Viveu em cortiço e é filha de sacoleira: conheça a CEO que faz ‘marketing do bem’ para gigantes

Vivi Duarte já empreendeu em diversas áreas, desde cestas básicas até estética corporal; hoje comanda a Plano Feminino, empresa que cria campanhas inclusivas para grandes marcas, como Heineken, Itaú e Unilever

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Foto do author Jayanne Rodrigues
Atualização:
Foto: Alex Silva/Estadão
Entrevista comVivi Duarte CEO da Plano Feminino

“Meu DNA é empreendedor”. É assim que Vivi Duarte, 46, atribui a trajetória de sucesso como executiva. Criada em um cortiço até os nove anos, na periferia da Freguesia do Ó, em São Paulo, ela teve como referência a mãe e a avó, que foram sacoleiras no Brás (bairro de comércio popular) durante sua infância, e seu pai, ambulante.

Embora tenha construído uma carreira sólida em grandes empresas no setor de marketing, a exemplo da Meta, onde foi convidada a criar uma nova área para a América Latina, a executiva sempre sonhou em ter seu próprio negócio.

Em 2010, realizou o sonho, mas demorou quase dois anos para o empreendimento alcançar o primeiro milhão e entrar em ascensão. Em 2024, sua empresa, a Plano Feminino, cresceu 30% em termos de receita. A consultoria desenvolve campanhas focadas na promoção da diversidade e que já trabalhou com marcas como Heineken, Itaú, Unilever, Samsung e Natura&Co.

Não por acaso, no ano passado, Vivi palestrou em Harvard sobre sua atuação no setor de marketing para os estudantes da universidade.

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Conciliando a dupla jornada de empreendedora e CEO, Vivi Duarte afirma que o segredo em navegar em cenários complexos está em não deixar de cuidar de si mesma, ainda que tenha aprendido isso da forma mais difícil, após quase enfrentar um burnout.

Aliado a isso, a executiva destaca a importância de construir a própria rede de conexões, sem depender exclusivamente de crachás ou empresas. “Sempre busco aprender com quem sabe mais do que eu.”

Nós, mulheres, muitas vezes estamos sempre achando que devemos algo aos outros. Mas não devemos nada. Temos habilidades e precisamos reconhecê-las.

Vivi Duarte, CEO da Plano Feminino

Confira trechos da entrevista:

Como foi o início da sua carreira?

Meu DNA é empreendedor. Vim de um cortiço da Freguesia do Ó. Nasci em um lar de mulheres empreendedoras. Minha mãe e minha avó eram sacoleiras do Brás. Meu pai também era ambulante, vendia ursinhos de pelúcia de porta em porta.

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Desde cedo, vivi cercada por pessoas que estavam sempre se virando e fazendo acontecer. Adriana Barbosa, da Feira Preta, chama isso de ‘se virologia’ (se virar). Eles nem sabiam que estavam empreendendo, mas estavam trazendo o pão para casa, sendo otimistas e resilientes.

Esse foi o ambiente em que cresci: um lar de gente que faz. Acho que isso representa a maioria do Brasil, pessoas que empreendem, acreditam e sonham. Antes mesmo de me formar na faculdade de jornalismo, já empreendia. Tive uma estética, fiz curso de massagem, montei uma salinha de massagem corporal. Também tive uma empresa de cesta básica, tudo antes de concluir minha graduação.

Vivi Duarte empreende desde a adolescência. Em 2010, abriu o seu próprio negócio.  Foto: Alex Silva/Estadão

Fui estudar jornalismo (Faculdade Maringá, Paraná), mas continuei empreendendo. Passei por várias experiências: trabalhei como vendedora de loja em shoppings, gerente de loja de roupas, e em marcas como Fórum, Zoomp e Triton. Trabalhava no West Plaza (shopping localizado na zona oeste de São Paulo) das 10h às 22h.

Após me formar, consegui entrar em grandes empresas. Comecei na sucursal da Bunge (empresa de processamento de grãos e oleaginosas), onde fiz carreira e depois fui para a Unimed. Mas, em paralelo, meu DNA empreendedor pulsava forte. Fazia consultorias como freelancer, estudava o mercado e pensava o que poderia montar. Sempre senti que tinha potencial para fazer mais do que a empresa me oferecia.

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Lembro de um momento na Unimed, era gerente de Marketing, percebi quantos níveis teria que subir até chegar onde queria. Pensava: “Não vou ficar aqui 50 anos esperando.” Sabia que tinha ideias boas e capacidade para fazer mais por mim mesma.

Foi assim que surgiu a Plano Feminino?

