Apesar de todas as incertezas da economia brasileira e global, os fundos especializados em comprar participações em empresas para depois revender com lucro já investiram R$ 199,6 bilhões no Brasil desde o começo da década. O número considera apenas as aquisições que tiveram valores divulgados, sem confidencialidade.
O período, que abrange quase cinco anos, desde o início de 2020 até o terceiro trimestre de 2024, registrou 2.348 transações no País, compiladas pela consultoria espanhola TTR Data e pela Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap).
Os fundos de private equity, focados em comprar participações em empresas de médio e grande portes, protagonizaram 453 transações no período, mesmo com pandemia, disrupção das cadeias de suprimentos pós-pandemia, inflação, altas de juros, atritos geopolíticos, extremismos e guerras. Esse cenário fez com que a Bolsa de Valores brasileira, a B3, não registre desde o fim de 2021 sequer uma única abertura de capital, o que é uma das formas principais para os fundos venderem as suas fatias e lucrarem com o investimento. Em valores revelados, foram R$ 98,4 bilhões aportados.
Liderados por grandes símbolos do capitalismo brasileiro do novo milênio, como o Patria Investimentos, o BTG Pactual e a Vinci Partners (recentemente rebatizada Vinci Compass, após a fusão com o americano Compass), e pelo gigante americano Advent International, eles mantiveram o ritmo de negócios. No começo da década passada, a TTR registrava que esse mercado movimentava no Brasil em torno de R$ 5 bilhões por ano, mas os dados não são comparáveis por conta de uma mudança de metodologia na captação de dados em 2019.

A mudança de patamar e a altíssima volatilidade dos mercados não são as únicas novidades desse setor na última década no Brasil. Se até 2020 a tese de investimentos dominante entre os ativos chamados ilíquidos (não propensos a transações rápidas como as ações em Bolsa e os títulos públicos) era o private equity, novas categorias de fundos surgiram e se expandiram fortemente nos últimos anos.
A principal delas é o venture capital, os investimentos em startups, empresas iniciantes que trazem maior risco e exigem aportes menores e mais numerosos. Desde o começo de 2020 até o terceiro trimestre de 2024, a pesquisa da Abvcap identificou 1.895 negócios e compras de participações no valor de R$ 101,2 bilhões, mais ainda do que movimentou o mercado de private equity no mesmo período. E esse número não contabiliza investimentos anjo, que são de pequeno porte e feitos em startups bem iniciantes, que não começaram a operar.
Entre os fundos responsáveis por essa explosão do venture capital, que vem acontecendo principalmente a partir de 2018, no período pré-pandemia, estão Kaszek, Monashees e Valor Capital.
Outras teses de crescimento recente envolvem investimentos em empresas em dificuldades financeiras ou compras de créditos para receber o resultado de disputas legais envolvendo companhias. São os fundos especializados nas categorias conhecidas pelos termos em inglês “legal claims”, “distressed assets” e “special situations”. Essa tendência também permitiu a colocação entre os maiores fundos do Brasil de Jus Capital, Jive e HSI.
São nomes, que diferentemente dos já tradicionais Patria, BTG Pactual e Vinci, contrastam com os que se costumava ver uma década atrás entre os fundos dominantes do mercado nacional. Algo comum no cenário de investimentos brasileiro era a presença de grandes gestoras internacionais que criavam veículos exclusivos para investir no Brasil e América Latina. Se a Advent International permanece, outros como Southern Cross, Actis e Carlyle diminuíram sua presença na região ou decidiram descontinuar a atuação local.
“A minha percepção é de ser comum os estrangeiros entrarem e saírem. Mas a novidade das duas últimas duas décadas foi o grande crescimento dos gestores locais, com o private equity, e depois com o venture capital, à medida que as empresas brasileiras de tecnologia foram crescendo”, afirma a presidente da ABVCAP, Priscila Rodrigues. “Existem os casos da saída do Carlyle e de fundos globais que migraram os ativos para gestores locais, mas também há notícias como a que a KKR está avaliando o Brasil de novo.”
