(*) Com Tom Morooka
O mercado financeiro doméstico tentou pegar carona no sentimento de certo otimismo que passa a permear gradativamente os mercados globais, movido pelo sentimento aparente de que o pior da crise na área sanitária está passando, e a atividade retomada aos poucos, escorada em ações de bancos centrais e governo para suavizar os efeitos do coronavírus.
Por trás dessa expectativa, em princípio, mais otimista dos mercados internacionais estão os sinais de desaceleração do número de novos casos da pandemia em alguns importantes países da Europa, a despeito da divulgação recente de dados econômicos negativos.
A Bolsa de Valores de São Paulo, a B3, ensaiou recuperação, seguindo sinais positivos do exterior, e sustentou dois pregões seguidos de alta, mas não escapou de reversão da trajetória, na semana que passou, embora tenha reagido na sexta-feira. O dólar, alheio à mudança de humor, colecionou quatro dias de valorização, mas recuou na sexta.
Para os que avaliam o cenário externo associado ao coronavírus menos dramático, analistas alertam que o quadro doméstico de crescente tensão política, sobretudo pelo acirramento do embate entre presidente Bolsonaro e Congresso, não pode ser ignorado como fonte de preocupação que pode influenciar cada vez mais o humor dos mercados.
Não bastasse a crise do coronavírus que atrai todas as preocupações por aqui, já que a doença está em curso, ainda sem sinais de ter alcançado o pico, tendo pela frente uma rede hospitalar que ameaça entrar em colapso.
A questão de saúde, por si só um desafio tanto, é um fator que agrava o risco político, à medida que se desenrola em um ambiente de claro desentendimento em torno de uma linha comum de ação para o combate à pandemia. O ruído político cresce também entre o governo federal e boa parte dos governadores e o Judiciário.
No entanto, é o embate travado entre o governo e o Congresso, agravado pelo episódio da demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e os acontecimentos deste fim de semana que mais devem provocar turbulências no mercado financeiro. No domingo, o presidente Jair Bolsonaro discursou em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, a militantes que pediam o fechamento do Congresso e a volta do Ato Institucional nº 5, o AI-5. A temperatura deve subir ainda mais entre os dois poderes.
Os desentendimentos entre o presidente e o Congresso, por onde passam as principais propostas de estímulo à economia contra a crise, fazem aumentar, de acordo com os analistas do mercado financeiro, o risco de que algumas medidas fiscais que deveriam durar emergencialmente enquanto durasse a pandemia sejam estendidas por mais tempo ou se perpetuem como gasto público.
O risco, que aumentou nesse ambiente político cada vez mais conturbado, é também que eventual duração dessas medidas além do tempo previsto acabe "comprometendo de forma mais relevante (e preocupante) a sustentabilidade das contas públicas no médio e longo prazo, o que traria efeitos bastante deletérios para a economia, conforme ensina a lição da crise de 2008", afirma, em relatório, José Pena, economista-chefe da Porto Seguro Investimentos.
Na época, o governo do presidente Lula adotou várias medidas de estímulo para enfrentar os efeitos da crise financeira internacional que deram suporte a um crescimento da economia acima de 7% em 2010. O efeito imediato foi positivo, mas mantidas, e até reforçadas nos anos seguintes, as medidas de incentivo à economia levou à crise das contas públicas que desembocou na severa recessão entre 2014 e 2015.
O que o mercado teme é que uma repetição da política econômica emergencial de 2008 gere um rombo descomunal das contas públicas, que sairia do caminho da busca de ajuste apontado pela reforma da Previdência Social, que seria consolidado pelas reformas tributária e administrativa, cujas propostas, atropeladas pela crise, estão empacadas no Congresso.
É com esse horizonte, em que as preocupações vão muito além do fim da pandemia e da possível retomada da atividade econômica, que antes deve passar ainda pela recomposição das cadeias produtivas, que o mercado financeiro vai tocando os negócios do dia a dia. Sem condições, em meio a esse cipoal de incertezas e dependendo de tantas variáveis, de acenar com uma tendência mais clara no curto e médio prazo.
Perspectivas
Diante desse quadro nebuloso, sobretudo do cenário político-econômico doméstico, especialistas indicam a compra de ações, ainda em baixa, apenas para quem tem visão de investimento de longo prazo, de olho em retorno em período de tempo maior.
Por enquanto, a expectativa de analistas é que a volatilidade continue dando o tom aos negócios no mercado de ações, movimentado basicamente por grandes investidores com operações rápidas de compra e venda de ações de grande liquidez, as mais facilmente negociáveis.
O Ibovespa fechou sexta-feira em 78.990 pontos. O dólar comercial sustentou quatro valorizações na semana, antes de recuar na sexta-feira, cotado por R$ 5,24. Apesar da queda de 0,39% no último dia da semana, acumulou valorização de 2,85% no período.