saudável e a promover o bem-estar a todas as pessoas, em todas as idades. Também fala sobre a participação na COP-29 e as expectativas para a COP-30. Confira os principais trechos da entrevista.

Por que o Einstein decidiu entrar nessa jornada de descarbonização?

Até antes de falar da jornada de descarbonização, ela remete à própria essência e ao propósito do Einstein. Ele busca retribuir à sociedade o acolhimento que toda uma comunidade judaica teve no momento da sua imigração ao Brasil, no pós-guerra. E, sendo uma organização que busca a saúde de cada ser humano, entendemos que aquilo que impacta a saúde, não importa de que origem, deve ser um dos nossos objetivos. Quando falamos de alterações climáticas, isso atinge a saúde da população de uma forma que, até hoje, vem no sentido de sensibilizar os sistemas de saúde para que estejam preparados. Daí a nossa postura de tentar, de alguma forma, chamar a atenção e colocar um holofote dentro da saúde acerca dos extremos de temperatura e das mudanças climáticas. Para mitigar todo esse efeito dos gases de efeito estufa, o Einstein assinou, em 2021, o compromisso do Race to Zero, a campanha por uma saúde sem danos, dos Hospitais Verdes e Saudáveis, que busca reduzir a emissão de gases de efeito estufa, carbono, em 50% até 2030 e totalmente até 2050.

Klajner destaca que todas as ações do Einstein são aplicadas nas unidades próprias do hospital, no Morumbi, na capital paulista, e em Goiânia, assim como nas unidades públicas geridas por sua organização Foto: Egberto Nogueira/imãphoto/Hospital Albert Einstein

Como o hospital está trilhando essa jornada?

As organizações de saúde como um todo contribuem com 5% da emissão de gases de efeito estufa, o que não é pouco (se fosse um país, estaríamos em quinto lugar na produção de gases de efeito estufa). Por conta disso, e vendo o consumo intenso de energia de uma organização de saúde, nas 24 horas, nas terapias intensivas, temos o objetivo de trocar por energia renovável, já há algum tempo, através de placas fotovoltaicas, e mudar o sistema de ar condicionado por um que vai ter um poder de economizar muito mais energia. Mais recentemente, decidimos não apenas usar a energia solar e cuidar do desperdício, mas participar da própria cadeia de produção, através de um contrato com uma empresa de engenharia, para produzir a nossa própria energia, em um parque eólico em Pernambuco, na Serra das Vacas. Ele vai permitir que, do consumo total do Einstein, 74% seja de energia renovável. O objetivo é que seja em todas as unidades. Imaginamos que, ao invés de chegar à meta de 50% em 2030, a gente deve chegar a essa meta no final de 2025, culminando também para que atinja a redução total, prevista para 2050, lá em 2034, 2035.

Como se realizará a transição para que toda a energia seja renovável, não só os 74%?

A partir também da implementação de placas fotovoltaicas nas novas unidades e de mais projetos que diminuam o desperdício. Já acontece hoje um programa de sensibilização de fornecedores para que façam o mesmo em suas cadeias produtivas, hoje temos oportunidade de até fazer auditoria dentro dos fornecedores para contribuir com a diminuição de emissões. Esses fornecedores vêm participando de uma verdadeira corrida, que gratifica num evento anual aqueles que implementaram ações mais contundentes na redução das emissões. As unidades públicas também vão passar a contar com esse tipo de ação. Também na cadeia de fornecedores prestamos atenção a pontos como logística reversa de embalagens, diminuição da entrega de embalagens para dispositivos, controle de efluentes. Então tem uma série de atividades, obviamente não tem uma bala de prata, mas é, primeiro, uma mudança de mentalidade.

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Há iniciativas voltadas a outras questões ambientais, como o descarte de resíduos?

Hoje nós temos tido a oportunidade de reciclar esse material têxtil em organizações não governamentais. Uma delas tem produzido bolsas com o nosso resíduo têxtil, que é primeiro esterilizado e depois vira matéria-prima para que mulheres de uma organização não governamental possam gerar produtos que são vendidos em benefício a elas e também ao planeta. No ano de 2024, o hospital expandiu o Projeto Transformando Resíduos em Novos Produtos para mais unidades. O resíduo comum passa por um rigoroso processo de segregação, permitindo a recuperação de recicláveis descartados incorretamente, além de compostagem para reciclagem. O rejeito é coprocessado e utilizado para aquecer fornos de cimenteiras, evitando o envio para aterros sanitários. Temos conversado com os parceiros que fornecem esses materiais que vão virar resíduos, para terem a preocupação com a diminuição da embalagem, ou do número de embalagens por produto, e também de o próprio fornecedor cuidar da embalagem que ele entrega, a chamada logística reversa.