Mudança de posições no mercado
Além dessa diminuição da presença internacional, perderam espaço algumas gestoras nacionais pioneiras. Depois de desenvolver o mercado de fundos de participações no Brasil, com grandes investimentos em private equity entre as décadas de 2000 e a primeira metade dos 2010, Gávea Investimentos, GP Investments e Tarpon tiveram participação de mercado reduzida frente aos novos nomes da indústria.
Agora, com toda a incerteza, que aumentou nos últimos dois meses de 2024, com a eleição de Donald Trump para a presidência americana e a perda de credibilidade do governo brasileiro com a questão fiscal, o setor parece parado. Mas, segundo diversos representantes do mercado ouvidos pelo Estadão nas últimas semanas, há bastante dinheiro disponível para investimentos, e existe uma grande movimentação de análises de empresas colocadas à venda e de possibilidades de aportes. Ainda mais com a perda de valor dos ativos brasileiros nos últimos anos, que tornaram as compras de participações menos custosas, a expectativa está em apenas acertar o timing certo de mercado para uma série de investimentos vir à luz do dia.
“Quando ocorre uma reprecificação grande, todo mundo fica observando em qual patamar o valor dos ativos vai parar. Não consigo imaginar um volume muito maior indo para a indústria no curto prazo, mas tem capital disponível e o apetite para olhar coisas novas já voltou, mesmo que com maior diligência”, diz Rodrigues. “Também vemos o início de um processo de consolidação de gestoras, algo que já aconteceu internacionalmente, principalmente com aquelas listadas em bolsa buscando crescer da forma que o mercado espera e para diversificar as suas estratégias.”
Dinheiro disponível à espera da oportunidade
A presidente da Abvcap também estima que existem diversos fundos com mais de 50% de capital levantado e que ainda não foi aplicado na compra de empresas. É o chamado “dry powder”, a pólvora seca, um dinheiro disponível pronto para ser investido.
O raciocínio é que houve bastante captação de recursos entre 2021 e 2023, e, num plano de investimento em private equity, tradicionalmente os fundos levam entre quatro a cinco anos para comprar participações de empresas e, depois, mais o mesmo período para revender e lucrar com os investimentos.
Para não gastar todo dinheiro de uma vez, esses recursos são aplicados em torno de 20% a cada ano. “Ou seja, muito gestor só conseguiu colocar de 40% a 50% do valor captado em empresas entre 2022 e 2023, e depois, no ano passado, o mercado ficou mais parado, esperando a volta da alta de juros e o que iria acontecer. Agora, eles têm ainda cerca de 50% mais dos recursos dos fundos para aplicar e estão esperando o momento certo.”
Conheça a seguir as maiores gestoras de ativos ilíquidos do Brasil:
Patria Investimentos
Localizada na Avenida Faria Lima, em São Paulo, e fundada em 1988, a gestora Patria Investimentos é um dos principais símbolos do capitalismo brasileiro no novo milênio. As origens da empresa remetem à atração de grandes investidores institucionais estrangeiros, como fundos soberanos, para alocar recursos em ativos alternativos do Brasil, aqueles que vão bastante além dos títulos de renda fixa e das ações negociadas em bolsas de valores.
Mas, ao longo das décadas, a atuação se expandiu bastante além desse foco inicial, que continua ainda trazendo muitos grandes negócios, vislumbrado pelos sócios-fundadores Alexandre Saigh, atual CEO, Olimpio Matarazzo e Otavio Castello Branco (este último deixou a gestora no fim de 2024).
Os fundos do Patria, que administra US$ 44,7 bilhões em recursos (R$ 270 bilhões), passaram a buscar mais ativos em outros países da América Latina, e também atraíram investidores locais. A sua última grande expansão vem acontecendo desde sua abertura de capital (IPO) na Nasdaq em 2021. Logo depois, Saigh se mudou para Londres para preparar uma internacionalização maior da empresa, um projeto que deve levar uma década. Em 2023, o Pátria comprou as operações de private equity da gestora britânica Abrdn (ex-Aberdeen) e tem interesse em mais ativos internacionais.
