RIO - A tensão comercial entre o Brasil e os Estados Unidos sob Donald Trump na Casa Branca tem mais potencial para ganhar escala em função da pauta exportadora coincidente e por motivações políticas — e os juros altos agravam a situação. A avaliação é de Saverio Minervini, diretor de Corporações para América Latina da Fitch Ratings. Em viagem ao Brasil, o executivo americano falou ao Estadão/Broadcast no escritório da agência, no centro do Rio de Janeiro.
Ele lembra que o Brasil é concorrente dos EUA em produtos estratégicos para ambas as pautas de exportação, sobretudo soja e petróleo, e isso pode ser um ponto de tensão nas relações, com efeitos indesejáveis para a economia. “Além disso, Lula está de um lado politicamente e Trump, do outro, tem um amigo aqui, o (ex-presidente Jair) Bolsonaro. A companhia de mídia de Trump está ajudando, falando isso. Acho que vai impactar, sim. Trump quer ter um impacto grande aqui (no Brasil). Então, não vai ser grande surpresa se essa tensão econômica entre Brasil e Estados Unidos aumentar”, afirma.
Segundo Saverio Minervini, que monitora um portfólio com mais de 700 empresas na América Latina, os focos de preocupação para empresas do Brasil e da região são as variações de câmbio; os juros (em alta no Brasil e momentanemente pausados nos EUA); os efeitos do governo Trump; e crescimento chinês abaixo do esperado.
E o Brasil, diz, está implicado em todos esses fatores, com especial atenção para os dois primeiros: o câmbio, no qual o País é observado, assim como o México, e juros, no qual inspira preocupação, assim como a Colômbia.

Minervini observa que os anúncios de Trump surtem impactos antes mesmo de serem implementados. “Quando Trump fala, ou mesmo quando não fala, há um impacto. Antes da eleição de Trump, o peso mexicano era a melhor moeda emergente do mundo. Depois da eleição, tornou-se a pior. Uma desvalorização de 20% em poucos meses”, diz. Relatório recente da Fitch aponta que o Produto Interno Bruto (PIB) do México deve cair 3% este ano, após ter crescido 1,3% em 2024.
O motivo para a depreciação do peso mexicano e a retração nas expectativas foi a perspectiva de imposição de tarifas de 25% sobre produtos importados do país, também válidas para o Canadá, anunciadas em 4 de março e, logo em seguida, adiadas para o início de abril.
A China ficou com uma alíquota de 20%. Em retaliação, Pequim impôs novas taxas de 10% a 15% sobre as exportações agrícolas dos EUA e anunciou restrições de exportação e investimento a 25 empresas americanas, alegando “motivos de segurança nacional”.
México e Canadá têm ensaiado retaliações, com o primeiro insistindo no diálogo com a administração Trump, que segue fazendo ameaças. A mais recente foi dobrar a 50% a tarifa a todo o aço e alumínio canadenses. Medidas desse tipo seguidas de retaliações, diz Minervini, têm potencial para gerar uma espiral inflacionária global, mas tenderiam a não ir à frente, pelo menos não na intensidade prometida.
“Do meu ponto de vista, não vamos ter esse nível de tarifas com Canadá e México porque ninguém sai ganhando. Mas o fato é que teremos ganhadores e perdedores com Trump”, afirma.
Quais países podem sair ganhando?
Entre os ganhadores, ele lista a Argentina, que além do alinhamento ideológico dos líderes, deve receber apoio financeiro e técnico vindo dos Estados Unidos para destravar investimentos em energia e óleo e gás.
Para Minervini, Trump tem uma agenda que só ele mesmo conhece, abrindo espaço ao imprevisível. Mas, seja qual for, esse impacto seria limitado no caso brasileiro, em função da economia relativamente fechada do País.
“Trump tem impacto, é claro. Mas não vai ter um impacto tão direto porque a economia do Brasil ainda é bastante fechada. Mas haverá, sim, consequências para o valor do real, o que afeta a inflação no momento em que prevemos a taxa básica de juros chegando 15%. É um efeito bola de neve”, resume.
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Um efeito colateral importante das promessas de taxação de Trump, diz o executivo, seria uma canalização para outros países de produtos chineses não mais vendidos aos EUA, o que poderia acontecer inclusive no Brasil.
“A demanda global está baixa, e a China tem capacidade de produção muito alta. Então, ela (China) está inundando mercados com produtos a preços menores”, diz Minervini, dizendo que isso pode ter consequências para várias empresas.