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'Políticas de estímulo à demanda foram demonizadas', diz economista

Bráulio Borges avalia que excesso de rigor do Banco Central é um dos motivos para estagnação da economia

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RIO - O economista sênior da LCA Consultores Bráulio Borges considera que o País ainda vive um quadro de estagnação, mesmo com a alta de 0,4% do PIB no segundo trimestre, e vê a fraqueza na demanda, provocada, principalmente, pelo excesso de rigor do Banco Central (BC) ao evitar cortar mais a taxa básica de juros (Selic, hoje em 6% ao ano), como maior motivo para esse quadro.

Segundo ele, o ritmo de crescimento do segundo trimestre, se anualizado, daria algo como 1,5% ao ano, ainda muito baixo para "consumir o excesso de ociosidade da economia". O prolongamento dessa situação, para o economista, pode afetar até mesmo o potencial de crescimento do País. A saída seria, além de baixar os juros mais rapidamente, ampliar os gastos públicos com investimentos, mas Borges vê pouca chance de isso acontecer.

O economista Bráulio Borges. Foto: Werther Santana/Estadão

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O que explica a estagnação da economia brasileira, falta de demanda ou restrição de oferta?

Temos que voltar um pouco atrás. O Brasil viveu uma espécie de bolha entre 2004 e 2012 ou 2013. Essa bolha resultava de uma bolha lá fora, que estourou em 2008 e 2009, mas o Brasil esticou um pouco a corda, alimentando a bolha internamente com a política fiscal, que ficou expansionista. Isso acumulou uma série de desequilíbrios. Chegou em 2014 e não deu mais para sustentar isso. Aí veio todo o freio de arrumação a partir de 2015, para corrigir esses desequilíbrios. A opção naquele momento foi por fazer uma coisa mais parecida com um choque, tentar corrigir mais rápido a questão fiscal, na política monetária, fazer a inflação voltar para a meta o mais rápido o possível. Esse choque gerou resultado rapidamente. A economia caiu muito em 2015 e 2016, mas já em 2016 a inflação já estava alinhada à meta, o fiscal melhorou um pouco em 2015, mas piorou um pouco em 2016, e o teto de gastos pelo menos deu horizonte um pouco mais longo de correção da solvência fiscal. Chegou então 2017, e a economia já estava mais bem ajustada, principalmente em termos de inflação e nas contas externas.

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Mas por que a recuperação está tão lenta desde então?

Ninguém tinha ilusão de que seria rápido. As recuperações que vêm depois de estouros de bolhas trazem o fenômeno que a gente chama de “recessões de balanços”. Empresas que sobreinvestiram no “boom” demoram um tempo para digerir, muita gente quebra e o setor privado vai se desalavancando (reduzindo dívidas). Tudo isso são explicações levantadas hoje, não lá em 2016 ou 2017, para a retomada atipicamente lenta e frustrante. Não é que todo mundo imaginava exatamente essa trajetória do PIB (Produto Interno Bruto) há dois ou três anos.

O que explica essa frustração?

Aconteceram algumas coisas inesperadas, como colapso da Argentina, alguns choques políticos domésticos, Brumadinho (rompimento de barragem da mineradora Vale, em janeiro, na região metropolitana de Belo Horizonte, que levou à paralisação de várias minas em Minas Gerais), mas tudo isso pressupõe que a política econômica aqui dentro, principalmente a monetária, dado que a fiscal está mesmo sem muita margem, não teria margem de manobra. E o fato de observarmos, por três anos consecutivos, incluindo 2019, uma inflação muito abaixo de meta é um indício claro de que a resposta de política monetária, que é a que tinha margem de manobra, foi inadequada. Isso é um ingrediente importante, inclusive para responder aos choques do meio do caminho. Veio o choque argentino, a partir de meados do ano passado, a resposta da política monetária aqui dentro deveria ser uma flexibilização adicional da política monetária (mais cortes na taxa básica de juros). A política monetária no Brasil foi muito inadequada nos últimos três anos, em particular no último um ano ou um ano e meio.

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O BC exagerou na dose?

O BC tem um mandato muito claro, que é entregar a inflação na meta, goste-se da meta ou não. Muita gente argumenta que é uma inflação baixa, de Primeiro Mundo, mas não é a meta de inflação (4,25% para 2019). Se querem uma inflação de 3,0%, então primeiro mudem a meta, seguindo toda a institucionalidade do regime de metas. Uma inflação atipicamente baixa no contexto atual do Brasil é o outro lado da moeda de uma economia deprimida. As recessões trazem o risco negativo de “histerese”. Quando se entra numa recessão profunda como foi a brasileira e fica lá no fundo do poço por muito tempo, isso começa a afetar as nossas perspectivas de médio e longo prazo. “Histerese” é o ciclo afetando a tendência.

Se os desequilíbrios começaram a ser corrigidos após 2015, o maior problema da estagnação é uma depressão de demanda?

No curto prazo, o problema é falta de demanda. A restrição de oferta pode surgir, sim, daqui a três ou quatro anos, se não for feita nenhuma reforma e a economia recuperar, consumindo o excesso de ociosidade. Como a questão da oferta demora para maturar, não se pode esperar três ou quatro anos para fazer as reformas. É preciso ir fazendo as reformas agora, paralelamente a uma política de demanda de curto prazo, pavimentando o caminho para um crescimento mais alto e sustentável.

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Alguns economistas sugerem fazer as reformas e esperar, não?

O problema de fazer só as reformas é ignorar o fato de que esse curto prazo muito ruim pode atuar como uma contrarreforma. Pode reduzir o efeito que se esperaria, por exemplo, da abertura comercial, que tende a elevar a produtividade da economia.

Qual a saída então?

A política monetária tem um espaço enorme. Temo se o Banco Central está disposto a fazer isso (cortar juros) na necessidade que seria necessária. Em paralelo a isso, o estímulo com a liberação adicional do FGTS é correto, mas, infelizmente, demos azar. Nas nossas contas, a crise da Argentina vai ter uma piora adicional por conta das eleições (em outubro), o que praticamente neutraliza o impacto positivo que a liberação do FGTS teria na economia. O FGTS só vai evitar que a economia brasileira piore ainda mais. Precisa de outras coisas. Aí surge a discussão da política fiscal. Cada vez mais gente está defendendo algum tipo de estímulo fiscal, desde que seja inteligente, focado em investimento. Para viabilizar um investimento adicional, necessariamente isso passa pela discussão sobre a flexibilização do teto de gastos. Isso traz muita polêmica. Muita gente acha que estímulo fiscal pode ser contraproducente. Acho que o pessoal demoniza as políticas de estímulo à demanda que foram colocadas em prática em 2012 e 2013, mas ignoram que lá a economia estava além do pleno emprego de sua capacidade. Era uma economia que não precisava desses estímulos expansionistas e que os recebeu mesmo assim. Hoje, a situação da economia brasileira é muito aquém do pleno emprego das capacidades, então, não tem nada mais ortodoxo do que políticas de estímulo à demanda.

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Há clima político para isso?

Acho pouquíssimo provável. A tendência é crescimento lento e inflação abaixo da meta.