Sim! Em 2010, decidi abrir minha própria agência de publicidade, a Plano Feminino. Reuni todo aquele DNA de sacoleira, massagista e vendedora. Queria independência financeira e crescimento rápido, sem depender dos outros para alcançar minhas conquistas.

Quando analisamos nossa trajetória, percebemos como tudo se conecta. Por isso, é essencial validar tudo o que aprendemos no nosso dia a dia e reconhecer nosso crescimento profissional.

Com certeza, o meu tino para negócios, atender clientes e pensar criativamente em soluções foi algo que aprendi trabalhando como vendedora de loja, lidando com diferentes tipos de pessoa e situações e desenvolvendo minha capacidade de “desenrolar” as coisas.

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Como foi o processo de aceitação da Plano Feminino no mercado?

A Plano Feminino, nos seus primeiros dois anos, foi de muito desafio porque era algo novo. A ideia central era provocar o mercado publicitário a trazer mais diversidade e conversar com públicos que as marcas não estavam alcançando.

Nosso objetivo era ajudar as marcas a se conectarem melhor com as mulheres e com audiências diversas. Mostramos como era possível gerar representatividade, fazer as pessoas se sentirem incluídas e aumentar a conexão com o público e as vendas.

Demoramos para engrenar. O primeiro milhão veio só após dois anos. Até lá, precisei pagar todas as contas e as pessoas que trabalhavam comigo. Essa resiliência não foi algo que aprendi na faculdade, mas sim nas vivências que tive, em cada trabalho e empreendimento que fiz antes.

Vivi Duarte

Começamos a desenvolver grandes campanhas para Unilever, Heineken, Fiat, Chevrolet, Ambev e outras.

Lembro que, com a Seda, colocamos a primeira influenciadora negra retinta. Viajamos pelo Brasil para mostrar diferentes tipos de beleza na página da Seda no Facebook, isso em 2011. As pessoas iam lá e criticavam a marca, diziam: “Ah, eu não vou comprar esse xampu, é xampu de bagaço de laranja. Quem já viu? Olha o cabelo dessa mulher!” Era uma ignorância e um racismo enorme.

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Nós dizíamos: “Vamos falar com todas as belezas. Quem quiser fica. Quem não quiser pode sair.” Foi o que Seda fez. Essa atitude rendeu vários prêmios para a empresa e conquistou um público diferente.

Você mencionou que, após dois anos, veio o primeiro milhão. Enquanto a empresa entrava em ascensão, como foi conciliar os papéis de empreendedora e CEO?

Além da Plano Feminino, também tenho o Instituto Plano de Menina, que conecta meninas ao mercado de trabalho. Nesse trabalho, ajudo meninas a desenvolver suas habilidades.

Não empreendi apenas por intuição: fiz pós-graduação, MBA e busquei formas de sofisticar meu jeito de ser uma mulher de negócios.

Adquiri habilidades para gerenciar os negócios como uma CEO, com visão estratégica. A Plano Feminino vai completar 15 anos. Durante esse tempo, passamos por diversas reinvenções para nos adaptar às mudanças do mercado.

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Nos primeiros anos de atividade da Plano Feminino, Vivi Duarte enfrentou certa resistência do mercado. Dois anos depois, veio o primeiro milhão e ascensão do negócio.  Foto: Alex Silva/Estadão

Hoje enfrentamos desafios como mudanças nas expectativas do mercado, com líderes que ainda pedem mais ‘masculinidade’ em suas empresas. Mas eu não me intimido, mudo a narrativa do meu negócio, sofistico as entregas e continuo avançando.

Vivi Duarte, CEO da Plano Feminino

Minha rede de contatos é essencial. Sempre busco aprender com quem sabe mais que eu. Recentemente, marquei um café com um chairman (presidente do conselho de administração de uma empresa) que admiro. Esse tipo de troca me traz muitos insights.

Desde estagiária, já procurava aprender com diretores e líderes. Como minha avó dizia, sempre fui enxerida, mas isso me trouxe muito aprendizado.

Vivi Duarte

Por causa dessa mentalidade, fui convidada para ser CEO do BuzzFeed Brasil durante a pandemia. Aceitei o desafio, gerenciei meus negócios paralelamente e ajudei a estruturar a operação local. Após esse período, recebi o convite da Meta para criar uma área nova de Conexão e Planejamento para a América Latina, fiquei por três anos e meio.

Em março do ano passado, senti que minha jornada na Meta não fazia mais sentido em termos de propósito. Decidi sair e me dedicar 100% aos meus negócios. Em seguida, vendi 45% da consultoria Plano Feminino para a Mynd (empresa de marketing de influência). Essa parceria já fez a Plano crescer 30% em oito meses.

