Em meio a consultas de interessados em comprar fatias relevantes de seu capital, a Serena Energia, anteriormente chamada de Omega Geração e especializada em energia eólica, avançou na redução do seu nível de endividamento e deve levantar mais recursos com a venda de seus negócios de geração distribuída. A empresa já recebeu três propostas a valores considerados aceitáveis por esses ativos, feitas por investidores do setor financeiro, segundo fonte próxima das negociações.
No anúncio de resultados referentes ao último trimestre de 2024 e divulgado na noite de terça-feira, 18, a Serena informou que está “ativamente avaliando oportunidades de reciclagem de capital, que podem incluir o desinvestimento de ativos de geração distribuída e a venda de uma participação em Goodnight 1″, este último um projeto de geração eólica que ficou pronto no ano passado no Texas, para o início de sua atuação nos Estados Unidos.
Ela também divulgou ter fechado o ano de 2024 com um endividamento que contabiliza uma relação de 4,3 vezes a dívida líquida frente ao seu Ebitda (o lucro operacional, antes de juros e amortizações). A meta era de 4,5 vezes, o que já representava uma queda considerável em relação ao pico de endividamento de 6,8 vezes que a empresa tinha em 2023, quando iniciava investimentos em novos projetos e ainda não tinha a receita deles chegando. A dívida líquida no fim do ano era de R$ 8,5 bilhões, queda de 11% frente a 2023, e o caixa tinha crescido 46%, para R$ 1,9 bilhão.
Essa diminuição do endividamento acontece no momento em que a Serena passou a ser alvo de rumores de que poderia receber propostas de compra do controle acionário. Na segunda-feira, 17, a empresa reconheceu, por meio de comunicado, que os seus controladores passaram a ser “abordados com mais frequência por investidores interessados em investir na companhia”, depois da queda do valor de suas ações no ano passado, e que “os principais acionistas têm mantido conversas em bases preliminares com alguns desses investidores”.
Segundo fontes próximas das conversas, as demonstrações de interesse aumentaram a partir de novembro, e incluem três grandes fundos internacionais. Entre eles, estão o GIC, fundo soberano de Cingapura, e o gigante americano General Atlantic, dono de US$ 100 bilhões de ativos sob gestão, que no ano passado comprou a gestora de private equity britânica Actis, atual maior acionista da Serena.

As negociações são preliminares e há grandes empecilhos para concretizar uma transação no momento, uma vez que existiria uma grande diferença de interesses entre possíveis compradores e vendedores.
A Serena é controlada, segundo acordo de acionistas assinado em junho de 2022, pelos investidores de referência que incluem o fundo britânico Actis, dono de 26,8% das ações, a gestora de investimentos Tarpon, com participação de 20,4%, e pela Lambda, do fundador e CEO da Serena, Antonio Bastos Filho, com 12,5%. As ações em bolsa e na mão de investidores com menos de 5% da participação totalizam 35,3% do capital.
Bastos fundou a empresa em 2008 e, dois anos depois, criou a sua pequena central hidrelétrica (PCH) em Minas Gerais. A gestora Tarpon é investidora desde o início do projeto, há 17 anos. Já a Actis chegou em 2022, com a experiência em investir em energia renovável pelo mundo, e depois foi comprada no início de 2024 pelo General Atlantic.
A Actis adquiriu sua participação na Serena por R$ 16 por ação, que hoje vale pouco menos de R$ 8 cada. A empresa foi prejudicada pela queda do mercado acionário brasileiro, a fuga de investimentos internacionais de ativos de risco e pela disparada da Selic no último ano. Em dezembro, as ações chegaram a ser cotadas em R$ 5, após ter atingido quase R$ 20 antes da pandemia. O desconto nos preços atraiu investidores que conhecem a operação da empresa.
Dessa forma, a Serena, que chegou a ter um valor de mercado em torno de R$ 12 bilhões, hoje vale menos de R$ 5 bilhões. Dessa forma, Bastos, Tarpon e mesmo a Actis não teriam interesse em vender suas fatias na baixa, sem uma proposta mais próxima do valor que a empresa já teve ou gostariam de ter o capital diluído no momento, no pico de juros do Brasil.
Também a empresa não está num momento de iniciar novos investimentos de grande porte ou queimando caixa. Segundo os resultados de 2024, o endividamento também parece controlado. “Nosso perfil de dívida é muito pouco ancorada na Selic. Apenas 24% da dívida é relacionada à Selic. Todo o resto é financiamento com BNDES, atrelado ao IPCA e em debênture de infraestrutura”, diz Bastos.

A empresa opera um portfólio que soma 2.786 MW em geração no Brasil e nos EUA, primordialmente em energia eólica. A receita líquida em 2024 ficou em R$ 4,125 bilhões, crescimento de 36% em relação ao ano anterior. O Ebitda foi de R$ 1,952 bilhão, alta de 19% frente a 2023, para um lucro líquido de R$ 86,3 milhões, com expansão de 45% no ano.
Controle do endividamento
Em outro comunicado da segunda-feira, 17, a Serena divulgou que a sua política de gestão da estrutura de capital foi atualizada para que o seu endividamento não ultrapasse a relação da dívida líquida em comparação com o Ebitda em 3,75 vezes. Será tolerada uma variação de 10% para mais ou para menos, criando uma banda que varia entre 3,375 vezes e 4,125 vezes. “É igual o Banco Central faz com o regime de metas de inflação”, afirma ao Estadão o CEO e fundador da empresa, Antonio Bastos Filho. “Servirá para dar mais transparência para o processo de estrutura de capital, e consegue dar segurança para o investidor mesmo quando fazemos investimentos.”
A exceção pode acontecer durante programas de investimentos aprovados pelo conselho de administração, e o endividamento poderá ser ampliado em 1,75 vez por um período determinado. No entanto, a empresa não planeja grandes desembolsos para o futuro próximo. Ela finalizou um ciclo de investimentos de US$ 1 bilhão, entre 2022 e 2024, que incluiu 720 MW adicionais, em dois projetos na Bahia (Assuruá 4 e 5) e o Goodnight 1.
O próximo grande investimento deve ser o Goodnight 2, também nos EUA, de 265,5 MW, uma replicação do primeiro projeto americano. “Vamos trazer dinheiro de terceiros para fazer esse investimento. Estamos em busca de um investidor internacional para este projeto”, diz Bastos. A grande demanda por energia dos data centers que rodam os programas de inteligência artificial nos EUA, além dos planos de reindustrialização do presidente americano, Donald Trump, podem estimular essa demanda por energia.
Mais recursos devem ser levantados com a venda dos projetos de geração distribuída no Brasil, que pode acontecer rapidamente, a partir das três propostas recebidas. As usinas de geração distribuída da empresa contemplam capacidade de 81,4 MW já conectados à rede de distribuição, além de 15 MW aguardando conexão e mais 2,5 MW em construção, num investimento total estimado em até R$ 481 milhões.
O mercado de ativos de energia tem se mostrado aquecido mesmo nos últimos tempos em que poucas fusões e aquisições, além de aberturas de capital, têm acontecido pelo Brasil e pelo mundo.
Um estudo da KPMG revelou que as companhias de energia elétrica realizaram, no ano passado, 72 operações de fusões e aquisições, um aumento de 41% em relação ao mesmo período de 2023, quando foram realizadas 51 operações. Esse resultado foi o maior dos últimos 30 anos.