Sob pressão, indústria da carne não consegue garantir proteção à floresta

País concentra 46% dos abates de bovinos na Amazônia Legal, mas até gigantes como JBS e Marfrig admitem que ainda não monitoram fornecedores indiretos; empresas correm contra o tempo e investem para cadastrar propriedades da cadeia até 2025

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Por Fernando Scheller
4 min de leitura

A dependência do setor de carnes da região da Amazônia Legal é grande: dos 22,2 milhões de cabeças de gado abatidos no ano passado no País em frigoríficos com inspeção federal, de acordo com o Ministério da Agricultura, 10,2 milhões (46%) tiveram origem nessa área. Apesar de existir correlação direta entre a Amazônia e o setor, as grandes produtoras de carnes no País admitem que, ao menos por enquanto, não conseguem garantir que sua produção não contribua indiretamente para a destruição da floresta.

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A pressão de organismos internacionais sobre o Brasil por causa do aumento da velocidade da destruição da Amazônia é cada vez maior. Os dados mostram, porém, que o problema só cresce. Em maio, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a destruição da floresta teve alta de 40% em relação ao mesmo período de 2020, um recorde para o mês. Com dados como esse – que se repetem há alguns anos –, a indústria da carne sabe que está na berlinda.

Prova disso foi uma ação conjunta dos três maiores bancos privados do País – Itaú, Bradesco e Santander – voltada ao desenvolvimento sustentável da Amazônia. Segundo executivos do próprio setor, há pressão dos distribuidores de alimentos (como redes de supermercados) e de alguns importadores para que a carne produzida no País tenha “selo verde”.

A pressão de organismos internacionais sobre o Brasil por causa do aumento da velocidade da destruição da Amazônia é cada vez maior. Foto: Gabriela Bilo/Estadão

‘Ponto cego’

As três principais produtoras de carne bovina do País – JBS, Marfrig e Minerva – correm contra o tempo para garantir a origem de todos os seus produtos. Mas, por ora, admitem que isso ainda não é possível. Embora todas tenham criado sofisticados programas de monitoramento via satélite para vigiar cada um de seus fornecedores diretos, todas esbarram no mesmo “ponto cego”: as fazendas de novilhos e de engorda pelas quais o gado passa antes de chegar às suas parceiras diretas.

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Nesse momento, JBS e Marfrig têm uma meta ambiciosa: garantir que, até 2025, todo o histórico do gado possa ser monitorado. “O desafio que a gente tem é a identificação dos fornecedores indiretos”, diz Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade da Marfrig. Ele aponta falta de políticas públicas sobre o tema: “Ao contrário de Austrália e Uruguai, não implantamos a identificação de origem desde o nascimento. E tudo o que é voluntário tem adesão baixa. Foi uma oportunidade perdida.”

Pianez diz que, hoje, o “ponto cego” da Marfrig ainda é de quase 40% do rebanho processado nas fábricas. Para conseguir garantir que o boi abatido pela empresa jamais tenha pisado em uma área com ilegalidades, a empresa criou um sistema de cadastro de fornecedores indiretos, nos quais as informações passam por uma série de validações de órgãos ambientais. Caso haja “não conformidade”, a propriedade pode ser orientada e financiada pela própria Marfrig para se adequar à legislação.

O mesmo ocorre na JBS. A empresa tem 100 mil fornecedores em seu sistema, dos quais de 25 mil a 30 mil são ativos, segundo o diretor de sustentabilidade, Márcio Nappo. Dentro desse universo de propriedades, 11 mil são bloqueados atualmente por pendências ambientais. Para garantir o gado desde a origem,a JBS trabalha em um cadastro dos fornecedores de fornecedores com tecnologia Blockchain. Além disso, montou 13 escritórios em que os pecuaristas podem prestar informações e ser orientados a sanar pendências – a JBS vai financiar essa adequação à legislação nos próximos anos. 

Na Minerva, que recentemente concluiu o cadastramento de seus 8 mil fornecedores diretos de gado, o próximo passo é implantar o sistema em fazendas de outros países da América do Sul. Segundo Fernando Queiroz, presidente da Minerva Foods, essa é uma exigência cada vez maior dos clientes, tanto no Brasil quanto no exterior. Ele lembra que a empresa já tem uma linha de carnes em que o consumidor pode rastrear o histórico dos bois por meio de um QR-Code.

Controle limitado

As ações de gigantes não são, porém, capazes de garantir o controle a todo o mercado. Isso porque o setor de bovinos funciona no sistema “spot”. Ou seja: uma fazenda vende hoje para um frigorífico e amanhã, para outro. “A verdade é que são esses grandes frigoríficos que não querem correr o risco (de ter sua produção ligada à destruição da floresta). Já os pequenos frigoríficos vão continuar trabalhando com produtos de áreas com problemas”, diz José Carlos Hausknecht, diretor da MB Agro, consultoria especializada em agronegócio.

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Procurada pelo Estadão diversas vezes, a Associação Brasileira da Indústria de Carnes (Abiec) não se pronunciou. O Ministério da Agricultura informou, por e-mail, que tem atribuições sobre a implementação do Código Florestal nos imóveis rurais. “No tocante às infrações ambientais, a legislação pertinente é a Lei de Crimes Ambientais que traz diretrizes para combater a ilegalidade”, disse. A pasta informou ainda a concessão de créditos especiais a produtores que “adotam tecnologias sustentáveis aliadas ao aumento de produtividade”.