Como funciona a auditoria sobre os fornecedores e essa ‘corrida’? Tem alguma premiação para os fornecedores?

É um evento que o Einstein faz anualmente e que os diagnósticos continuam ao longo do ano. Convidamos o fornecedor para que também desempenhe em práticas que reduzam pegada de carbono, que reduzam efeitos sobre o clima. As empresas que tomam essas ações são reconhecidas durante esse evento. Isso é mediante também o alinhamento de propósitos e valores destes fornecedores, já que o benefício vai ser para a população em geral. O Einstein disponibiliza aquilo que temos feito dentro de casa para dentro das empresas fornecedoras, garantindo a obtenção desses suprimentos seja feita com aqueles que mais se dedicam também a diminuir o impacto ambiental.

O sr. participou da COP-29, no ano passado. Como foi essa participação?

Nós tivemos oportunidade de fazer um reconhecimento acerca da relevância da saúde como pauta de discussão nas salas de negociação, nas mesas de debate. Ficamos um pouco desapontados. Desde Dubai, que foi a primeira vez que a saúde entrou na pauta da discussão das COPs, eu achava que ela já teria uma presença muito maior do que teve. Mas tivemos a oportunidade de participar de um painel de debates acerca da resiliência necessária dos sistemas de saúde e também dentro da Blue Zone (área para pavilhões de países), onde tínhamos a condição de fazer esse debate com entidades nacionais e internacionais. Queremos trazer esses holofotes para que a discussão de saúde continue e cresça após a COP-30, da qual o Einstein deve ser um dos participantes. Nós temos realmente a meta de participar com o intuito de trazer uma relevância maior para a saúde, quando comparamos aquilo que é discutido em relação à descarbonização ou a transição energética, queremos trazer esse holofote para a saúde também. Porque aquelas populações mais vulneráveis, que são as que menos contribuem para a emissão de gases de efeito de estufa, são as mais atingidas nos extremos de temperatura e nas tragédias climáticas, como o calor extremo ou chuvas, como na (tragédia das chuvas no) Rio Grande do Sul, no litoral norte (de São Paulo). Para uma organização de saúde é tão importante estar nesse debate porque, ao mesmo tempo que fazemos parte de um setor que produz carbono, e devemos diminuir essa pegada de carbono, somos nós que devemos nos preparar e preparar a população para o atendimento no caso de uma catástrofe ou de um extremo de temperatura. Temos de preparar os hospitais e os sistemas para que tenham a infraestrutura adequada, para que tenham a capacidade de antever e prevenir essas catástrofes e alertar a população para os comportamentos nessa hora, desviar o atendimento para quando ele é impedido para que ocorra, por exemplo, como foi na cidade de Canoas, quando se perde um monte de unidades de saúde, para que aquele paciente que tem um problema crônico não deixe de ser atendido.

Muitas vezes sabemos que as tragédias vão acontecer, mas não sabemos quando, nem onde. Como as unidades de saúde podem se preparar?

Isso é um problema de saúde pública, então essa preparação tem de vir de cima, tem de vir com uma verdadeira política. Tem lei para que o município tenha um plano para catástrofe relacionado à saúde. Esse plano, se eu quiser te dar um exemplo até um pouco grosseiro, tem de contar com aquele paciente oncológico que faz um tratamento semanal de quimioterapia. Vamos supor que a unidade onde ele faz o tratamento esteja inundada, ele tem de saber qual é a unidade alternativa para ele ir. Ele tem de saber também no momento em que estamos esperando uma onda de calor muito grande. O sistema de saúde deve, primeiro, definir do ponto de vista de infraestrutura, quais unidades estarão aptas a atender o paciente quando outras estiverem impedidas, ou qual é a rota de fuga, ou qual o tipo de material com que esse hospital deva ser construído para que uma ventania não derrube sua janela, ou que tipo de proteção eu tenho de colocar circundando o hospital. Para que uma enchente não atinja o gerador de energia, ele não pode ficar no subsolo, tem de ficar no alto, senão ele vai quebrar logo quando a gente mais precisa de energia, como numa enchente que aconteceu no Rio Grande do Sul. Também é preciso capacitar profissionais para lidar com alterações climáticas e educar a população para que ela saiba de alertas e saiba qual é o plano alternativo.

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Outro ponto importante é a questão da saúde mental. Como os hospitais podem fazer a parte deles na questão da ansiedade climática?