Em entrevista para o Estadão, no ano passado, Saigh contou que pretende fechar um “buraco relevante estratégico que é o México”, começando por explorar o mercado de fundos imobiliários no país. O Patria já tem atuação relevante no Brasil, na Colômbia, no Peru e no Chile.
“Temos duas estratégias importantes. A primeira é continuar consolidando o mercado na América Latina”, afirmou. “E o Abrdn me abriu uma outra avenida de crescimento, para fora da região.”
Irrigado pelos recursos do IPO, o fundo fez diversas aquisições para ampliar sua atuação, incluindo em private equity, como a do controle do grupo varejista Amigão, para ser integrado à sua rede Plurix. Ela é uma das 27 empresas investidas atualmente, que incluem ainda a Winity, de telecomunicações, e a Essentia Energia.
Outro movimento importante dos últimos anos envolveu o setor de venture capital, com a compra da Kamaroopin, gestora que já investiu em startups como Dr.consulta, Petlove e Zenklub, e que traz também os conhecimentos do gestor Pedro Faria, que foi um importante nome da Tarpon. O Patria também adquiriu em 2022 a Igah Ventures, gestora de venture capital de Pedro Melzer.
BTG Pactual
O principal acionista, André Esteves, costuma explicar o BTG Pactual, desde sua formação, como um “banco de investimentos que investe”. Com R$ 1,8 trilhão sob gestão e atuação que se espraia hoje para muitas atividades, que inclui gestão de ativos, commodities, empréstimos corporativos, gestão de fortunas e plataforma de investimentos, o BTG tem uma divisão voltada para o capital privado, liderada desde 2011 por Renato Mazzola, que chefiou investimentos em infraestrutura do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e também passou pelo JP Morgan.
Esta área é responsável por R$ 38 bilhões de investimentos, e é dividida em quatro atividades: private equity (a maior delas, com R$ 24 bilhões), infraestrutura, capital de impacto (que tem efeitos sociais e ambientais) e venture capital.
Essas quatro frentes combinam atualmente investimentos em 60 empresas. Entre as empresas que receberam capital de private equity estão a Inspira (do setor de educação), V.tal (telecomunicações) e a rede de academias Bodytech. Já o investimento na Eneva, por exemplo, faz parte da estratégia de infraestrutura, ao lado de outras empresas de energia, como Intesa, CPFL e LAP.
“Preferimos separar as empresas de energia, porque elas têm uma natureza muito diferente. Em private equity, o risco é muito maior. Existe o risco de concorrência, e não há contratos tão estáveis quanto os das empresas de energia”, afirma a diretora de relações institucionais em capital privado, Natália Alouche.
O investidor do BTG Pactual, no entanto, conhece a fama de agressividade do banco, que vem desde a virada do milênio, quando Esteves, com Gilberto Sayão, assumiu o banco Pactual, criado em 1983 por Luiz Cezar Fernandes, Paulo Guedes e André Jakurski.
Em 2006, Esteves vendeu o negócio para o banco suíço UBS. Ele conseguiu resultados relevantes para os novos donos, mas também colheu atritos. Pouco depois, em 2008, deixou a empresa para fundar o BTG Investments, que já surgiu com uma estrutura de muitos sócios, que inicialmente incluía o economista Pérsio Arida, entre outros nomes. No ano seguinte, comprou de volta o Pactual, formando a organização atual de grande sucesso e com capital aberto desde 2012.
“Temos estratégias definidas desde 2005. Na década passada, entrou muita gente no mercado dos investimentos privados, mas sem estratégia. O investidor conhece a gente bem, sabe que buscamos um retorno de capital mais rápido”, diz Vanessa Dayan, também diretora de relações institucionais do BTG Pactual. “Conseguimos, no ano passado, captar investimentos em linhas de transmissão de energia, mesmo num momento mais turbulento de mercado.”
Mas a trajetória não foi livre de percalços. No começo da última década, a área de private equity embarcou em investimentos voltados a consolidar setores de consumo e varejo, normalmente dentro de estruturas com nomes que remetiam ao Brasil, caso da Brazil Pharma, que combinou diversas redes de farmácias regionais. O BTG também buscou consolidar o setor imobiliário corporativo com a BR Properties. A estratégia não trouxe bons resultados, após a crise iniciada no governo da presidente Dilma Rousseff.
