BRASÍLIA — O pagamento das dívidas judiciais da União, os chamados precatórios, deve somar R$ 115,7 bilhões em 2026 e desafia o governo do presidente Lula (PT) a propor alguma solução para a fatura, que pressiona cada vez mais as contas públicas e que deve voltar integralmente para o limite de gastos do arcabouço fiscal a partir de 2027.
Esse cenário tem levado agentes do mercado financeiro e integrantes do próprio governo a prever internamente uma mudança no arcabouço fiscal após as eleições presidenciais do ano que vem, quando termina o mandato do petista, se um ajuste severo nos gastos obrigatórios do governo, que saiu do radar de Lula, não for feito. A defesa da equipe econômica, porém, tem sido a de preservar o arcabouço.
Procurados, os ministérios da Fazenda e do Planejamento e Orçamento não se manifestaram.

O governo tem um limite para gastar, de acordo com o arcabouço. As despesas não podem ter um crescimento real (acima da inflação) maior que 2,5% de um ano para outro. Os gastos com benefícios previdenciários, assistência social e precatórios vêm crescendo e, consequentemente, diminuem o espaço para outras despesas, como manutenção da máquina pública, atendimentos no Sistema Único de Saúde (SUS) e investimentos em obras públicas.
Em 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou o governo a retirar uma parte dos precatórios do teto de gastos e da meta de resultado primário (balanço entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida) até 2026. Junto com o desenho do arcabouço fiscal, aprovado no mesmo ano, e com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, promulgada no ano anterior, a decisão deu um alívio momentâneo para o caixa da União.
Os precatórios terão de voltar aos limites das regras fiscais a partir de 2027. O governo não fala em pedir uma nova decisão do STF ou propor uma nova mudança nos limites de pagamento, mas reconhece que alguma coisa precisará ser feita.
“Chegou o momento que em 2027, seja quem for o presidente da República, não governa com esse arcabouço fiscal, com essas regras fiscais, sem gerar inflação, dívida pública e detonar a economia”, disse a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, em entrevista à GloboNews no dia 13 de março. Ela defendeu um corte de gastos entre novembro e dezembro do ano que vem, após as eleições, seja quem for o presidente eleito.
Governo defende meta, mas resiste em incluir precatórios na revisão de gastos
O projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026 será enviado ao Congresso até o próximo dia 15. Tebet e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afastaram a possibilidade de mudar a meta fiscal de 2026, definida no projeto, que é um superávit fiscal de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), com uma tolerância admitindo um déficit zero.
Dentro da equipe econômica, uma ala defende a inclusão das dívidas judiciais no anexo de revisão de gastos da LDO de 2026, que serve para demonstrar as despesas que governo se compromete a ajustar. A mesma tentativa foi feita no último ano, para envio da lei de 2025, mas não prosperou. A inclusão sinalizaria um compromisso com uma solução que não passe por alterar o arcabouço.
“No momento atual, é importante que os precatórios integrem esse esforço maior de revisão de gastos, pois se trata de uma rubrica materialmente relevante e que assumiu trajetória crescente nos últimos anos”, diz o ex-secretário de Orçamento Federal e consultor da Câmara Paulo Bijos.
O governo tem R$ 102,7 bilhões em precatórios para pagar em 2025, dos quais R$ 44 bilhões ficarão fora do teto. No ano que vem, o total deve saltar para R$ 115,7 bilhões, com R$ 55,7 bilhões fora do limite. O número é uma estimativa da equipe econômica incluída no Orçamento de 2025, que trouxe projeções para o ano seguinte. O valor final é aquele que a Justiça determinar e deve ser conhecido após o dia 30 de abril.
O fato de parte dos precatórios ficar fora dos limites tem sido determinante para o Poder Executivo cumprir legalmente o arcabouço e a meta fiscal, embora o custo para os cofres públicos seja o mesmo e aumente o endividamento do governo.
“O arcabouço como a gente conhece hoje não sobrevive em 2027. Muito provavelmente ele vai ser rediscutido na elaboração do Orçamento de 2027, que tem que ser entregue até agosto de 2026″, afirma o ex-secretário do Tesouro Nacional e head de macroeconomia do ASA, Jeferson Bittencourt.
Como solução, Bittencourt sugere recalcular o orçamento que serve como base do teto de gastos do arcabouço fiscal desde 2023 e incluir todo o valor dos precatórios, e não apenas o que ficou dentro do limite, como foi feito. É como se o governo voltasse no tempo para refazer as contas e o limite de despesas não fosse mais R$ 2 trilhões e passasse a ser de R$ 2,3 trilhões, aproximadamente.
A mudança aumentaria o limite total de gastos, sem que outra despesa fosse retirada do teto ou que a regra de 2,5% ao ano fosse alterada. A solução não seria definitiva, pois outros gastos obrigatórios continuariam crescendo, como a Previdência Social, mas daria um fôlego para o governo e abriria espaço para pagar todos os precatórios dentro do limite em 2027, na avaliação dele.
“Se fosse feito isso, eu seria o primeiro analista a reconhecer o seguinte: a regra fiscal não mudou. Se qualquer outra mudança for feita, eu vou dizer o seguinte: mudamos a nossa regra fiscal.”
Paulo Bijos defende a inclusão integral dos precatórios nos limites fiscais, mas acrescenta que há algo mais importante: controlar o crescimento dessa dívida. “Por isso é tão importante que os precatórios integrem o anexo da LDO (de revisão de gastos) e sejam intensivamente sujeitos à atividade de revisão do gasto, com ênfase na mitigação das causas que dão origem a essas sentenças judiciais.”
Governo evita antecipar solução e tenta ‘empurrar’ discussão para 2026
Possivelmente, a discussão será feita para valer no ano que vem, quando o governo precisará definir as regras para 2027, segundo técnicos da equipe econômica. A incerteza e a proximidade do ano eleitoral aumentam o risco de o Orçamento ser elaborado de forma irrealista, deixando o assunto para ser resolvido por quem for eleito para presidir o País a partir de 2027.
Em 2024, 93% do Orçamento foi gasto com despesas obrigatórias, incluindo Previdência Social e precatórios, e sobrou apenas 7% para investimentos e custeio da máquina. A pressão sobre as contas públicas colocou a equipe econômica em uma encruzilhada: ou uma forte redução de gastos terá de ser feita ou o teto do arcabouço fiscal não ficará com o mesmo desenho a partir de 2027, podendo até ser revogado e substituído, pois as duas coisas são incompatíveis, segundo analistas.
“O arcabouço fiscal sobrevive em 2025 e 2026 e as metas serão cumpridas. A partir de 2027, há uma série de más notícias, como os precatórios, os fundos criados pela reforma tributária e os gastos com Previdência. A tarefa de um ajuste mais estrutural foi transferida para o próximo mandato”, afirma o diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Marcus Pestana. “Muito mais do que a regra fiscal, tem que ser repensada toda a estrutura de gastos.”