A economista Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) acredita que o Brasil ainda está firme na corrida para liderar o processo global de transição energética. Na avaliação dela, o País tem todas as condições e ferramentas para ganhar protagonismo no setor, mas para isso terá de recuperar o espaço perdido nos últimos anos na disputa por investimentos internacionais.
Ela avalia que, desde 2016, com o impeachment da então presidente Dilma Rousseff, o Brasil entrou numa espiral de turbulência e incerteza, que piorou o ambiente de negócios doméstico. Pelo tamanho de seu território e economia e potencial energético, o País é naturalmente um candidato à liderança global.
“Só que o fato de ter potencial ainda não o coloca na posição que ele merece. O País precisará ralar muito para sentar naquela cadeira (de liderança). E esse processo é relativamente lento, diante da urgência e necessidade de reconstrução.” A executiva faz parte do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável do governo federal, o chamado Conselhão, formado por vários executivos.
Elbia participará do Summit ESG 2024, promovido pelo Estadão, no dia 26 de setembro, em São Paulo. No evento, ela vai discutir os caminhos e desafios que o Brasil precisa superar para a consolidação da transição energética. Para se inscrever, clique aqui.
Confira a seguir trechos da entrevista:
O Brasil é visto como um potencial candidato à liderança mundial na transição energética. Mas há muitas críticas de que as coisas não estão andando na mesma velocidade de outras nações. Isso é apenas uma impressão?
Não, não é apenas uma impressão. Infelizmente a percepção de risco no País ainda é muito alta. Isso afeta o ambiente de negócios que influencia o volume de investimentos. No ideário do melhor lugar do mundo para fazer negócios, uma das coisas que se considera é a regulação estruturada e a segurança institucional e jurídica. O importante papel das instituições, do Poder Executivo, do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, com destaque para as agências reguladoras, é fundamental para tornar o ambiente confiável. Outro ponto é o macroeconômico. Ou seja, se o país consegue, do ponto de vista macroeconômico, se sustentar no longo prazo, se ele está cuidando do equilíbrio fiscal. O equilíbrio fiscal é um indicador importante de segurança do país e de risco soberano. Então, quando você coloca essas variáveis juntas, o Brasil acaba perdendo. Esses fatores sempre pesaram muito, mas, recentemente, ganharam novos ingredientes.
Quais são eles?
A partir de 2016, o ambiente começou a ficar ainda mais turbulento: as consequências da operação Lava Jato, o embrião da polarização com a população nas ruas, o panelaço, o impeachment de Dilma (Rousseff), o governo (Michel) Temer, outros escândalos de corrupção e o governo (Jair) Bolsonaro. Vivemos um verdadeiro pesadelo. Conseguimos, num intervalo de menos de dez anos, sofrer todas as crises possíveis e imagináveis: corrupção, crise econômica, crise social, crise institucional e crise de ética. Uma verdadeira desconstrução da confiança do País, lembrando ainda que foram dois impeachments em uma democracia em formação. A polarização política alcançou seu limite, o que culminou no fatídico 8 de janeiro de 2023, quando a democracia foi fortemente ameaçada. Todas essas questões deixaram o País numa situação ainda pior no quesito ambiente de negócios, lembrando que se leva anos para construir confiança e credibilidade, e em pouco tempo se pode destruí-la. É por isso que o Brasil ainda perde nesse ranking (de competitividade e atratividade de investimentos). Confiança é uma equação com muitas variáveis e que guarda suas complexidades. Não pode ser construída da noite para o dia, a despeito do esforço das nossas instituições.
Há perspectiva de mudanças para conseguirmos atrair mais investimentos?
Do ponto de vista global, o Brasil é considerado um país historicamente amigável para atrair investimentos. Mas, diante do cenário configurado nos últimos anos, há uma série de lições de casa para resolver, como a recuperação da responsabilidade fiscal e a necessidade de provar que o País tem ambiente regulatório e jurídico adequados. Por outro lado, estamos vivendo um novo momento, com a formação de uma nova ordem econômica mundial. Há uma profunda transformação na economia e na sociedade, na busca pela economia de baixo carbono, com a indústria 4.0, com avanço tecnológico, computação em nuvem e inteligência artificial. Nesse processo de transformação tem o fator clima, das mudanças climáticas e transição energética. Então, com essa chacoalhada global, que vai definir uma nova ordem global, vão aparecer atores que, no passado, não teriam competitividade para sentar nessa cadeira (de liderança). Um desses atores é o Brasil e a própria América Latina, de forma geral. Como o Brasil é um “gigante”, é claro que ele fica em primeiro lugar para ser o ator em potencial nesse processo. Só que, apesar de o Brasil ter esse potencial, ele ainda não ocupa efetivamente a posição que ele merece. O País ainda precisa ralar muito para sentar naquela cadeira. E esse processo é relativamente lento, diante da urgência e necessidade de reconstrução.
Estamos atrasados nesse processo?
