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Chama o "VAR" na economia e discute como tornar o Brasil melhor

Opinião | Bolsa Família de R$ 600 teve impacto enorme. Por que sabemos tão pouco sobre o programa?

Criação do auxílio emergencial no início da pandemia não chamou muita atenção e talvez ainda hoje não nos demos conta de sua enorme transformação

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Foto do author Pedro Fernando Nery
Atualização:

Não apareceu com destaque na capa do jornal nem no dia 2 nem no 3. Alguma repercussão no dia 8 de abril: “18 milhões se inscrevem no 1º dia para receber R$ 600. O número é um termômetro da corrida dos brasileiros em busca de um alívio”.

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Não se deu muita importância nos dias seguintes. Por exemplo, no dia 15, há exatos 5 anos, a capa trazia algo sobre uma fala de Mandetta (o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta), fotos de ministros trabalhando de suas casas, e um estudo sobre despovoar as favelas diante do vírus. Nada importante hoje.

A criação do auxílio emergencial, sancionada no dia 2, não chamou muita atenção — e como naquele início da pandemia, talvez hoje ainda não nos demos conta da enorme transformação dos 600 reais. Não ficaram em 18 milhões o número de beneficiários, mas em 67 milhões.

Orçamento do Bolsa Família quintuplicou em relação ao pré-pandemia Foto: Lyon Santos/MDS

Metade de população foi diretamente alcançada — moravam em um domicílio em que pelo menos um brasileiro foi protegido pelo auxílio. Até 8 vezes mais mortes teriam acontecido sem ele naquele ano, segundo o estudo de matemático Vinicius Albani (UFSC) e outros pesquisadores.

O impacto econômico foi enorme, e o político também. Bolsonaro teve mais votos no Nordeste em 2022, pós-auxílio, do que em 2018. Em busca desse eleitorado, trouxe de volta os R$ 600 antes das eleições, e Lula prometeu torná-los permanentes, dentro do Bolsa Família. Fez. O orçamento do programa quintuplicou em relação ao pré-pandemia. A pobreza e a extrema pobreza registram sucessivas mínimas históricas.

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Empregadores reclamam de escassez de mão de obra, economistas continuam preocupados com a dívida, os juros. Mas outras dimensões dessa montanha de dinheiro não são devidamente discutidas pela sociedade. Há foco em algumas evidências anedóticas sobre mau uso em bets — mas o que mais?

Qual papel da explosão do Bolsa na inflação de alimentos? Em que mais as famílias estão gastando? Como a vida tem melhorado? Que tipo de negócios se beneficiam? Que fenômenos sociais e culturais têm sido induzidos — além dos funks sobre o Jogo do Tigrinho? A teimosia do PIB em crescer tem algo a ver com esse montante espetacular, de R$ 170 bilhões anuais?

Há algumas sugestões de porta de saída, preocupações recicladas com fraudes, mas nenhuma discussão de reforma de um programa que basicamente manteve as regras de quando era muito menor. A pobreza infantil caiu poucos percentuais com um Bolsa que cresceu cerca de 400%.

Os R$ 600 valem só R$ 447, o que ainda é quase o dobro de antes de abril de 2020, e tem público muito maior. Como o Brasil tem mudado? E como pode mudar?

Opinião por Pedro Fernando Nery

Professor de economia do IDP. Autor do livro "Extremos - Um Mapa para Entender as Desigualdades no Brasil"

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