Acampamentos e protestos deram vazão a uma nova onda de indignação nos Estados Unidos, nascida nas ruas vizinhas à Bolsa de Valores de Nova York e já espalhada em 16 grandes cidades. Desta vez, as guerras em curso no Afeganistão e no Iraque não são os alvos das manifestações, como nos anos 70 foi o conflito no Vietnã. Os novos indignados atiram contra os dois pilares da América - a economia de mercado e a democracia representativa - e defendem uma revolução pacífica do sistema americano.O movimento "Occupy Wall Street" destampou uma espécie de "panela de pressão" ao manter um protesto permanente no Parque Zucotti, bem no centro financeiro de Nova York, desde meados de setembro. A inspiração surgiu dos protestos em favor da democracia no mundo árabe e dos acampamentos contra o ajuste fiscal em capitais europeias. A iniciativa acabou copiada em cidades como Boston, San Francisco e Las Vegas e, de forma mais tímida, em protestos em Washington.Mais de 200 municípios se preparam para seguir essa linha de expressão, segundo Rachel LaForest, líder do Right of City Alliance, uma das organizações de apoio ao Occupy Wall Street. Uma vez alastrado, o movimento desencadeará uma espécie de "ocupação" dos EUA por indignados bastante diferentes dos republicanos de extrema direita agrupados no Tea Party, presos ao ideário do Estado mínimo e da baixa tributação.O principal lema do Occupy Wall Street e de suas filiais nos EUA é: "Nós somos os 99% que não vão mais tolerar a ganância e a corrupção de 1%" da população. Essa expressão envolve a proposta de eliminar o sistema representativo da democracia, criado e acalentado pelos EUA há 224 anos. Em seu lugar viria uma "rede de democracia direta e participativa", nas quais as decisões seriam tomadas por assembleias populares, responsáveis também por ditar as regras do sistema econômico. As instituições políticas basilares perderiam suas funções.Sem líder. Assim como na Praça Sintagma, em Atenas, os acampamentos da Praça Zucotti ou da Praça Dewey, em Boston, não têm líderes nem hierarquia. Porém, entidades já calejadas, como sindicatos e organizações não governamentais, tentam de alguma forma influenciar os protestos. Rachel LaForest comentou ao Estado a iniciativa de sua organização em defesa dos direitos dos negros de "contribuir com sua experiência a esse movimento tipicamente de estudantes brancos da classe média". No dia a dia da Praça Zucotti, os manifestantes montam suas tendas como bem entendem e trabalham em diferentes grupos - jurídico, alimentação, limpeza, imprensa, biblioteca, palestras, teatro, música e outros. Também participam, se quiserem, das assembleias diárias para discutir qualquer questão a ser levantada por qualquer um. Esse esquema não se difere em nada do da Praça Sintagma, na Grécia.O clima está envolvido pela nostalgia do Festival de Woodstock e por princípios emprestados dos ideólogos anarquistas. Ali estão universitários sem perspectiva de emprego nem de condição de pagar suas bolsas de estudo, desempregados, aposentados e até mesmo pessoas com emprego fixo, mas indignadas com o quadro político e econômico do país. Celeste Balducci, de 56 anos, não está acampada na Praça Zucotti. Mas provê livros para a biblioteca improvisada e traz escritores para palestras aos manifestantes. Consultora na área publicitária, ela perdeu o emprego há um ano e, diante da impossibilidade de conseguir uma nova colocação, passou a trabalhar por conta própria. "Os jovens que estão ali são idealistas. Mas, eles querem trabalhar, pagar a dívida com suas universidades e ver os bancos voltarem a emprestar dinheiro", disse.Formado em Saúde Pública em maio pela New York University, o carioca Alexandre Carvalho, de 28 anos, tornou-se um dos coordenadores do Occupy Wall Street na Praça Zucotti. Embora esteja legalmente nos EUA há mais de três anos, não encontra emprego. "Isso aqui é uma panela efervescente de grupos que, em solidariedade, terão muito poder. Individualmente, grupos em defesa dos direitos humanos, dos direitos das mulheres, dos direitos de gays e lésbicas não teriam tanto poder."
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