‘Não vamos nos envergonhar do nosso potencial em combustíveis fósseis’, diz Alexandre Silveira

Ministro de Minas e Energia defendeu entrada do Brasil na Opep+ e a exploração do petróleo no Brasil, e disse que países do Sul Global não podem ser colonizados pela transição energética global

PUBLICIDADE

Publicidade
Foto do author Paula Ferreira
Foto do author Karla Spotorno
Atualização:
Foto: Tauan Alencar/MME
Entrevista comAlexandre SilveiraMinistro de Minas e Energia

No auge das discussões acerca da necessidade de frear a exploração de combustíveis fósseis em todo o mundo, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira defendeu que o Brasil não pode se envergonhar de seu potencial no setor e deve explorá-lo. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, nesta segunda-feira, 4, na 28.ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-28), que ocorre em Dubai, Silveira argumentou que os países ricos devem liderar os esforços de mudanças em suas matrizes energéticas.

A passagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela COP-28, na última semana, foi marcada pelo anúncio de o Brasil integrar a Opep+, um grupo criado pela Organização dos Países Produtores de Petróleo. O passo foi visto por ambientalistas como uma contradição do governo brasileiro em um momento no qual o próprio presidente Lula discursou em defesa da redução do ritmo de uso matrizes fósseis.

Nesta segunda-feira, o Brasil foi escolhido como o “vencedor” do irônico prêmio “Fóssil do Dia”, organizado pela Climate Action Network (CAN), uma rede que reúne organizações não governamentais em todo o mundo. Silveira foi citado na justificativa do prêmio por, entre outros pontos, ter anunciado a adesão do Brasil à Opep+ e o leilão de novos blocos de petróleo ainda neste mês. O prêmio foi concedido pela primeira vez em 1999, e escolhe um país a cada dia.

A grande força do Brasil é exatamente a sua pluralidade energética, diz Silveira Foto: Wilton Júnior/Estadão

“Nós não vamos negar que as nossas fontes e a nossa prioridade energética são um fato. Então, nós não vamos nos envergonhar da nossa Petrobras. Não vamos nos envergonhar de termos o potencial também dos combustíveis fósseis no Brasil, e eles precisam ser explorados, porque o Brasil é um país onde as injustiças sociais ainda são muito latentes”, defendeu Silveira. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Publicidade

Por que entrar na Opep+ nesse momento em que o mundo aponta para a necessidade de parar de expandir as fronteiras de combustíveis fósseis?

É importante contextualizar o que vem acontecendo na transição energética global. O Brasil é sem dúvida nenhuma o grande líder da transição energética. Tem uma matriz de energia elétrica 88% limpa e renovável, muito em consequência das suas potencialidades naturais. O Brasil é o grande celeiro dos biocombustíveis e nós temos estimulado isso. A política pública liderada pelo presidente Lula enviou ao Congresso Nacional o programa que está sendo elogiado aqui na COP-28 como um dos mais modernos programas de descarbonização da matriz de transporte e mobilidade, que é o projeto “Combustível do Futuro”, que cria mandato por diesel verde, que cria mandato para o combustível sustentável de aviação, que cria regulamentação para captura e estocagem de carbono, que aumenta a participação do etanol na mistura da gasolina, aumentando a octanagem de veículos, mas também descarbonizando. Ou seja, o Brasil é o protagonista da transição energética global. Agora, o Brasil também é produtor de petróleo. E a grande força do Brasil é exatamente a sua pluralidade energética. A transição energética tem de ser vista por todos nós além da sustentabilidade, além da preservação do planeta. Isso nós já fazemos, nós temos a maior floresta tropical do planeta. O papel do Brasil, na minha visão e pelo que tenho visto nos discursos do presidente Lula, é agora dar um passo à frente disso.

Qual?

O Brasil terá dois fóruns extremamente qualificados para fazer. Um é o G20, que eu vou ter alegria e responsabilidade de presidir o de energia. E o outro será a COP-30, que o Brasil recepcionará (em 2025). O Brasil voltou a fazer a boa política, política que senta na mesa para dialogar e discutir os problemas reais da sociedade. Portanto, nada pode ser óbice ao Brasil participar de mais um fórum qualificado de discussão de estratégias de países produtores que querem, inclusive, achar um caminho seguro, estável, com previsibilidade pra poder destinar os recursos advindos do petróleo para a transição energética, para investir em energias renováveis. O ambiente aqui nos países árabes, onde nós estamos fazendo esse debate, é de uma consciência de que as novas gerações estão vindo com o chip, com a mentalidade, de que a salvaguarda e proteção planetária é uma necessidade. O petróleo, daqui a poucos anos, vai ficar para os jovens como o cigarro ficou décadas atrás. Vai ser algo que vai ficar no passado, mas ainda não está no passado. Por isso a palavra “transição energética”. Ninguém em sã consciência quer exigir mais sacrifício dos países do Sul Global, e especialmente de países como Brasil, onde a população já pagou o preço por ter uma matriz energética tão importante para o planeta. Nós queremos avançar na descarbonização? Sim. Temos feito muitas políticas públicas para isso? É verdade, temos feito. Os biocombustíveis do Brasil são para nós o que o petróleo é para Arábia Saudita.

