Síndrome da tarefeira: As mulheres que fazem coisas demais no trabalho e não são valorizadas

Mulheres líderes se sentem ‘obrigadas’ a assumir múltiplas responsabilidades ao mesmo tempo, deixando de focar em questões estratégicas

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Foto do author Jayanne Rodrigues
Atualização:

A síndrome da tarefeira ainda impacta profissionais em diferentes momentos da carreira. O termo se refere a mulheres líderes que se sentem ‘obrigadas’ a acumular múltiplas responsabilidades e executam diversas tarefas ao mesmo tempo. Um dos principais efeitos desse comportamento é a falta de direcionamento profissional: apesar de estarem sempre ocupadas, muitas acabam sem um foco para a carreira no longo prazo.

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A questão é abordada no livro Quebre o Teto de Vidro, de Karinna Bidermann Forlenza, que discute por que é mais difícil para as mulheres atingirem o topo da carreira.

Segundo a autora, “99% das mulheres com quem conversa acreditam piamente que um bom trabalho fala por si só” e esperam reconhecimento apenas por seu desempenho, mesmo nos cargos mais altos. O problema é que no alto escalão outras habilidades se tornam essenciais, como pensar estrategicamente e saber fazer política.

A mentora de carreiras Raquel Christoff explica que, além do acúmulo de tarefas, há sinais claros que indicam a síndrome de tarefeira, como a dificuldade em delegar, a pressão para atender expectativas externas e o desgaste emocional e físico.

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Síndrome é difícil de superar, diz empreendedora

Rebecca Fischer, 34, cofundadora da fintech de pagamentos Divibank, percebeu que estava enfrentando a síndrome em dois momentos da carreira. O primeiro enquanto era diretora de contas de uma empresa que atuou.

A situação mais recente foi um verdadeiro teste de limites, relembra a empreendedora, pois tinha que executar inúmeras funções sem deixar a gestão do atual negócio de lado. Além disso, a demanda da vida pessoal intensificou a sensação de esgotamento.

Para Fischer, o fenômeno não é algo que simplesmente desapareceu da rotina. Na verdade, considera que o problema retornou em diferentes fases da vida.

Rebecca Fischer, co-fundadora da Divibank, conta que o acúmulo de funções em alguns momentos da carreira gerou esgotamento. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Não basta reparar a síndrome uma vez, ligar uma luz e estar curada para sempre. Muitas vezes você pode voltar a entrar em ciclos e não ter muita escolha, não ter o que fazer mesmo porque tem muita tarefa para realizar.

Rebecca Fischer, co-fundadora da fintech de crédito Divibank

Segundo a mentora de carreiras, Raquel Christoff, o problema surge da crença de que, quanto mais atividades realizadas, maiores as chances de alcançar objetivos, como promoções e reconhecimento no trabalho. No entanto, o efeito é reverso e acaba gerando sobrecarga, frustração e impacto na saúde mental e na performance.

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A síndrome da tarefeira vem de gerações anteriores, em que as mulheres eram culturalmente estimuladas a assumir a liderança em casa e no trabalho, sem dividir tarefas. Então, a mulher acredita que quanto mais responsabilidades tiver, maior a chance de alcançar o que deseja. Isso traz sobrecarga porque não há clareza de quais daquelas atividades vão dar resultado.

Raquel Christoff, mentora de carreiras

Há também o machismo estrutural, diz a mentora, acrescentando que as mulheres sentem que precisam se provar mais que seus colegas homens para conquistar o mesmo reconhecimento.

Com isso, é comum notar mais mulheres reféns de uma pressão interna para mostrar competência por meio de esforços visíveis, mesmo quando essa dedicação não é estratégica.

Falta de direcionamento é reflexo da síndrome

Foi exatamente por causa da falta de estratégia que Eduarda Camargo, 31, Chief Growth Officer da fintech Portão 3, se viu afundada em tarefas sem propósito para a carreira. Em um cargo de liderança há quase seis anos, ela diz ter assumido inúmeras responsabilidades em um período curto, o que a levou a acumular tarefas e a centralizar decisões.

