BRASÍLIA – O governo federal trabalha com o cenário no qual o bloqueio de recursos do programa Pé-de-meia pelo Tribunal de Contas da União (TCU) será derrubado a tempo de o pagamento de fevereiro ser efetuado. O ministro da Educação, Camilo Santana, entrou em ação para reverter a decisão, e tem conversado com membros do tribunal. Além dele, o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, também atua para mudar o quadro.
O TCU bloqueou os recursos de fundos privados que foram direcionados para o Pé-de-Meia e não passaram pelo Orçamento. O entendimento da Corte de Contas é de que o governo não poderia ter operado o programa dessa forma, pois se desviou da Lei Orçamentária Anual e dos limites fiscais ao pagar a bolsa para os estudantes. O uso dos fundos foi autorizado por lei, mas os gastos em si ocorreram por fora do Orçamento – o que foi criticado por especialistas em contas públicas.
O tema tem sido acompanhado de perto pela Secretaria Especial de Assuntos Jurídicos (SAJ) da Casa Civil. Caso sofra derrota no recurso oferecido ao TCU, o governo vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em um cenário como esse, o único receio é de que a relatoria do tema caia com ministros alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, como André Mendonça e Nunes Marques.
Navegue neste conteúdo
Um dos principais programas do governo Lula 3, o Pé-de-Meia é uma bolsa criada pelo governo federal para beneficiar estudantes de ensino médio com R$ 200 por mês e uma poupança adicional de R$1 mil ao fim de cada ano da etapa.
No momento, o Ministério da Educação (MEC) não trabalha com a hipótese de não conseguir pagar o benefício em fevereiro. A principal aposta do governo é a reversão na Justiça. Há uma visão de que ninguém quer ter na conta a paralisação de um programa que chega a cerca de 4 milhões de jovens de baixa renda.
Em caráter reservado, integrantes do governo afirmam que o caso do Pé-de-meia “é muito diferente” de qualquer insinuação de pedalada. O argumento é de que todos os trâmites do benefício foram aprovados no Congresso, incluindo a criação do fundo utilizado para financiar o programa e a liberação dos repasses (leia mais abaixo).
Segundo apurou o Estadão, a derrota no plenário do TCU já era esperada pelo governo, uma vez que o colegiado tende a confirmar decisões tomadas individualmente pelos ministros e indicadas pela equipe técnica.
Leia mais
Na quarta-feira, a AGU entrou com recurso contra a decisão do TCU. O governo pede a suspensão imediata da medida que proíbe o MEC de destinar recursos dos fundos para o Pé-de-Meia.
A AGU sustenta que não há ilegalidade no programa e pede que, caso a decisão do TCU seja mantida, ela tenha validade somente em 2026. A União pede ainda um prazo de 120 dias para que o governo apresente um plano para cumprir a decisão sem prejudicar o programa.
Não haverá descontinuidade no pagamento do programa, diz Haddad
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta quinta-feira, 23, que não haverá descontinuidade no pagamento do programa Pé-de-Meia mesmo após a decisão do TCU. Ele confirmou que uma saída está sendo negociada com a Corte de Contas.
Haddad afirmou que as medidas do pacote de contenção de gastos aprovadas no ano passado foram pensadas justamente para que o custo do Pé-de-Meia seja absorvido pelo Orçamento (leia mais abaixo). No entanto, como mostrou o Estadão, a medida relacionada ao Fundeb, que poderia abrir espaço fiscal para o Pé-de Meia, ainda não foi implementada.
“O encaminhamento que nós demos nas medidas do ano passado foi para orçar o programa na forma que nós entendemos adequada, e que é a mesma que o TCU considera mais adequada”, disse o ministro, segundo quem está “pacificada” a questão de como a política deve ser procedida do ponto de vista orçamentário. “Então, agora é só uma negociação de transição, mas as medidas aprovadas em 2024 já abriam caminho para essa solução”, disse.