O que está sendo feito?

Nós contratamos este ano R$ 16 bilhões de linhas de transmissão para fortalecer a transmissão do Nordeste e do Norte do Brasil para o centro de carga, que é o Sudeste. Vamos contratar mais R$ 20 bilhões em dezembro, ou US$ 4 bilhões, mais R$20 bilhões em março de 2024. Ou seja, R$ 56 bilhões, algo como US$ 10 bilhões a US$ 12 bilhões de investimento em transmissão. Quem paga essa conta? O povo brasileiro. Vai para a conta de energia quando as linhas de transmissão ficam prontas. Para que nós estamos fazendo essas linhas de transmissão? Para triplicar a capacidade do Nordeste brasileiro de receber investimentos internacionais em energia solar eólica e biomassa, que são energias limpas e renováveis. Nosso objetivo é reindustrializar o Brasil. O Brasil quer produzir essa energia para descarbonizar o planeta e fortalecer a sustentabilidade, mas quer que os países ricos e industrializados reconheçam a necessidade da transição. Precisamos criar uma consciência global para sustentabilidade, nós precisamos criar mecanismos para valorizar a nossa Floresta Amazônica. Nós precisamos criar a agência internacional do carbono.

O próprio presidente Lula afirmou que o Brasil não vai ‘apitar nada’ nesse grupo. Não é uma utopia pensar que o Brasil vai pautar essa discussão sobre energias renováveis em um grupo de países produtores de petróleo?

O que muitas vezes alguns chamam de utopia, eu prefiro chamar de sonho. E sonho que a gente sonha junto, acontece. O Brasil não pode ser negacionista, o negacionismo acabou quando o presidente (Jair) Bolsonaro terminou o seu mandato. E nós não vamos negar que as nossas fontes e a nossa prioridade energética são um fato. Então, nós não vamos nos envergonhar da nossa Petrobras. Não vamos nos envergonhar de termos o potencial também dos combustíveis fósseis no Brasil, e eles precisam ser explorados, porque o Brasil é um país onde as injustiças sociais ainda são muito latentes. O Fundo Social, que é administrado pela PPSA (a estatal Pré-Sal Petróleo), e que foi desvirtuado no governo anterior - o recurso foi utilizado para amortecer o pagamento do juros da dívida, e nada dele voltou para a sociedade -, nós retomamos o verdadeiro destino dele. Semana passada nós lançamos um programa e eu assinei na Medida Provisória, que se chama “Pé de meia”, R$ 20 bilhões do petróleo, dos recursos da partilha do petróleo vão ser utilizados para manutenção dos alunos no Ensino Médio das escolas públicas brasileiras terem estímulo de ficarem na escola.

Publicidade

Nós vamos aproveitar essa oportunidade e vamos defender os países do Sul Global e os países da América Latina para que os países ricos e industrializados - que, infelizmente, alguns voltaram a usar carvão na sua matriz energética, como a Alemanha - os respeitem. Nós não aceitaremos ser “colonializados” de novo pela transição energética global. Nós queremos, ao contrário disso, sermos respeitados. O presidente Lula é o líder certo, no lugar certo, na hora certa e eu não ouvi isso só de brasileiros. Eu ouvi isso do príncipe do Catar numa audiência com o presidente, ouvi isso do príncipe herdeiro na Arábia Saudita, eu ouvi isso do Olaf Scholz, primeiro-ministro da Alemanha.

O sr. disse que não podemos nos envergonhar da Petrobras e do potencial do Brasil nessa área. Recentemente, o presidente da Petrobras mencionou que estuda abrir uma “Petrobras Arábia”. O senhor é favorável à abertura de novos poços de petróleo pela empresa? Qual sua posição sobre a “Petrobras Arábia”?

Eu fiquei sabendo disso exatamente no momento em que o presidente Lula ficou. O governo não conhece essa ideia do presidente da Petrobras. O fato é que eu sou defensor, e isso é público, de que a Petrobras tem de investir de forma muito vigorosa, além da exploração de petróleo, no gás para poder reindustrializar o Brasil com uma fonte de energia tão necessária, em especial na produção de nitrogenados para poder impulsionar o agronegócio nacional, gerar alimentos, baratear alimentos e, consequentemente, melhorar a vida do povo brasileiro. A Petrobras tem de voltar a investir em refino para o Brasil ser autossuficiente, não depender dos preços internacionais. A Petrobras tem de achar um programa, que encaixe bem com a sua governança e natureza jurídica, para fazer chegar o botijão de gás na casa de brasileiras e brasileiros a preços mais módicos.