Sim e não, pois se olharmos um pouco para trás, observamos que há pouco menos de dois anos, o País estava completamente fora do debate do clima, do ponto de vista institucional. Há, neste momento, desde o início do governo Lula, um verdadeiro processo de reafirmação, de reconstrução da democracia, do papel do Poder Judiciário, do papel do Legislativo, do papel do Executivo e a reconstrução da própria sociedade, da ética, dos valores e dos costumes. O Brasil está diante de muitos desafios e equilibrando muitos pratos ao mesmo tempo. No meio dessa reconstrução, tivemos a tragédia do Rio Grande do Sul e agora a seca e as queimadas. Então, talvez o Brasil esteja numa espécie de purgatório. Mas temos pontos positivos: conseguimos aprovar uma reforma tributária depois de 30 anos. Ela não está prontinha, mas foi aprovada. Então, diante de todos esses entraves, diria que o País está fazendo avanços relevantes, sim, inclusive na questão da transição energética. Agora, sim, estamos atrasados e não estamos na posição que gostaríamos. E para isso existe explicação, existe justificativa.
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Qual é?
Em termos climáticos, tivemos quatro anos de negação, em que andamos muitos quilômetros para trás. A gente agora tem de recuperar esses quilômetros perdidos.
A gente corre o risco de ser superado por outras nações nessa corrida?
Esta cedo para concluir isso. Na realidade, acho difícil não aproveitarmos esta grande oportunidade tão próxima de nós, pois vejo um genuíno empenho do governo de fazer o que tem de ser feito. Agora, só empenho não é garantia. Mas entendo, sim, que hoje o País é capaz de chegar nessa posição (de liderança), porque nós ainda temos tempo. O Brasil tem os instrumentos para isso. Uma certeza temos: existe um alinhamento de desejo muito grande entre o Poder Executivo, Legislativo, Judiciário, setor produtivo e sociedade civil para colocar o Brasil nessa posição. As forças do País estão voltadas para essa direção. Acredito, sim, que somos capazes de chegar lá, de sermos protagonistas nessa nova ordem economia global. As políticas que estão sendo elaboradas, como o Plano de Transformação Ecológica, a Nova Indústria Brasileira, o Plano Clima e o Plano de Transição Energética apresentados pelo Poder Executivo. E os Projetos de Lei aprovados recentemente no Congresso, como o Hidrogênio de Baixo Carbono e Combustível do Futuro, fazem parte de um arcabouço necessário e que estão todos interconectados. Estamos trabalhando agora para a aprovação do PL de eólicas offshore, do Programa de Aceleração da Transição Energética e do PL de mercado de carbono. Embora não tenham sido pensados juntos, esses projetos de lei, formarão a base regulatória que o Brasil pretende fazer, e vai fazer.
Em quanto tempo veremos resultados?
Não é nada para o curto prazo. Mas qual resultado que você quer ter? Porque já vejo resultados positivos. Quando você olha o plano de transformação ecológica, ele parece muito amplo e teórico, mas existe uma concepção de que fortalecerá o País por meio da bioeconomia, da mineração e da energia. Para mim, já é algum resultado de um trabalho elaborado e colocado numa proposta. A proposta está lá, está dada, precisa ser implementada, e neste aspecto já vejo avanços importantes. Os projeto de Combustível do Futuro e do Hidrogênio, contribuem para esse resultado. Entendo que o País caminhará agora para as implementações daquilo que está desenhado no papel. Então, começaremos a ver mais resultados. Mas vale dizer que isso não se descola da pauta econômica, da macroeconomia e da política de juros. Temos também outras coisas acontecendo: o Brasil preside o G20 e teremos a COP-30. Até o ano que vem, mais ou menos setembro, próximo da COP-30 no Brasil, teremos resultados mais concretos e a percepção do quanto, de fato, o País conseguiu avançar nessas várias agendas.
A produção do hidrogênio está diretamente ligada à geração eólica e solar. Teremos de antecipar os projetos de eólicas offshore?
Temos 40 GW (gigawatt) de projetos de eólica onshore (em terra) prontos para serem implementados, e fazemos isso rapidamente, em dois anos, se for necessario. Portanto, não é o curto prazo que esta em discussão, mas sim uma perspectiva de médio e longo prazos em que o País se tornará esta superpotência energética que almejamos, e então vamos precisar de muita energia, de muitos projetos. Estamos neste momento, preparando toda a base legal e regulatoria para as eolicas offshore (em alto-mar), para tê-las a partir de 2030. Mas toda a base precisa ser criada agora, o aparato regulatório e o diálogo franco e direto de um país que necessita atrair investimentos, como e o caso do Brasil.
Em quanto tempo teremos custo ideal para comercializar hidrogênio?
Hoje, nenhum país do mundo tem custo competitivo para comercializar hidrogênio. Ninguém alcançou o ponto de equilíbrio (breakeven) nos projetos. É necessário um ganho de escala em nível mundial para superar a barreira do custo. Os países que parecem ter alcançado isso, na verdade, estão forçando esse equilíbrio por meio de subsídios e incentivos fiscais bilionários. Esses mecanismos distorcem os preços relativos entre os países. Nesse cenário, o Brasil não consegue competir com o hidrogênio produzido na China, Europa ou Estados Unidos. No entanto, o Brasil tem a oportunidade de obter os benefícios tecnológicos e de escala da economia global, como aconteceu com a energia eólica e solar na última década. Além disso, sendo detentor dos maiores potenciais de energias renováveis do mundo, pode transformar essa vantagem comparativa em vantagem competitiva. Com a lei já sancionada e a regulamentação dos incentivos fiscais nela criados, já é possível iniciar os primeiros projetos. Esta conta, em algum momento, vai fechar.