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Reajustes salariais voltam a repor perdas com inflação

Movimento reflete uma melhora do mercado de trabalho, porém ainda deixa de fora 43% das negociações salariais e está mais concentrado na indústria e no comércio do que no setor de serviços

Por Érika Motoda

Ainda que discretamente, uma parte dos trabalhadores está conseguindo repor as perdas com a inflação do último ano no Brasil nas negociações salariais em 2022. Nos primeiros seis meses deste ano, 56,6% das negociações salariais ficaram em linha ou acima da inflação, de acordo com levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que compilou informações sobre 6,7 mil negociações em todo o País registradas no Ministério do Trabalho até junho.

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O resultado indica uma mudança em relação ao mesmo período do ano passado, quando 52% das negociações salariais ficaram abaixo da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).

O mês de junho é o que mais se descolou da tendência que vinha sendo observada ao longo do ano. No último mês do semestre, o número de negociações que resultaram em reajuste acima da inflação ficou em 96 das 261 negociações concluídas, enquanto 69 ficaram abaixo do INPC. O que se vê geralmente é o oposto.

O técnico responsável pelo Sistemas de Acompanhamento de Informações Sindicais do Dieese, Luis Ribeiro, explica que há negociações atrasadas e ainda é cedo para afirmar que o mês foi o ponto de partida para a virada de jogo para um cenário mais positivo.

Nos primeiros seis meses deste ano, 56,6% das negociações salariais ficaram em linha ou acima da inflação, de acordo com levantamento do Dieese Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“Desde pelo menos 2018, percebemos uma piora gradual (dos reajustes). O que vimos em 2022 é que há certa estabilização em um patamar alto de categorias que não conseguem reajuste igual ao INPC”, disse. “A data-base de junho foi muito diferente do que observamos antes. Ela chama a atenção porque está descolada dos meses anteriores.”

A hipótese de Ribeiro para esse ponto fora da curva é a desigualdade regional e setorial: em junho há mais negociações da região Sul e também do comércio e indústria, que apresentam resultados mais positivos.

O economista e professor da FGV-SP Renan Pieri afirma que o fato de mais trabalhadores estarem conseguindo reajustar seus salários pela inflação também está relacionado ao fato de haver um estoque menor de desempregados no País.

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“O mercado de trabalho para 2022 é mais positivo do que em 2021. Isso se deve primordialmente ao pico de casos de covid-19 observado no primeiro trimestre do ano passado. Naquela época, várias cidades ainda estavam com restrição de pessoas e de funcionamento de comércio, o que implicava uma redução significativa dos postos de trabalho.”

Mesmo assim, uma parte considerável dos reajustes ainda ficam abaixo do INPC, cujo valor acumulado nos últimos 12 meses é de 11,92%. “Esses 43,4% (de reajustes abaixo da inflação) são o retrato da tremenda precariedade do mercado de trabalho, e o ato de não se fazer o reajuste à luz do INPC, IPCA e IGP-M é uma demonstração da fragilidade que existe nos contratos e nas negociações”, afirmou Istvan Kasznar, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV.

Além disso, o movimento não é disseminado em todos os segmentos da economia. Proporcionalmente, o setor que mais conseguiu reajustar acima do INPC neste ano foi a indústria, com 26,8%. O comércio repôs a inflação para mais da metade das negociações.

Já nos serviços, 50,9% dos salários ficaram abaixo da inflação. Historicamente, o setor apresenta os piores índices por ser uma área com vínculos trabalhistas mais precários e pouca organização sindical. No ano passado, o percentual de reajuste abaixo da inflação era de 65,30%.

Reajuste mais alto foi de 31%

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Até agora, o reajuste mais robusto foi de 31,14% (variação real de 16,60%), a serem aplicados nos pagamentos de trabalhadores em Entidades Recreativas Assistenciais de Lazer e Desporto do Distrito Federal.

Em segundo lugar, vem o reajuste de 22,28% (variação real de 9,28%) obtido pelo Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa, Ciência e Tecnologia de São Paulo para os funcionários da Fundação de Apoio ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (FIPT), uma organização sem fins lucrativos constituída para contribuir com as atividades do IPT.

“É um caso bem particular. A Fundação de Apoio ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas tem contratado gente para suprir a carência de mão de obra no IPT para executar os projetos do próprio instituto. Os salários da fundação são mais baixos que os do instituto, mas eles trabalham nos mesmos projetos. Isso gera uma distorção. Então, a gente conseguiu com que a diretoria da fundação entendesse o conflito e tentasse remediá-lo por meio do aumento real dos salários dos contratados pela fundação”, explicou a secretária-geral do sindicato, Priscila Leal.

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Até o primeiro semestre de 2021, 4,9 mil negociações haviam sido concluídas, ou seja, 1,8 mil negociações a menos que neste ano. Sobre essa diferença, Ribeiro, do Dieese, afirma que vários indicadores estão mostrando que talvez haja uma certa melhora da economia. “Mas uma comparação entre este ano com o ano passado é sobre uma base depreciada. (O resultado deste ano) Vai ser mais positivo agora porque estamos saindo da pandemia, mas ainda é muito insuficiente, tanto pela crise sanitária como pela política econômica adotada nos últimos anos.”

O período de calamidade pública provocado pela pandemia gerou, entre outros, a lei 173/2020, que proibia o reajuste de servidores públicos até 31 de dezembro de 2021, o que fez com que os funcionários de Limeira, em São Paulo, ficasse com os salários congelados desde 2019.

“Quando a lei chegou ao fim, apresentamos as reivindicações da categoria em diversas mesas de negociação. Após muita mobilização e de uma greve com cerca de 2 mil servidores em frente à Prefeitura de Limeira, chegamos ao acordo coletivo que além do reajuste salarial de 21% para os 6,9 mil servidores, também reajustou o vale-alimentação em 42% para os servidores contemplados pelo benefício”, disse o Sindicatos dos Servidores Públicos Municipais de Limeira (Sindsel). “Ressaltamos ainda que, carreiras como a do magistério e dos agentes comunitários de saúde tiveram reajustes acima de 21% devido aos pisos nacionais aprovados.”

Diversas categorias do funcionalismo público federal fizeram greve pedindo a recomposição salarial, lembrou Istvan Kasznar, da FGV. “O arrocho salarial do servidor público federal se tornou assunto referencial para demonstrar também que o sacrifício não acontece só no setor privado. A estabilidade empregatícia do setor público, porém, criou uma grande âncora favorável aos servidores. A preservação do emprego, mesmo que criando uma renda cadente perante a inflação, é mais importante que a destruição de renda.”

“Se olharmos para o emprego, a foto é positiva. Se olharmos para renda, parece que pioramos”, disse Pieri, da FGV, lembrando que a inflação alta está diminuindo o poder de compra da população. Ribeiro, do Dieese, concorda. “Estão tentando agora recompor um salário que recebiam há 12 meses. Se levarmos em conta que a inflação continua alta, ou seja, que nos próximos 12 meses não terão reajuste (até a próxima data-base) o valor vai ser corroído rapidamente.”

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