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A ansiedade climática faz parte de um conjunto de situações que viemos observando no dia a dia das populações em geral, não só com alterações climáticas, mas com a qualidade de vida não tão boa, principalmente nos grandes centros urbanos. Moramos num grande centro urbano, mas comemos mal, dormimos mal, nos locomovemos mal. Então, estamos exposto a problemas de saúde mental, não só pela ansiedade climática, mas por todos os fatores, como burnout, como problemas financeiros. Os sistemas de saúde, e aí eu falo também das empresas que têm os seus colaboradores muitas vezes sob o risco de problemas de saúde mental. Para isso, o Einstein tem tido uma experiência muito grande, mesmo antes da pandemia. A pandemia foi o que colocou esse preconceito parcialmente no lixo, para falar de saúde mental. Hoje temos uma abertura muito maior, mas programas como esse vêm sendo realizados na nossa organização e vêm sendo contratados por outras empresas para que a gente faça o mesmo tipo de programa para colaboradores de outras empresas. O cuidado com a saúde mental e com a ansiedade climática passa antes por programas e as empresas são os grandes detentores da responsabilidade para fazer com que eles sejam aplicados a seus colaboradores, como já fazemos internamente no Einstein com o programa Ouvid.

Quais discussões o sr. espera que estejam presentes na COP?

Dentro da parte onde achamos que pode trazer alguma contribuição, tem a ver com o sistema de saúde mais resiliente, na organização da saúde pública, para que tenhamos planos que sejam, de fato, ‘personalizados’, organizados conforme a região onde essa população está em risco. E podemos trazer para a discussão e contribuir muito com iniciativas que o Einstein tem junto a populações vulneráveis, primeiro para obter informação adequada que relaciona a qualidade de saúde desta população. Eu estou falando de populações, na sua grande maioria, pretas, quilombolas, populações indígenas que ocupam um território grande na região Norte, que estão muito longe do atendimento à saúde. Eles têm uma condição de saúde que nós estamos medindo e comparando dentro de um banco de dados com a qualidade do solo, a qualidade da água, e com problemas migratórios depois de um extremo climático. Temos embarcado neste tipo de programa tecnologia com inteligência artificial, para poder fazer essa relação que se transforma em informação, em qualidade da infraestrutura, acesso à saúde, e que isso sirva de informação para a ação do Ministério da Saúde, para trazer saúde para aquela população. Isso já foi implementado e está sendo implementado. Entendemos que, se isso é um modelo bom para trazer saúde, pode ser aplicado em outras partes do mundo, onde existam populações mais vulneráveis, em territórios mais hostis, visto que a quantidade de territórios expostos à seca ou à chuva extrema só aumenta a cada ano. Ao mesmo tempo, tem de chamar investimento. Hoje, dentro dos investimentos multilaterais para alterações climáticas, temos 2% disso ligado à saúde, que é muito pouco, quando falamos que tudo isso vai esbarrar na saúde.

É muito mais fácil você prevenir uma pneumonia do que tratar uma pneumonia.

Como buscar aumentar esse investimento com o governo e o setor privado?

Temos de trazer a importância e a relevância dessa discussão com os dois e sensibilizar governos na hora de dividir o seu orçamento. Isso tem de ser feito sob o risco de se trazer condições de saúde péssimas para aquela população, e é muito mais fácil você prevenir uma condição do que remediá-la, e há tecnologia para isso. E o setor privado, que em alguns momentos tem também participado com o financiamento de projetos nossos para a população que é vulnerável. Temos projetos realizados, muitos deles com grants e participação de entidades como a Gates Foundation, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento. O setor privado tem de ser impactado, porque também, quando falamos de alteração climática, faz parte de quem mora nesse planeta, e se buscamos de fato melhor saúde para a população em geral, não importa onde a gente mora, se é numa grande cidade ou não, o impacto é para todos.

Existem soluções que podem ser pensadas para hospitais com menos recursos financeiros na jornada de descarbonização?

Quando acabamos investindo em processos que evitam desperdício, aí você tem orçamento também para implementação de outras fontes de geração de energia, por exemplo. Quando você capacita bem o profissional, ele está pronto para lidar durante uma catástrofe, por exemplo. Quando o município senta e desenvolve um plano de catástrofe, ele já está dando algumas diretrizes de como agir com infraestrutura, com capacitação profissional, com educação da população. Existem algumas ações que também o setor público terá de fazer. Uma prática de saúde adequada, muitas vezes, não é a compra de um equipamento de última linha, que vai ter sua utilização ou ociosa, ou não utilizar da maneira mais profícua para o paciente, ou mais resolutiva. E esse investimento pode ser feito para mitigar porque, por exemplo, é muito mais fácil você prevenir uma pneumonia do que tratar uma pneumonia.

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