É desafiador ser mulher, preta e empreendedora no Brasil, principalmente ocupando o papel de CEO. Por isso, fico sempre atenta ao mercado, à concorrência e às necessidades dos clientes.

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Inclusive, recentemente, você palestrou na Harvard sobre seu trabalho na área de Marketing no Brasil. Qual é o impacto dessa experiência enquanto CEO?

Fui convidada por Harvard no ano passado para palestrar sobre meu trabalho no Brasil com impacto social e construção de marcas com propósito. Apresentei nossos cases construindo campanhas que abraçam a diversidade e já ganharam prêmios em Cannes - o maior festival de publicidade do mundo - mostrando que vale a pena investir em diálogos com todas as audiências e suas diferenças.

Além disso, apresentei nosso trabalho com o Instituto Plano de Menina, que se tornou material de estudo para alguns alunos que buscam por ideias que mudam o mundo. Estas oportunidades são muito importantes para nos dar voz e impulsionar os negócios com propósito.

Defina seu estilo de liderança.

Tem liderança vertical, que olha para as pessoas de cima para baixo. A minha é horizontal, gosto de falar olhando nos olhos. É uma liderança que joga junto. Obviamente, continuo sendo a líder, existe uma hierarquia de demanda, em que preciso direcionar a equipe para fazer acontecer, mas é uma liderança que está ali no dia a dia, presente, ouvindo, entendendo, jogando junto.

Nós temos reuniões semanais, todos juntos, depois reuniões 1 a 1. Faço toda semana para ouvir as pessoas e para entender o que elas estão aprendendo, quais são os pontos negativos que elas estão trazendo e o que precisamos melhorar. Então, é só ouvidoria.

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Sempre achei muito importante sentar com o time para ajudar a trazer soluções quando estão patinando em alguma coisa. Não fico ali provocando ou desafiando algo que vejo que não vai sair.

Já tive líderes que deixavam a gente patinando, em uma situação parecida com humilhação para pedir ajuda. Comigo, não tem isso. Tenho um canal aberto, a porta da minha sala está sempre aberta para entrar ou sair.

Vivi Duarte

Essa construção no dia a dia me mantém atualizada sobre tudo que está acontecendo no pipeline (etapas) da empresa, seja na parte operacional, quem atende quem e o que o cliente está precisando.

Isso faz toda a diferença na liderança, porque as pessoas também sentem segurança ao falar: ‘Vivi, lembra daquele cliente? Agora ele mudou isso daqui. Estou com dificuldade de entregar isso, não estou conseguindo encontrar um caminho.’ Eu sento e construo junto, não vou apenas achar soluções para a pessoa ou deixar sozinha. Eu dou o que tenho de aprendizado para ela, para que consiga sentir firmeza em atender um cliente difícil.

Não sou uma CEO que fica isolada, trancada em uma sala.

Já tive situações em que precisei conversar com alguém da equipe sobre desempenho e dizer: ‘Você será desligado porque não está entregando o que precisamos.’ Mas, ao ouvir um pedido sincero, dou uma nova chance. Para mim, liderança é isso: jogar junto, ouvir e construir até o fim, a menos que a pessoa realmente desista.

Vivi Duarte

Então, não deixo o meu time jogar sozinho. Isso é o que define uma liderança horizontal e humanizada. Você está guiando o barco, puxando todo mundo na sua direção, mas também está inspirando e jogando junto, só cobrar não funciona para mim.

Como você faz para ter uma rotina equilibrada dentro dessa vida de executiva?

Nunca vamos conseguir ser 100% em tudo. Não sou a Mulher-Maravilha, mas o que consigo fazer é organizar o meu dia. Acho que as redes sociais tiram muito a nossa atenção. Às vezes, sem perceber, gastamos horas do nosso dia rolando o feed do Instagram. Em vez disso, poderíamos ter feito ginástica, meditação, lido um livro ou ligado para pessoas importantes para nós.

Sou muito organizada com o meu tempo. Acordo cedo, por volta das 6h da manhã, organizo minha rotina: tomo um café, vou para a academia, faço meditação. Depois, vou para o trabalho. A checagem de redes sociais fica para o meio do dia. Isso me ajuda a não perder muito tempo no celular.

Falo muito para as minhas seguidoras: toma cuidado para não perder seu tempo nas redes sociais, você fica distraída e quando percebe já passou horas rolando o feed. Já passei por isso e, nos últimos 4 anos, mudei. Desativei muitos grupos de WhatsApp e silenciei aqueles que não me interessam tanto.

Estabeleci um jeito de lidar com o meu dia a dia para me preservar. Não quero mais me esquecer, como muitas vezes aconteceu nesses 15 anos. Tive muita ansiedade e um cansaço extremo, que quase me levou ao burnout.