“A cabeça hoje é de investir mais em setores mais essenciais, como é o caso de educação básica e telecomunicações”, diz Alouche. “Na área de capital privado, focamos bem menos em varejo e nada em commodities. Tudo que é volátil a gente evita.”
Vinci Compass
Até recentemente chamada de Vinci Partners, a gestora do Leblon surgiu de uma cisão do BTG Pactual, quando 20 sócios descontentes com a política de bônus do banco de investimentos de André Esteves e que estavam cansados com os atritos internos deixaram a instituição.
Liderados por Gilberto Sayão, que levou entre os seus sócios o amigo de juventude e especialista em private equity Alessandro Horta, os acionistas fundadores da Vinci fizeram muito rapidamente com que ela se tornasse uma das mais importantes gestoras do País.
A Vinci avançou em infraestrutura, comprou o Burger King Brasil e também colheu investimentos que sucumbiram à crise econômica da segunda metade da década passada, como a holding de marcas de moda InBrands (reunindo Ellus, Alexandre Herchcovitch e Richards, entre outras) e a PDG, que chegou a ser a maior incorporadora imobiliária do Brasil, antes de ser varrida pela derrocada do setor.
Mesmo após as dificuldades, ela se manteve entre as mais importantes gestoras do Brasil, e nos últimos tempos fez um de seus maiores avanços, ao promover, no ano passado, uma fusão com a americana Compass, para atingir US$ 54 bilhões (R$ 325 bilhões) de ativos sob gestão.
Atualmente, são 24 investimentos em empresas, somando R$ 16 bilhões de capital em private equity. Entre elas, estão a rede de pizzarias Domino´s, as varejistas Le Biscuit e Casa & Video, a seguradora e resseguradora Austral e empresas de educação (Vitru), serviços financeiros (Agibank), telecomunicações (Vero) e saúde (Cura e Viv).
Em novembro passado, a Vinci Compass comprou, por R$ 1,4 bilhão, 67% da operação brasileira da Bloomin’ Brands, dona das marcas de alimentação Outback, Abbraccio e Aussie Grill.
Kaszek
Se o segmento de venture capital viveu um boom de negócios nos últimos seis anos no Brasil, a ponto de superar em alguns deles a movimentação em private equity, muito disso pode ser creditado à Kaszek. A gestora de origem argentina já investiu em mais de 120 empresas, principalmente no Brasil.
Fundada por dois executivos egressos do Mercado Livre, os argentinos Nicolas Szekasy e Hernan Kazah (este também um dos cofundadores do site de comércio eletrônico que hoje domina esse setor na América Latina), a gestora surgiu voltada para investir em startups em estágios iniciais. Atualmente, os aportes também são feitos em fases mais avançadas de desenvolvimento dessas empresas.
Algumas tacadas foram bastante certeiras, como investimentos no Nubank, que já abriu capital, no QuintoAndar, que não deve demorar muito para fazer o mesmo, e na mexicana Kavak. Nenhum outro fundo descobriu e ajudou a desenvolver tantos unicórnios (expressão para designar startups que passam o valor de mercado acima de US$ 1 bilhão) na região.
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Dos US$ 3 bilhões (R$ 18 bilhões) que a Kaszek tem em gestão, metade está voltada ao Brasil. “Nenhum outro fundo de venture capital além de nós já passou do US$ 1 bilhão no País”, diz Santiago Fossatti, sócio e responsável pelas operações no Brasil.
Mesmo quando o mercado parecia mais estagnado, a gestora continuou em forte atividade. “No ano passado, fizemos aportes em 15 empresas”, afirma. E, talvez, de forma ainda mais notável, em 2023, quando o segmento de startups já passava por uma ressaca depois da grande quantidade de investimentos dos anos anteriores e com a diminuição de liquidez de capital pelo mundo, ela conseguiu captar US$ 1 bilhão para criar dois fundos novos. Com isso, ainda tem bastante dinheiro para investir em startups brasileiras promissoras.