Para alguns, Bernard L. Madoff era um homem afável e carismático que circulava confortavelmente entre os poderosos e influentes de Wall Street e Washington, um financista vencedor que tinha todos os brinquedos: o apartamento numa cobertura em Manhattan, participação em dois jatos particulares e um iate ancorado na Riviera Francesa. Apesar de não ser um nome da casa, ele garantiu para si o importante papel de estadista mais velho em Wall Street, coisa que o ajudou a participar de importantes comissões e conselhos administrativos dentro dos quais a sua opinião ajudou a moldar a estrutura reguladora dos bens mobiliários. Madoff passou seus anos de juventude em Laurelton, um enclave judaico bastante fechado onde ele e os amigos tomavam sorvete na lanchonete local e frequentavam as atividades do centro comunitário. Ao longo do percurso de sua vida profissional, ele obteve o desejado posto de presidente de uma das principais bolsas de valores, a Nasdaq. Além de tudo isso, seus empregados dizem que ele os tratava como se fossem membros da família. Havia, é claro, um outro lado de Madoff, hoje com 70 anos. Recluso, por vezes distante e criador de impasses, este Bernie raramente participava do circuito de coquetéis de Manhattan e não gostava de se socializar durante os bailes em Palm Beach. Era um Bernie discreto, controlado e muito zeloso de sua imagem, até os mínimos detalhes. Ele era, por exemplo, um ávido colecionador de relógios antigos e se demorava todas as manhãs escolhendo a aliança - ele tinha ao menos duas - que melhor combinava com o dourado ou platinado do relógio que ele iria usar naquele dia. A julgar pelas suas diretrizes, a decoração dos escritórios de sua firma em Nova York e Londres era árida. Preto, branco e cinza - ou "de uma modernidade glacial", como a descreveu um visitante frequente do gabinete nova-iorquino. Apesar de cultivar uma atmosfera familiar nos seus escritórios, ele instalou duas câmeras na pequena sala de negociações da filial londrina de sua empresa para que pudesse acompanhar as suas atividades desde Nova York. Este Bernie também administrou, durante décadas, uma empresa paralela de gerenciamento de finanças que ele manteve escondida de colegas, concorrentes e autoridades reguladoras. Enquanto administrava bilhões de dólares para indivíduos e fundações, ele se recusava a participar de reuniões particulares com a maioria dos seus investidores, criando para si uma aura digna do Mágico de Oz, tornando-o ainda mais disputado entre aqueles que buscavam sua orientação. ALÉM DA RESPOSTA FÁCIL Afinal, quem era o verdadeiro Bernie Madoff? E o que o teria levado a coordenar uma operação fraudulenta de investimentos estimada em US$ 50 bilhões, a qual se diz que ele confessou ter coreografado? Uma resposta fácil seria dizer que Madoff era um charlatão de proporções épicas, um ganancioso manipulador tão faminto pelo acúmulo de riqueza que não se importava com quem sairia prejudicado para que ele obtivesse o que desejava. Mas alguns analistas dizem que uma observação mais detida e matizada dos seus atos envolve o elo entre o mundo das finanças do colarinho branco e o mundo dos criminosos seriais. Eles se perguntam se o bom e velho Bernie Madoff teria roubado simplesmente para se divertir, explorando todos os relacionamentos da sua vida durante décadas enquanto manipulava atenta e deliberadamente os reguladores financeiros. "Algumas das características observadas nos psicopatas são a mentira, a manipulação, a habilidade de enganar, o sentimento de grandiosidade e a insensibilidade em relação à vítima", diz Gregg O. McCrary, ex-agente especial do FBI que passou anos construindo perfis comportamentais de criminosos. McCrary adverte que jamais se encontrou com Madoff e, portanto, não pode fazer um diagnóstico, mas ele diz que Madoff parece partilhar de muitos dos traços destrutivos observados tipicamente num psicopata. É por isso que, segundo ele, tantos dentre aqueles que entraram em contato com Madoff foram deixados perplexos e confusos em relação às suas motivações. "Pessoas como ele se tornam parecidos com camaleões. São muito bons em administrar a impressão que causam nos outros", diz McCrary. "Controlam a impressão que temos deles. Sabem o que as pessoas querem, e dão isso a elas." Enquanto os investigadores analisam décadas de documentos, tentando decifrar se Madoff esteve envolvido em algo além de uma elaborada farsa financeira, seus amigos continuam surpresos - e se sentem profundamente traídos. "Ele era um herói para nós. O presidente da Nasdaq. Tínhamos orgulho de tudo que ele havia realizado", diz Diana Goldberg, que em certa época acompanhou Madoff durante o percurso de 27 minutos de trem desde os seus lares em Laurelton, Queens, até as aulas no colégio Far Rockaway. "Agora, o herói morreu." Se no final for descoberto que Madoff esteve envolvido em fraudes pela maior parte da sua carreira, então o herói jamais terá existido. As autoridades dizem que o próprio Madoff confessou ser o autor de uma fraude abrangente e antiga. Seu advogado, Ira Lee Sorkin, não quis comentar essas informações. PERTO DO PODER Durante as décadas nas quais Madoff construiu sua empresa, ele se colocou como cruzado, protegendo os interesses dos investidores menores e determinado a transformar a maneira com que eram negociados os valores mobiliários em Wall Street. Para tal fim, como um gatuno que conhece as rotas de patrulha da polícia e consegue interceptar suas comunicações radiofônicas, ele também coagiu ativamente os reguladores que monitoravam seus negócios. "Certa vez, ele mencionou a mim que passava um terço do seu tempo em Washington no fim da década de 1980 e início da década de 1990", diz uma pessoa que conhece Madoff há anos, mas pediu para não ser identificada por não desejar ser chamada a participar do litígio em processo. "Ele se envolvia muito com os reguladores. Acho que eles o usavam como plataforma através da qual divulgavam suas ideias, e para eles Madoff parecia um cavaleiro branco", diz. "Ele foi inteligente ao perceber muito precocemente que, quanto mais envolvido com os reguladores ele estivesse, maior seria a chance de ele moldar o funcionamento da regulação", acrescenta essa fonte. "Mas se descobrirmos que o esquema fraudulento data daquela época, então concluiremos que ele estava fazendo algo muito mais inteligente. Se você tem intimidade com os reguladores, eles não vão perder muito tempo analisando o que você está fazendo. Muito esperto."