Você não soube pelos programas eleitorais ou pelos debates, mas até o fim do mandato do prefeito e dos novos vereadores os cidadãos de São Paulo terão bilhões a menos no orçamento. Esse dinheiro, que poderia melhorar escolas, unidades de saúde ou o transporte público, será perdido para o crescente déficit da previdência municipal. Já hoje São Paulo é a pior capital em relação à “suficiência financeira” do sistema de aposentadorias e pensões.
Quando são consideradas todas as cidades brasileiras, São Paulo ocupa a posição 1.606 dentre 1.741 municípios: a capital paulista pertence ao grupo dos 10% de municípios com previdência mais desequilibrada. Ombreia com Coité do Nóia, Serranópolis e Itambé.
O ranking pode ser obtido pelos dados do Indicador de Situação Previdenciária, do Ministério da Economia. Considerando todos os atributos, incluindo de gestão, as cidades podem receber quatro notas para as suas previdências: A (a melhor), B, C ou D (a pior). São Paulo, o maior PIB do Brasil, é nota D.
O desafio é nacional. Somente 9 municípios têm nota A: quase mil têm a nota D. Dentre as capitais, nenhuma é A, somente 5 são B, 9 têm nota C e 12 ostentam a pior nota. Entre as capitais D, estão também Rio de Janeiro, Salvador e Fortaleza. Dezenas de milhões de brasileiros dependem de serviços públicos de cidades que poderão ter cada vez menos condições de prestá-los, às voltas com a obrigação de direcionar seus recursos para cada vez mais aposentadorias e pensões.
O problema parece velho, mas é novo. Foi somente a partir do ano passado que reformar a previdência virou atribuição dos prefeitos e vereadores. Até então, suas atribuições no tema eram limitadas. Cabia ao Congresso Nacional, alterando a Constituição, tratar de questões como idade mínima para aposentadoria ou o cálculo dos benefícios. Com a desconstitucionalização da reforma, em 2019, a batata quente veio para os municípios.
O tema tem dificuldades técnicas e políticas. Itens palavrosos como o “déficit atuarial” deverão ser discutidos com a pressão próxima de servidores. Até o momento, conforme informou matéria de Idiana Tomazelli e Adriana Fernandes na semana passada, somente 13 municípios já fizeram a reforma da previdência. Se o quadro para Estados é pior (sua folha inclui policiais e bombeiros militares e o Judiciário), os déficits futuros somente dos municípios superam R$ 500 bilhões.
A solução passa por replicar o que foi feito para os servidores federais, em relação à idade mínima, limitação da integralidade (cálculo da aposentadoria pelo maior salário, e não pela média) e contribuições compatíveis com os benefícios.
Soa complicado, mas também é incrivelmente simples. Como o pagamento integral das aposentadorias e pensões é obrigatório, se elas não forem custeadas pelas contribuições dos próprios servidores, deverão ser arcadas pelos demais habitantes. O montante repartido é o chamado déficit, pago indiretamente pelos cidadãos que não têm direito à mesma idade de aposentadoria ou fórmula de cálculo de benefícios – pois não são funcionários da prefeitura. Simplificadamente, sem reforma, a grande maioria dos paulistanos pagará cada vez mais por benefícios a que não têm direito.
Em São Paulo, no 1.º turno, os prefeituráveis fugiram do problema. Foram de negar a necessidade de novos ajustes (Covas), propor um sistema mais generoso e desequilibrado (Boulos) ou evitar totalmente o tema no plano de governo (França, Russomanno). A reforma é tão importante para o futuro das nossas cidades quanto inconveniente nas eleições.
Pode até ser que em uma cidade mais rica um prefeito consiga compensar o aumento do déficit sem cortar em políticas públicas, por exemplo aumentando bastante o IPTU. Mas a dura realidade é que, sem atualizar as regras da previdência dos servidores municipais, será muito difícil ampliar políticas que beneficiam os mais pobres, como uma renda básica, o passe livre ou programas de emprego e creche.
Mesmo hoje, o orçamento da previdência em São Paulo em 2020 já é quase igual ao da saúde; o dobro daquele do transporte; cinco vezes o da assistência social ou o da habitação; e 70 vezes o do trabalho.
Há dez anos, Fabio Giambiagi e Paulo Tafner publicavam Demografia – Ameaça Invisível, sobre as dificuldades que o País enfrentaria com um veloz processo de envelhecimento sem atualização do seu pacto social para a nova realidade. A reforma de 2019 foi importante, mas parcial: a ameaça invisível persiste nas 2 mil cidades que têm regras especiais para seus servidores. Merece a sua atenção no 2.º turno.
*DOUTOR EM ECONOMIA
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