Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo Dilma Rousseff, o economista do Ipea, Manoel Pires, avalia que a reforma da Previdência precisa ser aprovada o quanto antes para diminuir o seu impacto na população. Pires trabalhou na coordenação da proposta de reforma que foi desenhada pela equipe do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, mas que não chegou a ser encaminhada pelo governo do PT.
Segundo ele, que é também pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), vários dos itens propostos na época são os mesmos que estão sendo discutidos agora na proposta, como a idade mínima para aposentadoria. Na sua avaliação, é importante que a oposição apresente uma alternativa viável para a reforma. "Até porque vamos passar uma eleição em 2018 em que essas questões estarão presentes. Como a oposição pode depois defender a necessidade de fazer a reforma como aconteceu em outras situações?", argumenta.
Para ele, do ponto de vista fiscal, o relatório do deputado Arthur Oliveira Maia (PPS-BA) piorou a proposta. Mas, do ponto de vista do sistema de seguridade social, melhorou. Veja os principais trechos da entrevista dada ao Broadcast, serviço de informação em tempo real da Agência Estado.
Como o senhor avalia a proposta da reforma?
Ela tem os grandes pontos que o debate de Previdência sempre levantou. É importante ter uma idade mínima. A experiência internacional mostra isso. É importante alinhar os incentivos para estimular a contribuição, o que de certa forma o governo faz quando institui a Previdência para o rural e tem uma separação entre assistência e Previdência. O gasto com a Previdência é o maior do governo e isso decorre da defasagem de regras. O quanto antes fizermos isso mais suave essa reforma vai poder ser, e menor o impacto na população.
O relator mudou bastante regra de transição.
A regra de transição que o governo propôs merecia um ajuste pelo fato de uma pessoa de 50 anos estar dentro da regra e outra, de 49 anos e 11 meses, não. Isso gera uma descontinuidade muito grande para uma faixa da população. Teria duas formas de fazer isso. Ou criando um piso de uma idade mínima inicial aumentando gradativamente ou colocando um pedágio progressivo.
A opção do relator foi pela idade mínima na transição.
Ela tem uma vantagem que, no curto prazo, tem um efeito fiscal maior. Por quê? Na proposta do governo, uma pessoa que estava muito próxima da aposentadoria, o pedágio que era exigido da pessoa era muito pouco. Ela poderia se aposentar muito cedo. Quando coloca uma idade mínima inicial, essa pessoa que se aposentaria muito jovem no sistema antigo terá que se aposentar um pouco mais tarde. Sob essa perspectiva ficou mais equilibrada.
O que pode melhorar?
A regra de transição está um pouco confusa, porque combinou a idade mínima com o pedágio. Precisa ser melhor esclarecida. O problema dela é que parou no meio, porque não se chega na idade mínima de 65 anos. Para em 62 anos para a mulher.
A convergência de idade mínima entre mulheres e homens é importante?
Tem uma discussão técnica e política. Na técnica, a estrutura familiar está mudando muito rápido. A estrutura familiar já não é necessariamente esposa, marido e filhos. Há uma divisão mais equânime, os casais se divorciam e as pessoas dividem as tarefas. Não é claro que esse tipo de diferença seja compensado pela Previdência Social. Para daqui a 15 anos e 20 anos faz sentido que haja convergência.
Essa convergência da idade mínima já deveria estar na PEC?
Era importante. Até pelo próprio empoderamento do movimento feminista a concepção é buscar igualdade de tratamento. Tem que buscar igualdade.
Onde a reforma erra?
A transição melhorou. Uma preocupação que eu tinha era com o fato de ter ficado muito apertada a regra do BPC (Benefício de Prestação Continuada). E isso o relatório corrigiu. Diminuiu o tempo de contribuição para quem era rural, que em tese tem uma densidade contributiva menor, e aumentou a idade. Isso ficou adequado. Seria importante diminuir a diferença entre rural e urbano, que ficou grande ainda. No caso de homens, a diferença ficou em cinco anos. A idade do homem rural não aumentou. Ficou em 60 anos. Tem que diminuir essa diferença. Teria que caminhar na direção de 65 anos. A vida do campo é muito diferente hoje da dos anos 80, quando o sistema que temos hoje foi pensado. Do ponto de vista fiscal piorou. Mas, do ponto de vista do sistema de seguridade social, melhorou.
Por que?
O que o relatório fez foi manter mais ou menos o ganho econômico de curto prazo da reforma que foi proposta pelo governo originalmente, mas o ganho de longo prazo, para além de 10 anos, se perdeu bastante.
