‘O grande salto dos carros voadores será na próxima década’, diz executivo de startup inglesa

Vertical Aerospace promete certificar seu eVTOL apenas em 2028; antes, prometia entrega de aeronaves para 2024

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Foto do author Luciana Dyniewicz
Atualização:
Foto: Divulgação/Vertical Aerospace
Entrevista comMichael CervenkaDiretor de tecnologia da Vertical Aerospace

A startup inglesa Vertical Aerospace, que trabalha no desenvolvimento de um “carro voador”, esteve recentemente à beira de uma crise de liquidez. Foi salva por um acordo com sua principal credora, a Mudrick Capital, uma companhia americana que investe em empresas com dificuldades financeiras. Pelo acordo, US$ 130 milhões da dívida que a Vertical tinha com a Mudrick foram convertidos em ações. A inglesa também garantiu US$ 50 milhões em novos financiamentos da Mudrick. Por outro lado, o fundador da Vertical, Stephen Fitzpatrick, teve de ceder o controle da empresa.

Segundo o diretor de tecnologia da startup, Michael Cervenka, a Vertical sempre trabalhou sabendo que teria de levantar mais recursos para continuar desenvolvendo seu eVTOL (sigla em inglês para veículo elétrico de pouso e decolagem vertical, como é chamado oficialmente o “carro voador”). Isso porque, quando a empresa fez uma fusão com uma Spac (companhia que primeiro abre capital na Bolsa para, depois, buscar um projeto para investir), em 2021, levantou apenas US$ 300 milhões. À época, houve desenvolvedoras de eVTOLs que conseguiram mais de US$ 1 bilhão.

“Entramos tarde nessa moda de Spac. Houve uma espécie de bolha nos primeiros dias, e algumas empresas conseguiram aproveitar isso. Porém, quando entramos no mundo das Spacs, a situação já havia esfriado”, diz Cervenka.

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O executivo afirma que a empresa tem hoje capital para operar por quase todo 2025 e deve levantar mais recursos até março. A Vertical queima cerca de US$ 100 milhões por ano – o que indica que ainda precisará de novos aportes até 2028, prazo que estabeleceu para conseguir a certificação de sua aeronave. De acordo com Cervenka, os eVTOLs só devem ganhar uma produção em escala na próxima década. “Estamos tentando ser racionais. A certificação é difícil. Há muito trabalho a ser feito, mas estamos em uma excelente posição.”

Confira, a seguir, trechos da entrevista:

A empresa levantou capital no fim do ano passado, evitando uma crise de liquidez. Algo inesperado aconteceu, considerando que o fundador teve de ceder o controle?

Em 2021, conseguimos realizar o processo de fusão com uma Spac e fomos listados na Bolsa de Nova York. Entramos tarde nessa moda de Spac. Houve uma espécie de bolha nos primeiros dias, e algumas empresas conseguiram aproveitar isso. Porém, quando entramos no mundo das Spacs, a situação já havia esfriado. Então, ficou muito claro que o valor que arrecadamos (US$ 300 milhões) foi um pouco menor que o de outras. Sempre soubemos que, por isso, precisaríamos levantar fundos adicionais. Não houve nenhuma surpresa. Foi importante que, com o acordo do ano passado, reestruturamos o balanço patrimonial, ajustamos parte das dívidas e nos posicionamos para conseguir captar mais recursos no futuro. De qualquer modo, temos uma estratégia diferente dos nossos concorrentes. Estamos gastando uma fração do que eles gastam.

Mas quais são as dificuldades no setor? Outras empresas, como as alemãs Lilium e Volocopter, passam por crise financeira.

Estamos testemunhando um certo grau de consolidação, onde apenas um pequeno número de empresas realmente críveis permanecerá no mercado. Mas, sendo sincero, diria que alguns dos desafios que as alemãs estão enfrentando estão relacionados aos veículos que desenvolvem e à estratégia adotada. A estratégia da Volocopter era ter um veículo muito simples, certificado rapidamente, mas de dois lugares. Isso resultou em uma capacidade muito limitada, o que é comercialmente bastante desafiador. A Lilium tem um veículo que depende de uma tecnologia que ainda não está realmente pronta. Eles precisam de células de bateria que ainda estão em laboratórios. Além disso, a Lilium manteve um ritmo de gastos enormemente alto (até 2022, a empresa queimava cerca de € 240 milhões por ano) em relação ao progresso alcançado.

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Os recursos que vocês levantaram no fim de 2024 permitem que a empresa opere por quanto tempo?

Temos financiamento que nos sustenta durante a maior parte deste ano. Já informamos publicamente que estamos buscando levantar mais fundos no primeiro trimestre de 2025, o que nos permitirá continuar com a operação de forma mais robusta. Em números, queimamos cerca de US$ 100 milhões por ano. Temos uma estratégia mais focada. Não estamos tentando operar as aeronaves. Isso significa que somos uma organização mais disciplinada. Temos uma equipe de 370 pessoas. Há concorrentes com mais de mil.

