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Saúde pede mais diálogo e integração

Há unanimidade no diagnóstico de que integração é o caminho para que o sistema no País seja socialmente justo e financeiramente viável

Foto do author Fabiana Cambricoli

Para enfrentar o desafio de garantir acesso de todos os brasileiros a tratamentos inovadores no SUS, sem estourar os gastos previstos no orçamento, o governo federal não terá outra escolha a não ser dialogar com todos os atores envolvidos no processo, como médicos e indústria farmacêutica, e encontrar um caminho socialmente justo e financeiramente viável. A necessidade de coordenação entre diversos setores da saúde foi um dos principais pontos debatidos no Fórum Estadão Saúde, realizado na terça-feira, no Hotel Grand Hyatt, em São Paulo, com a presença de representantes do governo, entidades médicas, organizações de pacientes e academia.

Carlos Barrios, Claiton Brenol, Jarbas Barbosa, jornalista Iuri Pitta (mediador), Luciana Holtz, Max Mano e Denizar Vianna durante o Fórum Foto: Felipe Rau/Estadão

O evento teve como foco discutir as dificuldades de acesso de pacientes da rede pública a tratamentos e medicamentos de ponta, muitas vezes já cobertos pelos planos de saúde, mas não incorporados à lista do SUS. De acordo com os especialistas, a situação mais grave se dá na área de oncologia. No evento, eles afirmaram que a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (Conitec) deixou de incorporar, nos últimos anos, por causa do custo alto, vários medicamentos quimioterápicos com eficácia comprovada. "As decisões da Conitec hoje não têm tido critérios coerentes nem o respaldo da classe médica. O resultado disso é uma lista do SUS defasada", disse Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia, ONG que trabalha com pacientes com câncer, e uma das palestrantes do fórum. Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa admitiu que não é fácil a tarefa de avaliar o que será oferecido na rede pública, mas afirmou que é impossível fazer essa análise sem considerar uma série de critérios, inclusive os econômicos. "Temos um desafio tremendo de acompanhar as inovações e descobertas e garantir que elas tenham um espaço mais rápido de avaliação, com segurança", disse Barbosa. "Mas não há sistema universal de saúde no mundo que faça incorporação de tecnologias de maneira livre. Temos de levar em conta um conjunto de decisões e não só o caso de um paciente. O objetivo da Conitec não é colocar uma barreira, é dar racionalidade ao processo." Diante da dificuldade do governo de, com recursos insuficientes, cumprir a Constituição e dar tratamento a todos que necessitam, a maioria dos palestrantes do fórum concordou que não basta procurar culpados e fazer críticas, é preciso buscar soluções de forma conjunta. "Todos os players que participam dessa complexa equação estão se acusando em vez de fazer uma discussão ampla e transparente. O número de pacientes com câncer deverá tomar proporções epidêmicas nos próximos anos e a melhora dos resultados terapêuticos com novas drogas vai acrescentar pressão a esse sistema. Esse diálogo, portanto, é urgente, sob o risco de perdermos muitas vidas", defendeu Carlos Barrios, oncologista do Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre. O especialista afirmou que o governo deveria se mobilizar para costurar um acordo em busca de soluções e ressaltou a necessidade de negociar com a indústria os valores das novas tecnologias. "É impensável achar que vamos lidar com esse problema com os preços que estão sendo praticados. A coisa mais importante agora é ter um objetivo alinhado. Se chegarmos a esse objetivo será mais fácil sentarmos todos juntos, desarmados, para discutir valores", disse o oncologista. Convidada do fórum, a ministra interina da Saúde, Ana Paula Menezes, afirmou que a pressão por mais recursos é crescente e concordou que o governo não é capaz de buscar soluções sozinho. "Esse desafio de garantir universalidade com equidade diz respeito a todos nós, do setor público e do privado. A nossa abordagem tem de ser olhar para a necessidade coletiva", disse.Judicialização. A ministra citou o grande número de ações judiciais movidas contra o SUS como uma prova dessa pressão crescente por ampliação do acesso a tratamentos mais modernos. De acordo com Ana Paula, o gasto do ministério com o cumprimento de decisões judiciais deve chegar a R$ 1 bilhão neste ano. A chamada judicialização da saúde também é motivo de preocupação para o secretário estadual da Saúde de São Paulo, David Uip. Ele citou o caso de medicamentos inovadores para a hepatite C que começarão a ser oferecidos pelo SUS neste ano. "O problema é que o ministério vai comprar doses para 15 mil pacientes e, só no Estado de São Paulo, devemos ter 200 mil pacientes com a doença. O que vai acontecer com isso? Vou ser judicializado por aqueles que não receberem o remédio", disse ele, que defende uma mudança na Constituição que defina prioridades no sistema público de saúde. "Sou a favor das incorporações da Conitec, mas falta discutir quem vai pagar essa conta. Não adianta apenas garantir a tecnologia se não tivermos o recurso. Estamos no meio de uma crise nacional. Os municípios estão tendo de assumir o subfinanciamento da saúde hoje. Eles são obrigados por lei a colocar 15% da sua receita na saúde, mas tem alguns que estão investindo mais de 30%. Se não sentarmos e conversarmos em cima de um pacto federativo, tirar os partidarismos, teremos dificuldades muito sérias", disse. Para Denizar Vianna, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) especializado em economia da saúde, o governo terá de seguir o que fizeram outros países e definir um limite de custo considerado válido para cada tratamento. "Vários países já definiram esse limiar de custo-efetividade, o limite de valor por vida salva. Para isso, compararam as alternativas terapêuticas e a efetividade e verificaram o que esse tratamento proporciona de ganho. Por aqui, isso não está tão claro. Precisamos definir critérios de priorização e a métrica desses critérios", disse. Max Mano, oncologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) e do Hospital Sírio-Libanês, defendeu que a classe médica seja mais ouvida na definição dos critérios de incorporação no SUS. "A Conitec tem o seu viés por reduzir gastos, o que é altamente legítimo, mas uma coisa que incomoda é quando as medicações são reconhecidas no mundo inteiro, já foram aprovadas pela Anvisa e não são incorporadas no SUS. Uma diretriz terapêutica tem de ser reconhecida pelos especialistas e parece que isso não tem acontecido."

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