A decisão do governo de suspender o processo de privatização de um lote de sete rodovias federais, previsto para ter início neste mês deverá fazer com que o Brasil perca investimentos para outros países. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), Moacyr Servilha Duarte, existem atualmente muitas empresas internacionais dispostas a direcionar recursos para infra-estrutura e que vinham acompanhando o País de perto. Para o executivo, a decisão vai na contra-mão do movimento que se vê no resto do mundo. Duarte refere-se aos Estados Unidos, onde está em pleno andamento o processo de transferência desse tipo de serviço para a iniciativa privada, e ainda à Europa, onde a maioria da administração das rodovias já foi concedida à empresas particulares. "Mas se essa decisão representa uma opção política do governo, não temos muita coisa a fazer se não lamentar", afirmou. O presidente da ABCR classificou ainda a decisão de um "retrocesso", já que o Brasil tem um modelo que na sua opinião funciona, mas que será abandonado pelo governo para tentar uma nova experiência, cuja história já mostrou que não foi boa. Duarte ressaltou ainda que há dúvidas sobre as intenções do governo e não descartou a possibilidade de criação de uma estatal para administrar as rodovias federais, a chamada "Rodobras". "Um processo desse tipo pode acarretar muita demora, com o risco do Lula passar mais um mandato sem fazer nada." A estimativa inicial da entidade era de que a concessão dos sete lotes de rodovias federais, que totalizam 2,6 mil quilômetros de estradas, resultasse em investimentos de R$ 19,5 bilhões e na arrecadação de R$ 9,3 bilhões em impostos. Surpresa O Planalto ainda não oficializou a decisão, mas uma fonte disse ao Estado que uma das razões para o governo mudar radicalmente sua política para as entradas foi a polêmica gerada durante as eleições presidenciais em torno das privatizações comandadas pelos tucanos nos setores de telefonia e energia. A decisão governamental surpreendeu o diretor da regional Paraná da ABCR, João Chiminazzo Neto. Ele destacou que, na terça-feira, o site da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) noticiava que o governo iria lançar a licitação dos sete lotes em janeiro. "Ainda não tenho condições de fazer uma avaliação mais aprofundada, até porque as intenção do governo ainda não está clara, temos apenas as informações que saíram na imprensa", afirmou. O diretor da regional Paraná da ABCR observou, no entanto, que as concessionárias de rodovias que atuam hoje no Brasil transformaram a realidade das estradas no País e viabilizaram o sistema de logística. "Se não fosse o trabalho feito pelas concessionárias o Brasil já teria vivido também um apagão logístico", afirma. Chiminazzo lembrou ainda que o Brasil já teve experiências com pedágios públicos, como a Rodovia Presidente Dutra, e que os resultados não foram positivos. "A Dutra foi administrada por organismos públicos por mais de 20 anos e deu no que deu", disse. O executivo ressaltou também que é preciso debater quem garante um custo menor para o sistema, se é a iniciativa privada ou a administração pública. "A experiência mostra que a administração pública trouxe mais resultado", afirmou, lembrando que nos Estados Unidos e Europa esse serviço já foi ou está sendo privatizado. Atualmente, existem 36 concessionárias de rodovias atuando em sete Estados (São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro). Operam quase 10 mil quilômetros de rodovias, cerca de 6% da malha nacional. Nos últimos dez anos, as operadoras pagaram R$ 2,5 bilhões em tributos federais e municipais e investiram R$ 10,5 bilhões. Os recursos foram aplicados no recapeamento de 17,855 mil quilômetros, ampliação da malha concedida em 2,025 mil quilômetros de novas pistas. Juntas as empresas registraram um fluxo pedagiado de mais de 3,9 bilhões de veículos. Preocupação A Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base (Abdib) informou que observa com atenção e preocupação a decisão do governo de paralisar o programa de concessões de rodovias federais à iniciativa privada, que estava em gestação na administração pública desde 1999. Em nota, o presidente da entidade, Paulo Godoy, destacou que o programa está inserido dentro de uma diretriz maior do Estado, de transferir para a iniciativa privada a construção, recuperação e operação de infra-estrutura, diante da ausência de recursos orçamentários da administração pública. "Não temos a opção de voltar atrás, de desistir desse caminho de concessão na área de infra-estrutura. Se mostrarmos hesitação em criar as condições regulatórias adequadas e em oferecer projetos para a iniciativa privada, será um retrocesso. Se isso acontecer, os recursos internos e externos serão aplicados em outros países", avaliou o executivo. Para ele, o poder concedente - no caso, o governo federal - tem o direito e o dever de estabelecer, nos editais de licitação, as condições que considerar mais justas. "Se não houver viabilidade para a iniciativa privada, a situação é pior ainda para o Estado, pois a diferença, em forma de subsídio, terá de ser custeada pelos contribuintes", avalia.
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