O que estava acontecendo nessa época?

Em 2017, eu tive um pré-burnout desesperador, uma crise de pânico e uma ansiedade enorme, porque empreender é assim.

Lembro que tinha saído um cliente que representava uma conta alta no fim do mês, pagava praticamente 60% das contas. A empresa saiu de uma hora para outra. Vieram outras coisas do dia a dia, e tive crises de pânico e de ansiedade. Precisei reaprender e me reorganizar nessa correria.

Recebo mais de 200 mensagens por dia no WhatsApp, somado ao que recebo no Instagram, LinkedIn e outras plataformas. É muita coisa! Então, comecei a priorizar e a dizer não.

"Já tive líderes que deixavam a gente patinando, em uma situação parecida com humilhação para pedir ajuda. Comigo, não tem isso. Tenho um canal aberto, a porta da minha sala está sempre aberta", conta Vivi Duarte.  Foto: Alex Silva/Estadão

Uma das mudanças foi ter estabelecido a quarta-feira como o dia para olhar mensagens no Instagram e no LinkedIn. Se alguém me chamasse de um dia para o outro pedindo uma palestra para o dia seguinte, eu sabia que não era para mim.

Também aprendi ao longo desses 15 anos a não esperar muito dos outros. Eu foco nas minhas expectativas, no planejamento que faço para a minha carreira e os meus negócios. Sou a melhor pessoa que posso ser no meu dia a dia, obviamente uma líder que cobra e que precisa de resultados.

Vivi Duarte

Já enfrentei casos de plágio, pessoas que entraram para trabalhar comigo e depois montaram negócios semelhantes, usando meus contatos. No início, tudo isso gerava um desespero. Hoje, quando acontecem situações assim, sei onde focar. Mesmo quando vem a ansiedade, por exemplo, uma concorrência muito forte, já sei como focar no que realmente importa.

Quando começo a perceber que o coração está acelerado demais, que a ansiedade toma conta, preciso respirar fundo, acalmar e focar nas prioridades. Fiz o que precisava fazer, agora é esperar. Depois, correr um pouco, ligar para uma amiga, ler um livro, ou trabalhar em outro projeto enquanto o principal não sai. Com o tempo, você adquire mais maturidade para lidar com tudo isso.

No seu livro “Quem é você na fila do pão?” você indica que as pessoas sejam CEOs da sua própria carreira. Qual é o seu conselho nº 1?

O meu conselho é criar a sua própria rede de conexões. Sempre falo para as meninas que entram para trabalhar aqui: criem redes de networking, conectem-se por meio de sua marca pessoal. Porque é isso que precisamos fazer para termos autoridade e autonomia, independentemente de qualquer CNPJ.

Entrei no BuzzFeed e na Meta como diretora na América Latina enquanto era CEO de duas empresas. Mas eu era a Vivi Duarte. Não estava agarrada ao crachá do Mark Zuckerberg. Meu propósito era construir o meu legado, fazer conexões internacionais e aprender.

Quando temos nossa marca forte e nossas conexões no mercado, conseguimos fazer esses ‘pulos da gata’. Conseguimos nos reinventar, sermos donas da nossa vida. Quando ficamos presas apenas ao CNPJ de outras empresas, trabalhamos com uma paixão que é dos outros, no sonho dos outros. A gente se torna refém do outro.

Vivi Duarte

Imagina se eu estivesse agarrada até hoje na Unimed, refém dos médicos cooperados, dos donos da empresa. Não! Precisamos criar nossa própria marca pessoal e nos conectarmos com pessoas importantes no mercado.

Seja vista, use as redes sociais a seu favor. Escreva sobre o que você ganha, o que conquista, as coisas que realiza. Fale bem de você nas redes sociais, porque as pessoas falam muito isso: “Ai, eu não vou ficar falando bem de mim, não vou fazer o meu próprio marketing”. Gente, tem que fazer, porque ninguém vai falar por você.

Vivi Duarte

Nós, mulheres, muitas vezes estamos sempre achando que devemos algo aos outros. Mas não devemos nada. Temos habilidades e precisamos reconhecê-las.

A Sheryl Sandberg (ex-COO da Meta) escreveu um livro chamado “Faça Acontecer”, no qual discute que nós, mulheres, precisamos ter pelo menos 100% de habilidades para nos candidatarmos a uma vaga e falar bem de nós mesmas, porque estamos sempre achando que devemos algo a alguém.

Então, precisamos nos reconhecer, mostrar nosso trabalho e fazer nossa marca. Isso vai nos ajudar a não sermos reféns de crachá ou empresa. Construir nossa própria marca é o que faz nossa carreira avançar.

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