ENTREVISTAHarald Uhlig, professor de economia da Universidade de ChicagoO novo pacote de ajuda financeira à Grécia, ao injetar mais 109 bilhões de empréstimo oficial, está longe de solucionar a crise da dívida soberana europeia, diz o professor de economia da Universidade de Chicago, Harald Uhlig, alemão nascido em Bonn há 50 anos. Ele faz um alerta mais preocupante: a independência do Banco Central Europeu (BCE), assim como a do Federal Reserve dos Estados Unidos (Fed), corre risco de um sério arranhão ao praticar uma política fiscal ativa, por meio do esforço prolongado em socorrer os países endividados da zona do euro e a anêmica economia americana.Para ele, ao assumir perdas de bilhões de dólares e de euros nos seus balanços para fazer política fiscal, Fed e BCE ficam de mãos atadas para elevar juros, enfraquecem suas moedas e provocam efeitos colaterais no resto do mundo. Em entrevista à Agência Estado, Uhlig afirma que o Fed manipula o valor do dólar ao manter juros baixos para ajudar as exportações americanas, mas a opção dos países emergentes de adotar controles cambiais em lidar com a enxurrada dos investidores para suas moedas mais fortes e juros mais elevados não é a melhor solução. A seguir, trechos da entrevista:O novo pacote de ajuda à Grécia solucionará a crise da dívida soberana da zona do euro?Poderá resolver a situação da Grécia, mas não vejo como irá solucionar a crise da dívida soberana europeia porque ainda há dúvidas em relação à Portugal, Irlanda, Espanha e Itália. Na realidade, poderá até piorar a situação porque os líderes europeus estão jogando tanto dinheiro para salvar a Grécia que poderá não haver muito dinheiro para resgatar outros países.Esse pacote resultou, de fato, em um default seletivo, o que seria uma derrota para o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, que se opunha a isso?Eu teria de estudar os detalhes do pacote, mas minha impressão sempre foi a de que a participação do setor privado era mais uma manobra política porque algumas das condições para que os bancos participassem voluntariamente do pacote podem ser vistas mais como incentivos, pois os bancos estariam numa posição melhor ao participar do pacote do que não fazê-lo. Isso não me pareceu uma contribuição do setor privado, e sim mais dinheiro adicional jogado na direção dos bancos.Que implicações essa ajuda financeira à Grécia terá?De novo, não vejo a ajuda como uma solução. Apenas os líderes europeus ganham pouco mais de tempo e, assim, eles podem se congratularem e dar tapinhas nos ombros por terem encontrado uma solução para o problema ainda nesse verão (no Hemisfério Norte). Mas em alguns meses, problemas maiores surgirão: Irlanda, Portugal e, provavelmente, Espanha e Itália. Eu realmente temo que todo mundo queira ajudar a Grécia, todo mundo gosta da Grécia, mas uma vez que todos os esforços e recursos tenham se esgotados com a ajuda aos gregos, os eleitores verão o ônus, haverá pesquisas de opinião em que esses eleitores dirão "não de novo" e colocarão mais obstáculos à ajuda a outros países.Como a situação fiscal nos Estados Unidos e na zona do euro afetará a política monetária do Fed e do BCE?O Federal Reserve e o BCE já foram muito longe em seu envolvimento na política fiscal. Isso pode ter sido até compreensível como medida emergencial, mas eles já deveriam ter se retirado desse tipo de política. Isso pode criar problemas no balanço patrimonial desses bancos centrais, com subsequentes problemas políticos e desafios para a independência tanto do Fed quanto do BCE. Seria sábio sair dessa encruzilhada logo.Que tipo de implicação para as economias e também para a política monetária dos EUA e da zona do euro teria esse envolvimento prolongado na política fiscal por parte do Fed e do BCE?O BCE tem um montante enorme de dívida soberana no seu balanço. Suponhamos que o BCE tenha prejuízo de dezenas de bilhões de euros com a ajuda à Grécia. A princípio, isso não seria problema econômico para o banco central, que poderia imprimir dinheiro, mas um socorro à Grécia com perda de dinheiro aumentaria a pressão política sobre o BCE por parte dos eleitores de vários países, em particular o alemão, para que tais perdas não se repitam. O temor é que uma pressão política crescente force o BCE a ser mais cauteloso em relação à dívida de outros países. Se, por exemplo, o BCE não puder dar liquidez apropriada para os bancos italianos ou espanhóis, se a situação assim o exigir, e a economia desses dois países vier a fraquejar, então essa postura cautelosa causaria um desastre maior para a Europa. Assim, em razão do risco de perdas por causa de um problema menor que é a Grécia, com todo o respeito aos gregos, o BCE poderá não adotar as medidas necessárias quando a ocasião exigir, com um problema maior que poderia vir a ocorrer na Espanha e Itália, devido a um ambiente político adverso. E no caso do Fed?A situação do Fed é mais complicada. Eles compraram dívida pública americana de longo prazo e emitiram dívida de curto prazo. E quando um país depende pesadamente de financiamento de curto prazo, ele fica mais exposto a ataques especulativos por ter de