Na maioria das crises econômicas dos últimos 30 anos, de origem tanto interna quanto externa, o País mostrava sempre três fragilidades fundamentais: descontrole fiscal, dívida externa bem maior que as reservas internacionais e câmbio fixo. Na atual crise externa, a situação é bem diferente. O Brasil possui bases sólidas, como relação dívida pública/PIB decrescente, reservas internacionais altamente positivas e câmbio flutuante, sem falar em inflação controlada. Mesmo assim, o real perdeu em meses a apreciação de três anos. Como explicar? Entre 2003 e setembro de 2008, em razão do excesso de influxo cambial, a política declarada e implementada pelo Banco Central (BC) era adquirir os dólares e evitar volatilidade excessiva da moeda. No período recente, mais especificamente entre julho e novembro deste ano, a moeda americana se valorizou 14,6% em relação a uma cesta de moedas, e se apreciou 47% diante do real e cerca de 25% ante uma cesta de moedas de países que dependem expressivamente de commodities, como Rússia, Chile e África do Sul. Uma interpretação para essa diferença de comportamento do real e de outras moedas em relação ao dólar diz respeito à atuação do BC no mercado de câmbio. Se ela fosse mais rápida e agressiva, a depreciação do real poderia ter sido menor. São pelo menos quatro as hipóteses levantadas por analistas para entender por que o Banco Central permitiu tamanha volatilidade e conseqüente depreciação da moeda, mesmo com reservas internacionais de US$ 200 bilhões e uma linha de US$ 30 bilhões em swaps disponibilizada pelo Federal Reserve, a saber: 1) O Banco Central não queria perder reservas; 2) o câmbio é flutuante, ou seja, que paguem caro os que estão saindo; 3) o BC foi surpreendido com o tamanho das operações de derivativos (subprime cambial); e 4) o regime é de metas de inflação e o instrumento de controle é a política monetária, ademais, a depreciação do real está sendo compensada pela queda de commodities e retração de consumo. Com relação à primeira hipótese, a oferta líquida de câmbio até o momento não ultrapassa US$ 12 bilhões. As demais linhas oferecidas pelo BC, como swaps cambiais e Adiantamentos sobre Contrato de Câmbio, não se traduzem em perdas de reservas. Isso significa que o BC poderia ter usado mais expressivamente as reservas, sem correr o risco de reduzi-las significativamente. Ao não ter atuado de forma mais enfática, a autoridade monetária nega o objetivo de blindagem contra a crise externa, que justificou a aquisição dos dólares e o conseqüente esforço fiscal. Sobre a segunda hipótese, é preciso deixar claro que não só os que saem do País sofrem com a volatilidade expressiva da moeda e sua conseqüente depreciação, mas também os que ficam. Enquanto o setor público se beneficiou com a desvalorização cambial, dado seu colchão de reservas cambiais (a relação dívida pública/PIB já mostra queda de 2 pontos porcentuais), o setor privado amarga pesados prejuízos, uma vez que sua dívida de US$ 206 bilhões aumentou na mesma proporção da desvalorização em moeda local. Como diria o saudoso Mario Henrique Simonsen: "Inflação aleija, mas câmbio mata." Com relação à terceira hipótese, de fato, há uma grande chance de que o BC tenha sido surpreendido pelas operações de derivativos de câmbio feitas por várias empresas brasileiras. A autoridade monetária consegue acompanhar as operações realizadas no mercado local e, portanto, elas têm registro na própria instituição. Mas existem operações feitas diretamente entre os agentes, conhecidas como operações "de gaveta", ou no mercado externo. Sobre essas, o BC não tem controle. É fato que alguns reflexos, mesmo destas operações que não têm registro aqui, podiam ser observados no mercado local, como por exemplo pelos números de contratos em aberto na BM&F e Cetip. No início de 2008, a média móvel de 20 dias desses contratos somava US$ 180 bilhões e, em maio, essa média estava 50% maior (US$ 270 bilhões). Em parte, pode-se atribuir o aumento de demanda por hedge ao influxo de dólares observado no primeiro semestre, mas não só. Sem dúvida as operações denominadas subprime cambial contribuíram para esse aumento muito acima do esperado. Mas o ponto é que o BC, por não ter a dimensão total dessas operações, só atuou sobre o montante que conhecia e, assim, respondeu com colocação de cerca de US$ 35 bilhões em swaps cambiais. Se tivesse conhecimento de todo o montante dessas operações, a intervenção teria de ter sido bem mais substancial. Finalmente, a quarta hipótese é de que a depreciação do câmbio atualmente não é tão prejudicial para a inflação como era no passado, pois vem acompanhada de expressiva queda nos preços das commodities. Isso justificaria uma atuação menos enfática do BC no câmbio. De fato, os preços de commodities têm recuado expressivamente, ajudando a jogar os níveis de inflação contemporânea para baixo no mundo todo. O ponto é que, apesar da ajuda dada pela queda de preços de commodities, há um risco significativo de a desvalorização cambial ser repassada aos preços finais, num cenário de maior normalidade. Não se sabe qual seria esse nível de repasse, mas o ponto é que só este risco já seria suficiente para justificar uma atuação mais agressiva do BC, com o intuito de controlar a volatilidade e, conseqüentemente, a depreciação excessiva. De fato, recentemente o BC mudou sua forma de atuação e vem conseguindo reduzir a volatilidade da moeda, mas a explicação para sua retardatária atuação não é satisfatória. A pergunta que continua sem resposta é: por que o BC não fez isso antes, para evitar maiores estragos, especialmente na economia real? Afinal, as reservas são um instrumento de estabilização. *Nathan Blanche é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada Excepcionalmente, Marcelo de Paiva Abreu não escreve seu artigo hoje