A Cedae, estatal fluminense de fornecimento de água — a fatia mantida sob o controle do Estado após a privatização da antiga Cedae —, aplicou R$ 200 milhões do excedente de seu caixa em Certificados de Depósitos Bancários (CDBs) do Banco Master. A aplicação foi feita em 2023, quando o banco ainda era avaliado com uma nota (BBB+), abaixo do chamado “grau de investimento” (em que a chance de calote é menor).
Procurados, o Master e a Cedae não responderam até a publicação desta reportagem.
A responsabilidade por honrar os CDBs emitidos pelo Master é um dos temas que estão na mesa de negociação no processo de compra de uma fatia relevante do grupo pelo Banco de Brasília (BRB), anunciada no fim de março. O banco estatal já adiantou que não tem interesse em todos os ativos do Master e que, portanto, não deve “carregar” o total dos mais de R$ 50 bilhões em obrigações referentes aos títulos emitido pelo banco privado.
Como o valor investido pela estatal fluminense é muito superior à garantia dada pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC) aos compradores de CDBs, de até R$ 250 mil, em caso de calote, a companhia poderia sofrer perdas mesmo num arranjo que está em discussão no momento pelo Banco Central e os envolvidos no negócio com o BRB, em que parte dos títulos do Master que vencerão seria arcada pelo fundo.
Desde o leilão de privatização do saneamento no Rio, em 2021, a Cedae repassou ao mercado os serviços de transporte e tratamento de esgoto para se concentrar nas operações de captação, tratamento de água e fornecimento até a distribuição. Nesse novo formato, a companhia vem cortando custos e reduzindo o quadro de pessoal por meio de desligamentos incentivados (PDVs).

A aplicação da Cedae no Master representa cerca de 10% dos investimentos feitos pela companhia com o excedente de caixa. O restante está distribuído em fundos de renda fixa de bancos com a nota de classificação de risco mais elevada no mercado (AAA), como BTG, Itaú e Bradesco.
Nas notas explicativas do balanço, a companhia diz que a maior parte das alocações finais dos fundos investidos é realizada em títulos públicos. Para alocações em títulos privados, caso do CDB, a companhia diz que estão “restritas aqueles nos quais o emissor seja classificado como grau de investimento, para aplicações no Brasil, segundo o menor rating que possua entre as agências classificadoras Fitch, Standard&Poor’s e Moody’s”. Na época, o banco Master era avaliado abaixo de grau de investimento por Fitch (BBB+) e Moody’s (B3).
Em 2023, data do mais recente balanço disponível no site da Cedae, a empresa registrou R$ 3,2 bilhões em receitas e um lucro de R$ 421 milhões. Embora ainda não disponível no site da estatal, o Estadão/Broadcast teve acesso a um extrato do balanço encerrado em setembro de 2024 e a aplicação do Master ainda estava registrada nas aplicações, no valor de R$ 218 milhões.
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Um analista consultado pelo Estadão/Broadcast sob anonimato afirmou que não é comum uma empresa não investidora deter aplicações de bancos que não sejam S1 na classificação prudencial do Banco Central. A categoria reúne as instituições com peso de 10% ou mais do Produto Interno Bruto (PIB), como Itaú e Santander, e sobre os quais há maior aperto por parte do regulador.
Com o CDBs da Cedae, chega a R$ 1,9 bilhão o valor levantado pelo Banco Master entre entes públicos. Outros R$ 1,7 bilhão se deram pela compra de letras financeiras por fundos de pensão de prefeituras e Estados, o maior deles pelo Rioprevidência, dos servidores fluminenses, num total de R$ 1 bilhão. A letra financeira não conta com proteção do FGC.
Aplicações do Dia também chamaram atenção
Outra operação envolvendo aplicações de uma empresa em CDBs chamou a atenção do mercado recentemente. Em janeiro, a rede de supermercados Dia aplicou R$ 150 milhões em títulos do Letsbank, de Maurício Quadrado, ex-sócio do Banco Master. Até 2024, o Letsbank compunha o balanço do Banco Master. Este ano, com Quadrado já fora do grupo, a operação passou a se chamar Bluebank.
No relatório, o administrador judicial chama a atenção também à “relação histórica entre Nelson Tanure, controlador indireto do Grupo Dia, e Maurício Quadrado, proprietário do Letsbank.” Procurados, Tanure, Bluebank e Quadrado não comentaram.
A operação local do grupo espanhol Dia foi comprada por um fundo brasileiro, no início do ano passado, e entrou em recuperação judicial com dívidas de mais de R$ 1 bilhão. Em relatório de março, o administrador judicial chamou a atenção à concentração excessiva do investimento feito nos CDBs do Letsbank, representando 48% das disponibilidades da empresa no mês, um “aumento na exposição ao risco.”
Uma pessoa próxima à empresa diz que o alerta foi comunicado previamente pelo administrador, mas visto com tranquilidade internamente no negócio, uma vez que antes as aplicações estavam concentradas em aplicações de outro banco.
O nome de Tanure emergiu como controlador indireto do Dia depois de uma operação de venda do negócio entre fundos de investimentos, em janeiro, por R$ 50 milhões, em que a posição final de controle se deu num fundo que tinha o empresário como beneficiário final, como informado ao administrador.