Nos portos, receita é choque de gestão

Governo prepara pacote de incentivos; especialistas defendem medidas simples

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Por HENRIQUE GOMES BATISTA e O GLOBO

Apontados como um dos principais vilões da competitividade brasileira, os portos ainda aguardam um choque de eficiência que possa cortar a burocracia e reduzir drasticamente custos para as empresas. Um novo pacote do governo para o setor pode chegar a R$ 45 bilhões em investimentos e é aguardado para breve. Entre os objetivos, estão a modernização das arcaicas estruturas portuárias, como as Companhias Docas, e a diminuição do custo da mão de obra.Enquanto o novo marco regulatório não é aprovado, especialistas sugerem soluções mais simples, que podem ser implementadas de forma imediata.Segundo estudo da Fundação Dom Cabral, o custo para se exportar um contêiner no Brasil chega a US$ 1.790, valor 300% superior ao de Cingapura (US$ 456), o dobro do cobrado na Alemanha (US$ 872) e 70% acima do preço do serviço nos Estados Unidos (US$ 1.050). Além do custo, há filas de navios nos terminais e falta de capacidade para receber grandes embarcações, principalmente agora que o Brasil desponta na rota de muitas companhias exportadoras, com a crise que aflige a Europa e os EUA. A burocracia também é generalizada e faz com que embarcações fiquem dias paradas por falta de técnicos ou fiscais nos terminais brasileiros.O modelo de concessão, iniciado em 1993, permitiu uma administração privada dos terminais nos 34 portos públicos brasileiros e a permissão para que 129 terminais privativos funcionassem no País, com qualidade. Somente os terminais de contêineres, por exemplo, estimam investir mais de R$ 10 bilhões até 2020. Novos investimentos tendem a vir com esse modelo. Para muitos empresários, os problemas não estão na operação portuária em si, mas nas questões administrativas e de infraestrutura.Segundo armadores, por exemplo, a praticagem no Brasil - práticos são os profissionais encarregados de atracar o navio no porto - custa o dobro dos Estados Unidos. Aqui, esses profissionais chegam a ganhar até R$ 300 mil por mês. Isso encarece o custo, já afetado por greves de funcionários públicos, pela falta de acessos terrestres e por problemas de dragagem de canais.Outro problema é a burocracia: a Receita Federal, por exemplo, não atua nos fins de semana e os técnicos da Anvisa só trabalham das 9h às 18h. Na prática, é comum que navios fiquem esperando até sete dias para terem a carga desembaraçada. "Poderíamos ter ganhos quase sem investimentos. Se pudéssemos operar na plenitude da capacidade de um porto, funcionando 24 horas por dia, aumentaríamos significativamente a nossa eficiência. Se pudéssemos ter coisas simples, como os práticos e os fiscais da Receita Federal e da Anvisa trabalhando imediatamente após a chegada de um navio, poderíamos ter ganhos de produtividade de 20% a 30%, sem a construção de novos terminais. Os terminais privados funcionam 24 horas por dia, sete dias da semana. Os portos, não", desabafa Marcelo Araújo, presidente do Grupo Libra, com terminais em Santos e no Rio.Caso a caso. O executivo diz que o governo pode errar se pensar em uma solução global para os portos. Ele pondera que é preciso buscar soluções para cada tipo de carga: geral e a granel (soja, minério e petróleo). Para ele, seria necessário investir forte em gestão descentralizada. Os especialistas Dalmo dos Santos Marchetti e Tiago Toledo Ferreira, que assinam o capítulo de logística do estudo "Perspectivas setoriais - BNDES 60 anos", defendem um novo marco regulatório para os portos. "É necessário o fortalecimento da administração dos portos públicos, com o aperfeiçoamento do modelo de governança, que contemple alguma representação da localidade onde o porto está inserido, e maior autonomia do modelo de gestão, inclusive com contrapartida de resultados", diz o documento.Rogerio Caffaro, presidente da Triunfo Logística, que detém um terminal no Porto do Rio, acredita que o problema das Companhias Docas, que administram os portos, não é de falta de competência de seus funcionários, mas de um modelo engessado que dificulta a solução de problemas simples, pela falta de autonomia - acredita-se que isso pode constar no novo pacote do governo.Caffaro estima que mesmo com os investimentos iniciais no setor há muito a ser feito. "Hoje ainda enfrentamos problemas de mão de obra, grande parte dos funcionários tem mais de 55 anos. Todos os terminais do Rio gastam cerca de R$ 30 milhões por ano com o Ogmo (Órgão Gestor de Mão de Obra e Trabalho portuário, sistema que se tentou modernizar nos anos 90, mas continua obsoleto e caro). E esse custo não existe para portos totalmente privados, se eles fossem liberados. Assim, o governo tem de tomar cuidado com o pacote de portos, para não criar uma concorrência desleal que pode inviabilizar as empresas dos terminais privados em portos públicos."'Apagão logístico'. Fernando Martins, sócio da Bain & Company, acredita que, além da melhor gestão, são necessárias mudanças no marco regulatório. Segundo ele, o pior erro do governo, num novo pacote de incentivos aos investimentos do setor portuário, seria tentar relicitar os mais de 90 terminais arrendados e concedidos em portos públicos de uma vez ou em curto intervalo de tempo. Seria muito arriscado e poderia até causar uma espécie de apagão logístico.Meton Soares Jr., presidente da Federação Nacional de Navegação e vice-presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), acredita que, antes de mais nada, o governo precisa saber que tipo de modelo portuário o País deseja. "O governo precisa fazer um estudo, saber exatamente qual o modelo mais indicado para a nossa realidade. Na área de contêineres, por exemplo, acredito que seria mais eficiente ter poucos terminais concentradores que uma prática disseminada pela costa, que não gera ganhos de escala."Já Wilen Manteli, presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários, além de defender a manutenção do atual marco legislativo, acredita que o governo não tem de se preocupar com os terminais privativos de carga, essenciais para empresas de commodities, onde cada real a menos no custo pode significar a viabilidade de um negócio com cotações globais. "Estamos em um momento em que, infelizmente, o Brasil cresceu menos. Ainda assim, movimentamos 886 milhões de toneladas no ano passado. Com a retomada da economia, rapidamente ultrapassaremos 1 bilhão. E hoje não estamos preparados para isso."Aposta. Mas, mesmo sem o anúncio do pacote do governo, os investimentos já estão ocorrendo. Um dos mais recentes é o projeto de R$ 322 milhões para a construção do Terminal de Grãos do Maranhão (Tegram), no Porto de Itaqui. O projeto pode multiplicar por seis a exportação de soja na região, com a capacidade de 15 milhões de toneladas de grão em 2020. "Sabemos que 68,2 milhões de toneladas de soja são produzidas acima em Mato Grosso, mas apenas 14,5 milhões de toneladas de grãos saem do País pelo Norte. O resto segue por caminhão até os portos do Sul e do Sudeste, o que encarece e cria problemas nas estradas e mais emissões de gases. Esperamos criar uma oportunidade, que será viabilizada com a Ferrovia Norte-Sul", afirmou Luiz Carlos Fosseti, presidente da Emap, empresa portuária do Maranhão, que fará os investimentos com um consórcio com quatro grupos do setor agropecuário brasileiro.

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