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Economista, doutor pela Universidade Harvard e professor da PUC-Rio, Rogério Werneck escreve quinzenalmente

Opinião | Lula deixou passar o que talvez tenha sido sua última oportunidade de se deslocar para o centro

Em busca da popularidade perdida, governo sabota o esforço de combate à inflação, recorrendo a amplo leque de medidas capazes de estimular a demanda agregada e impedir a desaceleração da economia

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Foto do author Rogério Werneck

Na situação difícil em que está metido, com queda alarmante de popularidade, perda de credibilidade de sua política econômica e relações emperradas com um Congresso amplamente dominado por partidos de centro-direita, o presidente Lula deixou passar o que talvez tenha sido sua última oportunidade de se deslocar para o centro do espectro político. Não teve melhor ideia do que se mover claramente para a esquerda.

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A nomeação de ninguém menos que Gleisi Hoffmann para o cargo de secretária de Relações Institucionais da Presidência da República não deixa margem a dúvidas quanto a isso. A deputada jamais escondeu sua resistência à política fiscal do governo, que chegou a classificar de “austericídio”. Caso sua nomeação tenha o significado que se teme, o governo se tornará ainda mais inconsequente do que já vem sendo. E deixará como legado um aumento da dívida como proporção do PIB ainda mais colossal do que já está fadado a deixar.

Mas não é só o agravamento do quadro fiscal que está em jogo. Na entrevista coletiva que concedeu em 30 de janeiro, o presidente Lula deixou claro que o governo já não tinha mais qualquer intenção de anunciar novas medidas de ajuste fiscal. O plano de jogo era “empurrar com a barriga” a precariedade do quadro fiscal até as eleições de outubro de 2026.

Duas semanas depois, contudo, o governo deu-se conta da extensão do desabamento da sua popularidade, e decidiu que era preciso bem mais do que só “empurrar com a barriga”. O nome do jogo passou a ser tentar restaurar a qualquer custo a popularidade perdida, recorrendo a amplo leque de medidas capazes de estimular a demanda agregada e impedir a desaceleração da economia, na contramão dos esforços de contenção do nível de atividade que vêm sendo feitos pelo Banco Central.

Gleisi Hoffmann, indicada para secretária de Relações Institucionais da Presidência, jamais escondeu sua resistência à política fiscal do governo, que chegou a classificar de “austericídio” Foto: Wilton Junior/Estadão

Com isso, o mais provável é que a economia continue aprisionada numa armadilha de taxas reais de juros absurdamente altas até o fim do atual mandato presidencial. E que, nas eleições de outubro do ano que vem, a taxa de inflação ainda esteja muito mais elevada do que o governo gostaria. São riscos que, por ora, em meio à inconsequência de suas aflições eleitorais, o Planalto não reluta em bancar.

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Mas, para o País, há um risco ainda mais grave a ter em conta. O risco de que, sob assédio desesperado do Planalto, o Banco Central afinal entregue os pontos em 2026, e, sem que a inflação tenha cedido, se disponha a apressar o relaxamento da política monetária. Uma reprise do que se viu no governo de Dilma Rousseff. Chegarão a tanto?

Opinião por Rogério Werneck

Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do departamento de Economia da PUC-Rio

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