Ele pontuou ainda que não está negociando pessoalmente a transição com o TCU, mas reforçou que disse aos ministros que a proposta de orçamentação já estava nos planos da Fazenda há muitos meses. “Tanto é verdade que nós mandamos algumas medidas para o Congresso Nacional mexendo com o orçamento da educação para abrir espaço para a orçamentação ser facilitada sem descontinuidade de nenhum programa.”
O ministro disse ainda acreditar que a solução pode ser encaminhada na próxima semana. A saída, contudo, depende de uma resposta do TCU. “Mas o encaminhamento que está sendo dado é para não haver interrupção do programa”, disse.
O Ministério da Educação e o Ministério de Planejamento e Orçamento foram procurados para falar sobre o que será feito, mas ainda não responderam.
Parlamentares governistas entram em campo
Parlamentares governistas também entraram em campo para criticar a decisão do TCU e defender a manutenção do Pé-de-Meia. “A suspensão pelo TCU dos recursos do Pé de Meia é uma crueldade contra os alunos e suas famílias, além de ser uma intervenção descabida nos programas do governo”, escreveu a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR).
Ao Estadão, o coordenador da Frente Parlamentar da Educação no Congresso, Rafael Brito (MDB-AL) afirmou que o grupo enviará ao TCU uma carta em apoio ao programa. Segundo ele, pessoas que vivem do “caos na política” estão divulgando informações falsas de que o bloqueio seria devido a desvios no programa.
“Não há nenhum problema com a execução do programa, não há desvio de recurso, não há absolutamente nada em relação aos pagamentos. O que há é uma dúvida em relação ao fundo que foi criado, inclusive com lei aprovada no Congresso Nacional, para financiar o programa. São coisas diferentes”, pontuou.
O parlamentar defendeu o desbloqueio dos recursos e afirmou que, caso a situação não seja resolvida na semana que vem, a frente poderá criar uma comissão para dialogar com o Tribunal sobre o tema.
“Acho que o TCU será parceiro, do ponto de vista de encontrar uma solução para que o programa continue funcionando e atendendo esses 4 milhões de jovens no Brasil todo”, disse.
Governo precisará de R$ 3,6 bi para cumprir decisão do TCU
Em caso de derrota nos tribunais, o governo precisará de mais R$ 3,6 bilhões para cumprir a decisão do TCU, colocar o Pé-de-Meia no Orçamento e não parar o programa em 2025, de acordo com o economista e pesquisador do Ipea Camillo Bassi. Segundo ele, o Executivo tem de onde tirar esse recurso.
O Pé-de-Meia tem um custo aproximado de R$ 5,7 bilhões por ano. Há uma sobra de R$ 1,1 bilhão no fundo do programa que o TCU autorizou o governo a gastar, pois não vem dos fundos privados questionados pela decisão, mas de um dinheiro colocado pela União e que passou pelo Orçamento. Além disso, há R$ 1 bilhão proposto pelo governo no Orçamento de 2025, que ainda não foi aprovado no Congresso Nacional. Faltariam, portanto, R$ 3,6 bilhões. Esse dinheiro tem de sair de algum lugar.
O governo pode tirar os recursos do ensino em tempo integral, que entrará no guarda-chuva do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), segundo medida do pacote de corte de gastos aprovado no ano passado. A verba para a escola integral é de R$ 4,8 bilhões em 2025, suficiente para complementar o recurso que falta no Pé-de-Meia. O Ministério da Fazenda já manifestou interesse em usar esse espaço fiscal para o programa, mas a medida ainda não foi implementada.
“A solução contábil que existe é essa”, diz o economista. A alternativa ainda traz alguns problemas financeiros, pondera Bassi. Além de consumir o espaço fiscal do pacote de corte de gastos, parte das verbas do Pé-de-Meia seria custeada com recursos do Salário Educação – uma contribuição paga por empresas e que é destinada para merenda escolar, compra de livro didático, ônibus escolar e investimentos diretos nas escolas.
Nesse caso, esses programas ficariam descobertos e consumiriam os recursos de outros impostos da União. Para ele, no entanto, é o melhor caminho, porque acaba com os gastos paralelos considerados ilegais e inconstitucionais pela Corte de Contas./Colaboraram Amanda Pupo e Fernanda Trisotto