O título é pretensioso, pois ninguém pode prever o futuro, especialmente quando o País está no meio da maior crise internacional dos últimos 80 anos. As opiniões de analistas variam desde uma profunda e duradoura recessão até que o pior já passou. O enfrentamento da crise é mais difícil nos países desenvolvidos, cujo crédito é altamente alavancado e com garantias duvidosas. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima em US$ 4,1 trilhões a perda no setor financeiro dos EUA, da Europa e do Japão até 2010. Parte desses recursos deverá vir de megaendividamentos e déficits fiscais. Para os EUA, as estimativas são de déficits fiscais de 13% do Produto Interno Bruto (PIB) e a dívida pública pode ultrapassar 70% do PIB. No caso brasileiro, o sistema financeiro foi preservado. Quanto aos fundamentos econômicos, creio que nossa posição é relativamente confortável. Em relação ao PIB, a dívida líquida é de 37% e o déficit fiscal, de 2%. Esses níveis são dos melhores em termos históricos e bem situados na comparação internacional. No front externo, nesse primeiro trimestre, em relação a igual período de 2008, nossas exportações caíram 19,4%, as importações, 21,6%, e o saldo comercial (exportações menos importações) cresceu 9,1%. As transações correntes, que medem o resultado das contas externas, foram deficitárias em US$ 5 bilhões, metade daquelas do mesmo período de 2008. As estimativas para o déficit externo para 2009 variam entre US$ 10 bilhões e US$ 20 bilhões, que seria coberto pelo ingresso de investimento direto estrangeiro de US$ 23 bilhões previsto pelo mercado. Fora isso, nossas reservas internacionais estão por volta de US$ 200 bilhões. Quanto ao PIB por habitante, saímos de uma estagnação de 0,2% ao ano, de 1981 a 2003, para 3,5% nos últimos cinco anos. Foi o melhor resultado desde 1980 e superou o da fase áurea da economia brasileira, que se deu de 1900 até 1980, quando atingiu 3,2%. Creio que as perspectivas vão depender principalmente de medidas do governo federal. Algumas já implementadas poderão render frutos: elevação do salário mínimo, injeção de R$ 100 bilhões de depósitos compulsórios para o sistema bancário, redução da taxa Selic, ação mais agressiva dos bancos oficiais na concessão de crédito a taxas de juros mais baixas, ampliação de recursos à disposição do BNDES para investimentos e capital de giro, desonerações tributárias e lançamento do programa de construção de 1 milhão de moradias, que deve atingir essencialmente a demanda de baixa renda e estimular o setor imobiliário, que é importante para a ampliação do emprego. Resta enfrentar nosso calcanhar de aquiles: a Selic e, especialmente, as altas taxas de juros ao tomador final. Nisso os resultados são pífios. Segundo o artigo 192 da Carta Magna do País, o sistema financeiro nacional será "estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade". Não é o que ocorre. Os bancos vêm atuando na contramão do enfrentamento da crise, restringindo o crédito e praticando, como sempre, elevadas taxas de juros. Cabe primordialmente ao Banco Central (BC) a responsabilidade por essa anomalia. Enquanto os sinais de queda da atividade econômica e da inflação já eram claros , o BC elevava a Selic na contramão dos demais bancos centrais. Só em 21 de janeiro começou a reduzi-la e de forma lenta. Atualmente ela está em 11,25%, mesmo nível de um ano atrás. Outro equívoco foi liberar aos bancos R$ 100 bilhões dos depósitos compulsórios, sem qualquer obrigação de metas para volume de empréstimos e taxas de juros. Medidas contracíclicas poderiam ter sido tomadas de forma mais intensa e ágil, normalizando o crédito e reduzindo as taxas de juros dos bancos a níveis compatíveis com o desenvolvimento da atividade econômica. Um dos maiores beneficiários dessa política seria o próprio sistema financeiro, com a dinamização das atividades produtivas. Quanto à política fiscal, seria mais eficaz irrigar a economia pela sua base, estimulando o consumo da classe média e de menor renda. Desonerar empresas, privilegiando poucos setores, embora dê frutos, é de menor eficácia, porque parte dos recursos cedidos não retorna necessariamente ao ciclo econômico. Irrigar a economia pela base é, por exemplo, reduzir os preços do gás de cozinha, o INSS dos trabalhadores de menor renda, elevar o valor e a abrangência do Bolsa-Família e subsidiar o transporte coletivo. Os recursos para isso poderão vir da postergação de programas não prioritários, da renegociação dos contratos com terceiros e da redução das despesas com os juros. A economia ativada gera mais arrecadação e redução da inadimplência. As perspectivas para o País dependem muito mais da irrigação da economia pela base do que de fatores externos sobre os quais não podemos agir. É bom lembrar que nossa exposição externa, pelo lado comercial e financeiro, é reduzida, na comparação internacional, e o mercado interno tem potencial pouco explorado, que pode perfeitamente compensar as restrições externas. Para a planta crescer, é preciso irrigar sua base e um bom tempo. O tempo joga a nosso favor, mas a irrigação ainda é insuficiente. *Amir Khair, consultor, é mestre em Finanças Públicas pela FGV