Como está o cronograma de desenvolvimento da aeronave da Vertical?

Nossa previsão é obter a certificação até o fim de 2028. O objetivo é que, até 2030, já tenhamos implantado pelo menos 150 aeronaves. Temos um plano de produção que, ao longo do tempo, se expandirá para cerca de 700 aeronaves por ano. Estamos tentando ser racionais. A certificação é difícil. Há muito trabalho a ser feito, mas estamos em uma excelente posição.

Cervenka: 'Quando entramos no mundo das Spacs, a situação já havia esfriado' Foto: Divulgação/Vertical Aerospace

Quando será normal ver essas aeronaves voando em todo o mundo?

No fim da década, teremos as operações iniciais. Serão voos para conectar aeroportos a áreas ao redor. Serão oportunidades turísticas, seja de voos até hotéis ou passeios turísticos. Haverá oportunidades também onde há lacunas na infraestrutura de transporte terrestre. Acho que o grande salto será na próxima década. A década atual realmente é para certificar os primeiros eVTOLs e colocá-los em operação.

Em 2018, as empresas, incluindo a Vertical, falavam que entregariam as primeiras aeronaves em 2024. Isso não aconteceu. Elas estavam muito otimistas ou prometeram prazos apertados para animar o investidor e levantar recursos?

Passei as últimas três décadas na indústria aeroespacial e é difícil certificar aeronaves. Sou um grande entusiasta do eVTOL. Será uma verdadeira disrupção para a aviação. Se você olhar para a indústria, vimos apenas melhorias incrementais desde o início da era dos jatos, nos anos 1960. Esta é a primeira vez que temos uma mudança tecnológica real. E parte do motivo pelo qual estou convencido de que isso vai acontecer é que agora temos a tecnologia disponível. Se você voltasse seis anos atrás, as baterias não eram boas. Agora, chegamos ao ponto em que baterias, motores leves, controles de voo, todos os blocos tecnológicos fundamentais estão lá. Mas ainda é difícil integrar tudo em um veículo. A indústria enfrenta desafios de peso. Você quer decolar e aterrissar verticalmente, e quer fazer isso com baterias. Isso é realmente difícil de fazer. Você quer oferecer uma oportunidade comercial. Então, tem de ser capaz de voar com uma carga considerável por uma distância razoável. Agora conseguimos fazer isso, mas não há um manual de como fazer. As empresas estão tendo de construir aeronaves em escala real para entender como integrar esses blocos tecnológicos. Houve um enorme progresso nos últimos cinco anos. Estamos vendo mais compreensão sobre a estrutura regulatória e sobre o que será necessário para provar que as aeronaves atendem a padrões de segurança. A realidade de implantar essas aeronaves e produzi-las será uma evolução constante. Não vamos, de repente, produzir 5 mil aeronaves no primeiro ano.

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Os eVTOLs substituirão os helicópteros?

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Há uma ideia errada de que todos os helicópteros vão desaparecer em alguns anos. Os eVTOLs têm algumas vantagens sobre os helicópteros, como em termos de ruído, de segurança e de custo de operação. Mas eles não conseguem fazer tudo o que os helicópteros fazem. Helicópteros podem carregar cargas grandes e passar muito tempo pairando. Os eVTOLs são projetados para realizar missões curtas de forma eficiente. Potencialmente, podem ter um custo operacional de um terço a um quinto daquele apresentado pleo helicóptero. A Bristow, uma das maiores operadoras de helicópteros do mundo e nossa cliente, gasta de três a quatro horas de manutenção para cada hora de voo de suas aeronaves. Se olharmos para a quantidade de manutenção necessária em nossas aeronaves, não chega nem perto disso. Outro fator que pode levar tempo, mas que esperamos ver ao longo dos anos, é a redução do custo com pilotos. Nossas aeronaves são mais simples de pilotar. Inicialmente, os pilotos precisarão ter experiência em helicópteros ou aviação comercial, mas, com o tempo, essa exigência deve se tornar mais flexível. Naturalmente, esse mercado terá restrições de oferta no início, enquanto a demanda será enorme. Mas, assim como os celulares – que no começo eram voltados para mercados premium devido ao desafio da oferta –, os eVTOLs devem ficar mais baratos com o tempo.

Quanto custará uma aeronave?

Um helicóptero típico de dois motores custa entre US$ 6 milhões e US$ 9 milhões. Teremos uma aeronave que será mais fácil e barata de fabricar do que um helicóptero. Por isso, não vejo o custo como um grande desafio para iniciarmos as operações. Mas também não vejo que, no primeiro momento, as corridas sejam mais baratas do que o transporte terrestre. Há potencial para competir com serviços como o Uber, mas isso levará tempo.

Quais países devem ter os maiores mercados de eVTOL?

O Brasil é um deles. O Japão tem sido pioneiro e há muitos lugares na região Ásia-Pacífico. Na América do Norte, há um cenário competitivo forte. Diria que a Europa, no momento, está sendo um pouco mais cautelosa.

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