O crescimento do número de distratos – desistência de compra de imóvel adquirido na planta – foi o que motivou o acordo para regular o mercado imobiliário, assinado na semana passada. A solução alcançada para esta questão, contudo, é considerada insuficiente mesmo entre os defensores do documento.
“O acordo é nitidamente marcado por condições favoráveis ao consumidor. Mas a forma de cálculo do distrato, de fato, pode ser um ponto a gerar problemas”, afirma Werson Rêgo, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e um dos articuladores do acordo.
A principal crítica é que as fórmulas propostas acabam elevando a multa aplicada ao consumidor que optar pelo distrato. Hoje, as decisões da Justiça sobre o valor a ser retido variam de caso a caso, mas estão situadas entre 20% e 30% do que foi pago pelo consumidor. E, em algumas situações, pode somar somente 10%.
Simulações feitas com base nas duas novas regras, contudo, mostram que esse porcentual cresceu e pode superar mais da metade dos valores já desembolsados.
A diretora do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), Lorena Tavares, ressalta que, apesar do encarecimento da multa, espera-se uma melhora do nível dos contratos e, portanto, uma diminuição da cobrança de tarifas abusivas. De todo modo, ela defende que o documento é apenas um ponto de partida. “Nada impede que se façam alterações ou acréscimos”, afirma.
O desembargador do TJ-RJ argumenta que o ganho está em poupar tempo para resolver o impasse. “Mesmo que gere um aumento da multa, o objetivo do novo modelo é evitar brigas judiciais e gastos com advogados”, afirma.
Marcelo Tapai, sócio do escritório Tapai Advogados, diz que o acordo trará prejuízos ao consumidor. “É gigantesco o contrassenso entre o que se tem decidido na Justiça e o que foi aceito no acordo”, afirma. O escritório do advogado tem forte atuação do lado de consumidores que estão com ações em andamento para resolver impasses relativos ao distrato.
O desembargador ainda ressalta que o entendimento prevê que o valor da taxa de corretagem seja subtraído do valor total do imóvel, o que, em sua visão, é um ganho para o consumidor.
Marco Aurélio Luz, presidente da Associação de Mutuários de São Paulo (Amspa), contrapõe essa percepção e afirma que a saída encontrada no acordo pode trazer problemas ao consumidor. “As construtoras podem acabar ‘burlando’ o preço do imóvel e elevá-lo por conta do comissionamento”.
Como funciona. Ao comprar um imóvel na planta, o consumidor precisa dar uma entrada e negociar mais um pagamento mensal.
Quando o empreendimento ficar pronto, o comprador terá de usar recursos próprios, financiamento ou consórcio.
Entraves neste momento levam à desistência do imóvel. O reajuste do saldo devedor, feito em geral pelo Índice Nacional da Construção Civil (INCC), pode tornar o valor da parcela impraticável. Ou, ainda, o consumidor pode não conseguir financiamento bancário.