rolar sua dívida a todo momento. Assim, pode haver um ataque ao dólar mais facilmente. A outra razão é que se a economia americana se recuperar rapidamente e a inflação, que não é um problema hoje, subir subitamente e os juros de longo prazo também subirem rapidamente, o Fed poderia registrar grandes perdas no seu balanço por deter bônus de longo prazo. Poderá até não ser um problema econômico grande, mas será um problema político. E assim o Fed poderá não ser tão agressivo em elevar os juros, pois resultaria em mais perdas no seu balanço. Por quanto tempo mais o dólar ficará fraco ou depreciado?A economia americana ainda está fraca e os Estados Unidos estão inundando o mercado com liquidez, injetando tantos dólares. Daí não ser uma surpresa que o dólar esteja tão fraco. Talvez seja uma política até certo ponto intencional por parte do Fed. Ele pode depreciar o valor da moeda americana a tal ponto para ajudar as exportações e a economia. Não me surpreenderia que isso desempenhe um papel na deliberação de políticas (a serem adotadas pelo Fed). Por quanto tempo o dólar ficará fraco? É difícil dizer, mas à medida que a economia americana se recupere e entre nos trilhos, ficará estranho o Fed continuar manipulando a taxa de câmbio e inundando o mercado com liquidez.O dólar poderá perder o status de moeda de reserva mundial? Se os EUA perderem a sua classificação de risco AAA, a mais alta existente, isso poderá apressar um processo de outra moeda tomar esse papel do dólar?Qual é a alternativa para o dólar? O euro? Não na situação atual. O iene? Difícil imaginar, dados os desafios enfrentados pelo Japão. Portanto o dólar permanecerá a principal moeda de reserva do mundo. Um rebaixamento da classificação de risco levaria a uma depreciação do dólar. Mais importante ainda: causaria um estresse considerável na relação dos EUA com a China, além de tornar mais difícil para os americanos tomarem dinheiro emprestado a taxas favoráveis.As taxas de juros mais baixas da história nos EUA, e também baixas no Japão e na Europa, provocaram um grande aumento na entrada de capital estrangeiro em países emergentes, como o Brasil. E muitos desses países têm reagido a isso com a adoção de medidas de controle de capital para limitar a valorização das suas moedas. É, de fato, a melhor maneira de lidar com esse problema de fluxo cambial?Isso é claramente um duro desafio para muitas economias emergentes. Os EUA e a zona do euro certamente continuarão a conduzir uma política monetária que satisfaça apenas suas necessidades, sem pensar muito nas repercussões. Temo que haja poucas alternativas para as economias emergentes para lidar com a situação. Os controles de capitais são normalmente solução muito ruim.Que outras opções esses países emergentes teriam?É, de fato, um ambiente de águas turbulentas. Teria de analisar a situação país por país. Mas a solução seria uma combinação de políticas, evitando medidas draconianas. Em parte, envolveria deixar o câmbio se apreciar e os preços subirem, talvez tendo em mente que é um fenômeno provavelmente temporário, que duraria até a economia dos EUA se recuperar e a situação se normalizar na Europa e no Japão. Controles de capital sempre me pareceram algo tão drástico. Então pode ser uma combinação de coisas, como adotar uma política monetária mais apertada e também deixar o câmbio apreciar. Mas é um desafio difícil. Atravessar a tempestade com flexibilidade talvez seja a melhor e mais pragmática estratégia.A alta da inflação que tem atingido muitos países emergentes, em parte por conta de preços mais elevados de matérias-primas, pode ser considerada um fenômeno global?A questão é se é um movimento de preços relativos ou, de fato, inflação. Na realidade, a inflação é um fenômeno de cada moeda. Em princípio, cada país tem inflação sob seu controle: pode aumentá-la ou baixá-la. É verdade que por causa do dólar fraco o preço de algumas das commodities subiu e se um país mantém uma taxa de câmbio estável pode levar a uma inflação importada. Mas ainda acho que o que está ocorrendo é mais um movimento de preços relativos do que um fenômeno de inflação global. O outro lado da moeda é que os países emergentes estão recebendo mais dólares pela venda de suas commodities, o que é positivo.Como a China poderá ajudar a corrigir os desequilíbrios da economia mundial?A China leva demasiadamente a culpa pelos desequilíbrios. Mas os chineses financiam o consumo e a dívida dos EUA. Os chineses mantêm sua moeda desvalorizada: isso é bom para os consumidores que compram seus produtos. Os chineses ainda não balançaram o barco, mas claramente têm esse poder ao, por exemplo, repentinamente vender seus ativos nos EUA. Eles são sábios o suficiente ao não fazê-lo. Então por que culpar a China por qualquer coisa? Seria bom para os chineses se o país permitisse o comércio livre e se sua moeda pudesse flutuar mais livremente. QUEM ÉHarald Uhlig, 50 anos, é chefe do Departamento de Economia da Universidade de Chicago, berço de economistas famosos na defesa do livre mercado e da teoria neoclássica da formação de preços, ou seja, uma economia com menor intervenção do Estado