Os personagens quase sempre são os mesmos, mas as técnicas para fraudar e sonegar combustíveis evoluíram ao longo do tempo. O Brasil já viveu a onda do álcool molhado (mistura do anidro ao álcool hidratado) e do boom de sonegação provocado pela chamada viagem do etanol, um esquema para pagar menos ICMS e que tirou bilhões de reais dos cofres dos Estados. Mas, a cada vez que o governo adota medidas para coibir as fraudes, uma nova estratégia é criada no mercado. Ou seja, os criminosos estão sempre à frente.
Desta vez, no entanto, o maior vilão do setor conta até com a “proteção” do Estado. Trata-se da inadimplência, uma situação que não pode ser classificada como crime. Ao contrário do devedor eventual, que não consegue pagar seus impostos por algum problema pontual e intempéries econômicas, o chamado devedor contumaz é um sonegador. Ele se vale de uma lei ultrapassada que o coloca ao lado de contribuintes honestos.
Em geral, o inadimplente sistemático entra no mercado de forma regular, consegue todas as autorizações necessárias, mas depois de iniciar a operação começa a colocar em prática sua estratégia desleal. Para dificultar a fiscalização, eles colocam a empresa no nome de laranjas e assim, muitas vezes, conseguem se manter no mercado. Por não pagar impostos, o devedor contumaz tem uma competitividade maior em relação ao concorrente.
Na prática, ele prejudica os cofres públicos e também ajuda a quebrar empresas que atuam de forma legal no mercado. “O impacto é gravíssimo para o País. É um crime contra a ordem tributária, mas também de ordem econômica”, afirma o delegado da Polícia Federal, Victor Hugo Ferreira, que deflagrou no ano passado a Operação Rosa dos Ventos. Conhecidas como “barrigas de aluguel” – distribuidoras de combustíveis colocadas em nome de laranjas –, as empresas eram intermediárias na compra de etanol nas usinas para depois vendê-lo aos postos de gasolina sem recolher os tributos.
Segundo dados da Associação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Lubrificantes, Logística e Conveniência (Plural), o setor soma cerca de R$ 60 bilhões na dívida ativa, com um crescimento da ordem de R$ 5 bilhões por ano. Cerca de 80% desse montante está em nome de empresas inativas. “Pior: a expectativa de recebimento desse dinheiro (por parte do governo) é de apenas 1%”, afirma o diretor da Plural, Hélvio Rebeschini. Segundo ele, a questão do inadimplente sistemático sempre existiu, mas nos últimos anos o problema se avolumou. “São sempre os mesmos personagens, às vezes são pegos, mas sempre voltam aos esquemas.”
Em São Paulo, as 20 maiores empresas inadimplentes do setor de combustível têm R$ 20 bilhões em dívida ativa. Mas 15 delas não existem mais. “Essas empresas protelam ao máximo a cobrança, se tornam inativas e criam passivos irrecuperáveis”, diz o diretor da Plural.
Mas, embora o devedor contumaz represente a maior dor de cabeça para o setor atualmente, as fraudes com adulteração dos combustíveis continuam se modificando. Hoje em dia, o que mais tem sido usado pelos criminosos é a mistura de metanol na gasolina. A importação do produto usado na indústria cresceu exponencialmente nos últimos anos e criou um excedente no mercado da ordem de 15 milhões de litros por mês.
Segundo Rabeschini, esse é o montante que não tem destino comprovado e, possivelmente, está indo para o mercado irregular. Na avaliação dele, a legislação antiga precisa ser reformada para fazer frente a esse novo cenário de aumento das importações.
Junta-se a isso a expansão dos casos de bombas fraudadas, em que o consumidor paga por um volume e recebe menos produto sem saber. Nesse caso, a tecnologia criou um grande problema, pois as bombas são acionadas por controle remoto ou pelo celular. Mas, alguns Estados têm criado regras mais duras esse tipo de crime. São Paulo, Paraná e Goiás aprovaram leis que preveem a suspensão e a cassação da inscrição estadual de quem age ilegalmente.