O Brasil não quer ser exportador de commodities apenas. Pode ser também, mas o Brasil quer manufaturar sua soja, o Brasil quer manufaturar o seu aço e vender o “aço verde” no mundo. Só que, para isso, nós precisamos fazer esse debate que estamos fazendo aqui na COP. E, ao contrário do que muitos imaginam, que foi inoportuna a notícia de que o Brasil fará parte dessa plataforma de discussões (Opep+), eu entendi que foi muito oportuno, porque levantou a discussão para um tema tão fundamental, que é a força diplomática do Brasil de representar os países do Sul Global na discussão da transição energética justa, inclusive e, como disse o Papa Francisco, obrigatória.

Há um desalinhamento entre a Petrobras e o governo? Como está a interlocução com a empresa?

O governo tem as suas preocupações, seus objetivos, seu foco e a clareza dos resultados que precisa atingir. A Petrobras é uma empresa de capital aberto, uma empresa que deve ter a sua governança sempre respeitada, que tem o interesse dos seus acionistas privados, que tem interesse de seus acionistas internacionais. Naturalmente, muitas vezes haverá conflitos, que vão ser dirimidos de forma harmônica, dialogada, negociada. Por que o governo tem o direito de fazer essa discussão? Porque o governo é acionista controlador, porque o governo tem a maior parte dos conselheiros, é quem indica o presidente da Petrobras. O governo não quer usar desse poder para torná-la uma empresa de menor valor, muito pelo contrário, o governo quer que a Petrobras seja reconhecida como uma empresa importante, fértil aos investimentos. E isso tem acontecido.

Publicidade

PUBLICIDADE

A ação da Petrobras em janeiro deste ano era R$ 23, hoje ela é R$ 37. Ela valorizou 50% em um ano, com toda essas polêmicas que tivemos durante o ano sobre o preço dos combustíveis. Todos sabem a minha posição pública de que o Brasil deve exercer o preço competitivo interno, e não o preço de paridade internacional, porque o Brasil produz mais petróleo que a média mundial, voltou a investir em refino, porque a Petrobras é uma das empresas que têm o melhor quadro técnico do mundo na exploração de águas profundas. Muitas vezes, naturalmente, haverá discussões sobre o plano estratégico, por onde andar, por que caminho construir. E nós não temos nenhum problema até em conversar com acionistas minoritários, porque é o diálogo que constrói, que busca consciência.

Uma mina da Braskem ameaça a segurança de Maceió, e essa não é a primeira vez que eventos perigosos envolvendo mineradoras ocorre no Brasil. Como o governo pretende atuar para fiscalizar melhor o setor?

Disse ao presidente Lula que um legado que nós podemos deixar ao povo brasileiro no setor mineral é o fortalecimento da Agência Nacional de Mineração, que foi criada em 2019, com uma estrutura muito abaixo do que ela precisa para cumprir seu papel num país que tem tanto potencial, em especial nesse momento da transição energética, de minerais críticos, de minério de ferro e de outras riquezas naturais. Para que ela cumpra não só de forma adequada os seus licenciamentos, mas principalmente para que ela tenha um corpo mais robusto de fiscalização do setor mineral Nacional. Assim que aconteceu a notícia da Braskem imediatamente eu acionei o secretário de Geologia e Mineração, ele montou a sala de situação, eu entrei na presidência da sala de situação, passei a presidi-la on-line todo tempo. E ele enviou, por determinação do ministro de Minas e energia do Brasil, toda a equipe de fiscalização do serviço de Geologia brasileiro e eles estão permanentemente fazendo todo monitoramento sísmico, junto com outros órgãos do governo, incluindo o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. E fizeram o principal: tiraram as poucas famílias que ali ainda estavam, porque a nossa preocupação nesses momentos deve ser a preservação da vida humana. As outras consequências advindas desse processo de exploração em Maceió, devem e já estão sendo frutos de investigação por outros órgãos que são competentes para fazer. Seria muito leviano, ou seria muito precipitado, querer culpabilizar quem quer que seja. A obviedade é que que tem alguma coisa ali que não foi correta. Quem fez, de que forma fez, e a valoração, seja pecuniária ou seja criminal, das responsabilidades sobre os eventos ocorridos ali vão ser apuradas no foro adequado.

*A jornalista Paula Ferreira viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade