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Para fazer caixa, empresas fazem 'liquidação' de ativos considerados não essenciais

Investidores especializados estimam um mercado de cerca de R$ 4 bilhões em 'ativos problemáticos', como imóveis, galpões abandonados, ações judiciais e precatórios

Imóveis, galpões abandonados, ações judiciais que se arrastam por anos, precatórios. Esses ativos entraram na mira das empresas nos últimos meses como uma alternativa para extrair uma dose de liquidez e atravessar a turbulência ocasionada pela pandemia do novo coronavírus. O resultado dessa verdadeira caça começa, agora, a ser oferecido a investidores especializados, que vislumbram um horizonte de cerca de R$ 4 bilhões em 'ativos problemáticos', do inglês, distressed, que são aqueles em situações especiais.

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"A pandemia atingiu praticamente toda a economia. A maioria das empresas teve impacto negativo em seu fluxo de caixa, até mesmo aquelas bem geridas e que não estavam alavancadas", observa o sócio da plataforma de investimentos alternativos Jive, Guilherme Ferreira.

O especialista analisa quase R$ 3,7 bilhões em oportunidades de investimentos. Somados, esses ativos têm valor que beira os R$ 10 bilhões. "É um volume grande. Nunca vimos um volume tão robusto nesta época do ano", admite.

A maior parte da movimentação desse mercado, que no Brasil se popularizou com o nome de 'crédito podre', em referência a empréstimos vencidos e não pagos, está nos precatórios de empresas. Tem sido crescente o número de companhias que têm colocado ações judiciais movidas contra a União, Estados e Municípios à venda para levantar recursos. 

Investidores especializados estimam um mercado de R$ 4 bilhõesem 'ativos problemáticos', como imóveis, ações judiciais e precatórios. Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 1/3/2019

Além da pressão da covid-19, o crédito bancário ficou mais escasso - com os bancos assumindo uma postura mais seletiva para emprestar - e caro diante do aumento do risco no cenário econômico.

A crise trouxe ao mercado o que se chama de "baleia branca", de acordo com o responsável por finanças corporativas da Alvarez & Marsal, Carlos Priolli. Tratam-se daqueles ativos que estão à venda de empresas que não estão na categoria de problemáticas, incluindo algumas saudáveis, mas que com a pandemia enfrentam necessidade de caixa diante da queda de receitas e da dificuldade de acesso a linhas de crédito.

"Temos casos de companhias que nem sequer abriam as portas a fundos especializados em ativos distressed e que agora estão dispostas a discutir a venda de precatórios", conta Priolli.

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Os investidores de ativos estressados entram exatamente neste momento. Embora tenham fama de 'abutres', na prática, o papel deles é dar liquidez a quem precisa vender. Defendem junto às empresas que é melhor se desfazer de um ativo como um imóvel, por exemplo, com preço descontado do que vendê-lo em um contexto de falência posteriormente. "Fornecer liquidez para as empresas é uma forma de dar um oxigênio adicional em um momento importante", resume o presidente da Recovery, do Itaú Unibanco, Wagner Sanches.

Os segmentos mais esperados são exatamente aqueles mais afetados pelas medidas de isolamento social para combater a propagação do novo coronavírus no País. A lista inclui hotéis, empresas do setor de serviços, entretenimento, grupos de restaurantes e bares, logística e aeronáutico.

Dentre as empresas que já têm procurado os investidores estão aquelas dos setores imobiliário e de açúcar e álcool, segundo Rafael Frisch, sócio da gestora Canvas Capital, que investe em créditos problemáticos e tem R$ 11 bilhões sob gestão. "Em meio à crise, temos recebido ofertas de boas empresas que estão vendendo papéis que proporcionam retorno semelhante ao de companhias high yield (problemáticas)", diz ele.

Há algumas semanas, a Canvas, por exemplo, adquiriu em leilão R$ 100 milhões em precatórios de uma usina. A chegada desses ativos no mercado de crédito podre tem ajudado a irrigar o setor, que vinha sendo predominantemente dominado pela venda de carteiras de grandes bancos. Com a crise, essas instituições se recolheram diante das incertezas em torno do aumento da inadimplência e o impacto do cenário no preço dos ativos. "Tenho comprado mais carteira de empresas do que de bancos", confirma Frisch.

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A expectativa de especialistas do mercado é de que os bancos retomem as operações a partir do segundo semestre, possivelmente, no fim do ano. Neste momento, as instituições financeiras tentam digerir os efeitos da pandemia em suas carteiras. Tanto é que o primeiro passo tomado foi dar fôlego para pessoas físicas e jurídicas com o alongamento das dívidas.

No entanto, como o aumento da inadimplência é dado como certo - podendo superar crises passadas, os bancos não só devem voltar a acessar os investidores como podem ser obrigados a desovar volumes ainda maiores de créditos podres. Isso porque terão de olhar para operações vencidas há menos tempo, cuja chance de recuperação é maior, fora a oportunidade de reestruturar a vida financeira dos clientes e trazê-los de volta ao jogo.

Além dos precatórios, as empresas têm procurado investidores para se desfazer de direitos creditórios de ações judiciais em curso. "Todo esse mercado está superaquecido, porque as margens aumentaram frente à necessidade das empresas e indefinição do cenário macroeconômico em meio à pandemia", diz o sócio do escritório Lollato Lopes, Tiago Lopes.

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A tendência é de que ritmo de crescimento no número de interessados nesse mercado continue, dada a necessidade de remuneração dos fundos e das empresas em levantar capital na crise. A previsão, no entanto, é que a oferta de ativos siga em ritmo superior ao universo de potenciais investidores, já que desta vez, os estrangeiros "saem de cena". Como os estragos da pandemia são globais, os estrangeiros, ao menos por ora, têm encontrado oportunidades em suas jurisdições, onde não correm risco de moeda nem político - no Brasil, as turbulências são praticamente diárias a despeito da pandemia.

"Os investidores estrangeiros estão mais reticentes e focados em seus próprios países. Isso abriu oportunidade aos locais que se soma ao aumento de ativos à venda e necessidade de caixa por parte das empresas", afirma Ferreira, da Jive.

Por outro lado, o aquecimento do mercado pode atrair novos players. Fundos não tão familiarizados nesse tipo de ativo podem ser atraídos diante de oportunidades de retornos mais atrativos no cenário de crise.

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