
Munido de gráficos que comparam a queda do investimento em infraestrutura no País com o crescimento de gastos com a Previdência nas últimas décadas, o economista Raul Velloso – consultor especialista em finanças e ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento – alerta para o desequilíbrio das contas do País. “O investimento público em infraestrutura era algo ao redor de 5% do PIB nos anos 80. Hoje, caiu para 0,7%. Enquanto isso, o (investimento) privado ficou parado no mesmo lugar, 1% do PIB.”
Paralelamente, o aumento da população idosa pressiona as despesas da Previdência com aposentadorias. Segundo o especialista, de 1987 a 2000 o crescimento da população idosa foi de 62%. “Quando eu pulo para 2024, os 62% viraram 264%”, alerta. “No fundo, é uma disputa entre dinheiro para Previdência, para cobrir desequilíbrios financeiros, e gastos diretos em investimentos, em infraestrutura, para o País crescer.” A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estadão:
Você estuda contas públicas há mais de 40 anos, e tem se preocupado muito com a Previdência. Por quê?
Minha preocupação varia com aquilo que eu identifico como sendo a grande dificuldade de cada momento. E isso, obviamente, vai variando no tempo. As coisas vão mudando.
Neste momento, é o mais importante para você, em termos de contas públicas?
O mais importante neste momento é a questão do desequilíbrio previdenciário. A Previdência está com um elevado desequilíbrio nas suas várias contas. Você tem a União e, dentro da União, vários grupos, Estados e municípios. Em todos esses casos, nós temos um desequilíbrio financeiro bastante elevado que, obviamente, termina consumindo recursos que deixarão de ir para outro lugar tão importante quanto ou, até mais, dependendo do momento, do que esse da Previdência. É claro que não estou dizendo que Previdência é melhor ou pior para ser cuidada do que um outro item. Para mim, a grande disputa é com a questão dos investimentos em infraestrutura, e o setor público no Brasil é o principal agente que atua nessa área. Então, no fundo, é uma disputa entre dinheiro para Previdência, para cobrir desequilíbrios financeiros, e gastos diretos em investimentos, em infraestrutura, para o País crescer. Aí é uma questão de atender à Previdência ou ao objetivo de crescimento do País.

Na última década, os investimentos públicos em infraestrutura têm diminuído. E a iniciativa privada tem entrado nessa área. Uma coisa não compensa a outra?
Não. Na verdade, se a gente calcular o investimento privado e colocar com os investimentos públicos, num gráfico só, calcular uma média, descontando a inflação, tomando todos os cuidados técnicos para ter coisas comparáveis, o investimento público em infraestrutura era algo ao redor de 5% do PIB nos anos 80. Hoje, esse investimento caiu para 0,7% do PIB. Enquanto isso, o privado ficou parado no mesmo lugar, 1% do PIB.
Não cresceu?
Não. Ficou constante, em 1% do PIB desde 1980. Quer dizer, é óbvio que um desaba e o outro não substitui, vai fazer falta em algum momento. Nós não estamos conseguindo atender às necessidades de crescimento da economia. Então, se o gasto previdenciário sobe nas suas várias instâncias, é esse item, investimento público em infraestrutura, que vai encolher para abrir espaço para que aquele gasto se realize.
É um círculo vicioso?
É. Só que ele está chegando num momento dramático. Porque o déficit e os gastos previdenciários começaram a crescer desesperadamente, coisa que eu, que mexo nessa área há tantos anos, nunca imaginei que iria testemunhar algo nessa dimensão. De 1987 para 2000, o crescimento da população idosa foi 62%. Quando eu pulo para 2024, os 62% viraram 264%.
A reforma da Previdência adiantou muito pouco, é isso?
Praticamente, nada. Porque tem um fenômeno demográfico muito complicado no Brasil, que foge à esfera econômica, mas que faz com que o número de idosos cresça muito. A última projeção oficial (da taxa) de crescimento de idoso, em comparação com 1987, é de 679% até 2050.
Mas isso não é um problema exclusivo do Brasil, não é?
Não é, mas está aparecendo com muita força no Brasil, muito mais força do que na maioria dos países. E o nosso regime é um regime de repartição simples, que é o mais comum. De um lado, ele cuida dos que têm mais de 65 anos e, do outro, cobra contribuições daqueles que são chamados população em idade ativa, os mais jovens. Enquanto os idosos passaram a crescer de 62% para 264% e depois pularam para 678%, a população que dá os recursos saiu de 34% para 76% e depois caiu para 65%.
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Como resolver isso?
Temos de fazer um ataque em larga escala ao problema. Porque o dinheiro para investir, se não é privado, tem de ser público. E o público não vai parar de gastar no buraco da Previdência. Então, temos de ajustar a Previdência. Não tem outro jeito.
Continuando nesse ritmo, em quanto tempo a coisa estoura sem retorno?
Olha, se somar gasto em Previdência e assistência, em relação ao gasto total da União, a gente pode ter saído em pouco tempo da ordem de 40% a 50% do total do gasto e estar caminhando para 80%. Esse é o tamanho desse drama. Ou seja, do jeito que nós estamos caminhando, o gasto da União vai virar Previdência, assistência e fraude, três coisas. E isso vai passar de 50% do total, e é óbvio que vai mexer com todo tipo de pagamento. (Nesse caso) O Brasil vai enveredar por um caminho que as pessoas hoje não percebem, não têm quase nenhuma ideia de o que é esse Brasil atolado no meio de gastos. Esse é um Brasil que vai ficar bem pequenininho comparado com o que ele já foi.