Onde perdeu?
Primeiro porque não se chegou na idade mínima que se pretendia. E segundo porque perdeu a possibilidade de ajustar a reforma pela expectativa de vida. Ficou para uma lei para frente. Perdeu o efeito de 30 anos, 40 anos da reforma. Na proposta do governo depois que se aprovasse 65 anos de idade mínima, não precisaria mais fazer reforma porque haveria um gatilho. À medida que a demografia evoluísse, poderia ir aumentando administrativamente a idade. Perdeu-se os componentes da reforma que geravam impacto favorável no longo prazo.
Será necessário outra reforma logo?
Na minha conta, o gasto previdenciário fica estável em porcentual do PIB nos próximos 10 anos com esse relatório. Em torno de 8% do PIB.
O que pode melhorar?
Não mudar a idade mínima da previdência social não é bom. O ideal é reduzir as diferenças de sistemas. Seria importante reduzir a diferença entre aposentadoria rural e urbano. Poderia aumentar a idade do rural para 62 anos e 63 anos e ficou em 60 anos. Não ter nenhum ganho é uma perda da proposta.
O sr. trabalhou na proposta que estava sendo feita pela equipe de Dilma. Quais as diferenças?
O trabalho que fizemos na Fazenda levantou uma série de possibilidades de reforma. Vários dos itens que foram encaminhados pelo governo atual tinham sido levantados na época. A idade mínima de 65 para homens e mulheres, ajuste pelo gatilho. Todos os itens estavam na mesa. O governo Dilma levantou essas propostas e avaliou o impacto fiscal e econômico delas, mas não chegou a fechar uma proposta porque abriu a discussão do fórum (da Previdência). A tarefa que seguiria depois era juntar as contribuições do fórum com o trabalho técnico. Mas logo depois teve o impeachment.
Por que a esquerda é resistente a fazer essa reforma?
A reforma é difícil em qualquer país que foi tentada. No caso do Brasil, um complicador adicional é que, como o nosso sistema está muito defasado, a tentativa de igualá-lo torna a reforma mais pesada e dura do que em outros países. Ao mesmo tempo em que é difícil fazer avanços muitos grandes, são os avanços grandes que a gente precisa. Tem aí um conflito. Tradicionalmente os movimentos de esquerda têm muito mais preocupação com a questão da igualdade do que os de direita. É tradicional que os movimentos tenham dificuldade em lidar com esse tipo de agenda. O que eu acho que é preciso ter segurança com o trabalho técnico e explicar o porque das coisas.
A oposição e integrantes da base insistem que o Brasil não precisa de reforma e optam pela alternativa de cobrança das dívidas.
Temos uma tendência de misturar as coisas. O que a reforma tenta atacar é o problema da pressão da demografia. Esse é um problema de aumentar o gasto. Existem outras discussões que são relevantes e que podem ser tratadas juntas ou separadas. Não são concorrentes, como as renúncias tributárias.
A reforma é necessária?
Sem dúvida. Do ponto de vista fiscal é a reforma mais importante que temos a fazer.
Há condições políticas para aprová-la?
É importante aprovar. Sem ela, fica difícil enxergar outras alternativas. É um pontapé importante para reestruturar as finanças públicas brasileiras. Até mesmo porque estamos vendo a situação dos Estados, que é dramática. No Rio, tem situação em que há quatro policiais inativos para um na ativa. Isso é insustentável. Então, tem que reformar. É importante construir o convencimento político para que possa ser aprovada. Ainda vamos ter que enfrentar várias agendas.
O que acontece se a reforma não for aprovada?
O governo terá que oferecer outras soluções para essa discussão, se for não aprovada ou for aprovada de forma muito diluída. O governo vai ter que ter um plano B. Mas a grande pergunta que vai aparecer é qual é o plano B. Com um agravante que é que haverá dúvida da capacidade de o governo aprovar qualquer que seja o plano B.
Por que a esquerda não quer negociar reforma?
Tem várias formas de fazer oposição. Pode fazer uma oposição que se nega a discutir determinado assunto, mas pode ter oposição que apresente alternativas. Como a reforma é muito importante, é necessário que quem está do lado de lá apresente uma alternativa viável. Até porque vamos passar por uma eleição em 2018 em que essas questões estarão presentes. Como a oposição pode depois defender a necessidade de fazer a reforma da Previdência como aconteceu em outras situação? Vão ter que apresentar outras soluções para o País.