“Olá, pessoal. Alguém conhece uma pessoa ou empresa que esteja disposta a contratar uma linda senhora de 63 aninhos?”. Foi assim que, há um mês, a redatora Ignez Therezinha Scotti começou uma postagem no LinkedIn. Quem frequenta a rede social sabe que a procura por emprego é comum por lá, mas conseguir uma recolocação no mercado brasileiro -principalmente, tendo mais de 50 anos - é mais exceção do que regra.
Ao contar da sua experiência como redatora, escritora, professora, coordenadora pedagógica e assistente administrativo, Ignez viralizou. Foram quase 100 mil curtidas e mais de 2.500 compartilhamentos no texto em que diz ter “muita lenha para queimar”, acompanhado da hashtag, criada por ela, #velhinhamasdisposta.
A história dela se assemelha a de vários outros profissionais acima dos 50 anos no mercado de trabalho no Brasil. Após uma longa carreira, e a um ano de poder se aposentar, Ignez se viu desempregada quando a última empresa em que trabalhou fechou o programa de funcionários 50+, há um ano. Dois meses depois, veio a pandemia do coronavírus e a recolocação no mercado, que já parecia complicada, ficou ainda mais difícil.
“Eu me inscrevi em vários sites de empregos e mandei mais de 400 currículos. A maioria nem respondia. Alguns agradeceram o contato e outros responderam que, apesar do meu currículo ser ótimo, eu não tinha o perfil e iam deixar para outras oportunidade”, conta.
Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) - que retrata o mercado formal de trabalho -, embora as admissões, em setembro de 2020, tenham ficado próximas da média do mês entre os anos de 2012 e 2019 (1,4 milhão), há uma grande diferença entre as contratações por faixa etária. Se por um lado os números relativos aos jovens abaixo dos 25 anos superaram a média, as posições para quem tem mais de 60 anos ficaram em torno de 70% da média.
“A minha idade pesou muito. Infelizmente, a gente sabe que no Brasil, depois de completar 40 anos, você fica obsoleto para o mercado de trabalho. É uma prática burra porque quando você tem uma certa maturidade, você tem uma vivência profissional muito maior, o que pode beneficiar a empresa. Só que a política empresarial pensa no valor do salário e sabe que a pessoa mais madura normalmente tem um salário mais alto”, desabafa.
Com a demissão e a pandemia, Ignez desenvolveu problemas de ansiedade e precisou tratá-los, enquanto se dividia entre um trabalho de freelancer e outro.
“O trabalho de freelancer é inconstante. Um mês você pode ter um volume grande e no outro esse volume diminui. Tem que fazer muitas projeções, reservas. Comecei a ficar meio apavorada, a idade avançando e eu não sabia o que fazer. Um dia, eu abri o LinkedIn e vi aquela frase ‘No que você está pensando?’. Eu estou pensando que ninguém me dá uma chance de emprego!” , conta.
Depois da publicação viralizar, a chance apareceu. Ou melhor, mais de 40 delas. Entre agências de publicidade e unicórnios brasileiros, mais de 40 empresas procuraram Ignez com ofertas de emprego fixo e freelancer.
Há duas semanas, ela optou por uma vaga de analista de conteúdo na Decode, empresa de análise de dados, e foi contratada - ainda na entrevista. Hoje, ela trabalha oito horas por dia, em regime CLT, com benefícios e em home office, devido à pandemia.
“A primeira coisa que eu diria para os profissionais acima de 50 anos que estão procurando uma oportunidade é para não se deixar abater. Quando você começa a acreditar que não serve mais para o mercado porque chegou em determinada faixa etária é o início da sua derrota. O desânimo acaba com a gente, leva à ansiedade, e à depressão. Se a pessoa perceber que está assim, precisa buscar alguma coisa que a motive. O que eu fiz? Como eu amo escrever, eu comecei a escrever livros, colocar no papel as coisas para provar pra mim mesma que eu era capaz, que tinha muito gás”, aconselha Ignez.
Ela também chama a atenção para a importância de não desistir dos projetos pessoais. “Não podemos parar no meio do caminho. No outro dia, uma menina me mandou mensagem no LinkedIn dizendo que a mãe dela estava desempregada, mas que com 50 anos ela estava se formando na faculdade. É um exemplo excelente, ela não se importou com a idade. Se não der para fazer uma faculdade, faz algum curso, se envolve em alguma coisa, porque isso levanta o ânimo, você se sente útil”.
A primeira de muitos
Renato Dolci, CEO da Decode e sócio da BTG Pactual, conta que a empresa já possuía uma iniciativa voltada para a contratação de profissionais seniores, mas que não havia sido colocada para rodar por conta da pandemia. Por meio de um monitoramento constante nas redes sociais, eles encontraram o post de Ignez, a primeira contratada do programa.
“Eles [os profissionais seniores] trazem pontos que nós [mais jovens] não olhamos no dia a dia, como cuidado aos detalhes, atenção excessiva ao trabalho e até mesmo valores que achamos importantes”, destaca.
Para Renato, a troca entre os profissionais mais jovens e os mais experientes dentro da empresa é essencial, principalmente porque a média de idade dentro da Decode é de 27 anos. “A gente precisava de alguém destoando dessa lógica, porque agrega com experiências que não temos nesse ambiente muito jovem. Queremos experiências e questões que a idade traz, e foi isso que falamos para dona Ignez”, diz o CEO.
A inclusão da nova funcionária foi uma missão coletiva da empresa. Ele conta que todos se ofereceram para ajudar no onboarding, facilitando a inserção de Ignez no universo da startup.
Desde a contratação, a expectativa é que o programa seja ampliado. “A expansão vai acontecer. Hoje mesmo eu estava entrevistando uma segunda pessoa para contratação”, relata Renato.
Para quem busca a recolocação
O post de Ignez motivou a designer de produtos Marina Vaccari a criar uma corrente que une profissionais 50+ procurando emprego e indicações de vagas e empresas. “Tenho recebido várias mensagens de profissionais que estão há meses em busca de recolocação no mercado e estão sofrendo discriminação pela idade. São pessoas completamente capazes, com experiência e não merecem passar por esse tipo de situação”, diz a postagem.
Os interessados devem comentar no post contando seus conhecimentos e a área de interesse. Quem quiser ajudar pode marcar a página de empresas, profissionais de recursos humanos e recrutamento.
Também há, no mercado brasileiro, duas empresas que promovem a inserção de profissionais acima de 50 anos no mercado de trabalho. A Maturi, plataforma que conecta pessoas 50+ com companhias como Unilever e Credicard, e a Labora, iniciativa que desenvolve seniores para trabalhar em lugares como a Dengo e a Oracle.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.