Como virei líder muito rápido e com pouco recurso, achava que precisava saber e controlar tudo. Muitas vezes sufocava o time porque queria acompanhar, e ao mesmo tempo, também sou uma pessoa que me cobro na vida pessoal. Eu não era estratégica.

Eduarda Camargo, Chief Growth Officer da Portão 3

Segundo a executiva, o surgimento de problemas de saúde com frequência foi o momento mais crítico. Outro reflexo da sobrecarga apareceu na equipe: alta rotatividade, falta de direcionamento claro e baixos resultados.

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O dia a dia da executiva Eduarda Camargo era pautado por microgestão e uma autocobrança intensa. Foto: Luiz Crosara/Divulgação/Jangada Consultoria de Comunicação

O ponto de virada veio quando a liderança direta de Camargo apontou que ela não precisava saber e fazer tudo, mas sim delegar e confiar no time. Mas o processo de mudança não foi imediato. “Não vou dizer que foi de um dia para o outro, tive muita dificuldade.”

A gestora decidiu incorporar ferramentas que a ajudaram a organizar demandas pelo impacto e esforço, tanto no trabalho quanto na vida pessoal. Ela também passou a priorizar as tarefas por grau de urgência alto e negociar prazos de entrega.

“Tudo começou a fluir e comecei a sentir que não estava apagando incêndios o tempo todo”, afirma.

De acordo com a mentora de carreiras Raquel Christoff, mulheres acometidas pela síndrome da tarefeira, assim como os sinais descritos por Eduarda Camargo, muitas vezes não têm clareza sobre quais ações são realmente necessárias para atingir objetivos e acabam assumindo tarefas que não agregam valor direto à carreira.

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Ela era promovida a cada dois anos, mas teve burnout

Nem todas as mulheres que vivem a síndrome da tarefeira enfrentam falta de reconhecimento na vida profissional. Em algumas situações, quando bem administrado, o acúmulo de tarefas pode até impulsionar a carreira. No entanto, a longo prazo, o custo tende a ser alto, principalmente para a saúde física e mental, adverte a mentora de carreiras.

É o caso de Caroline Marcon, coach executiva e autora do livro O Poder dos Times AAA. Embora tenha mantido uma carreira bem-sucedida mesmo diante de uma rotina atarefada, o diagnóstico de burnout causado pelo excesso de demandas a fez repensar a situação.

Na época, a executiva atuava em uma consultoria internacional. No dia a dia, acumulava funções, assumia responsabilidades além do que o seu cargo exigia e vivia focada em “fazer mais” para ser reconhecida, de acordo com o seu relato.

Caroline Marcon começou a cuidar do acúmulo de tarefas que assumiu após sintomas de labirintite. Foto: Tereza Sá/Divulgação

Sabe aquela pessoa que bate no peito e diz: “deixa comigo que eu faço?” Por um lado, é uma fonte de satisfação, mas como tudo na vida tem dois lados, a sombra é que, quando passa da dose, adoece. Eu era promovida a cada dois anos. Tinha uma carreira que a gente chama de fast track. Me deu muita vantagem ser assim.

Caroline Marcon, coach executiva e autora do livro “O poder dos times AAA”

A executiva começou a notar que algo estava errado após o feedback de sua secretária. Na ocasião, a funcionária confidenciou que trabalhar para Marcon era equivalente a cuidar de três diretores devido ao acúmulo de atividades.

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Ainda assim, não foi o suficiente para mudar. Só depois de um episódio de labirintite ela buscou ajuda e conversou com pessoas próximas.

Pedi conselho para um colega e ele falou: “Você assume várias tarefas que são impossíveis de realizar.” Entrei em uma crise. Como vou dizer para o meu chefe que não consigo? Me senti incompetente. Servir era uma maneira de me sentir validada. Depois veio uma tomada de consciência e foi muito duro, estava abrindo mão de um poder que tinha.

Caroline Marcon

A partir dai, decidiu redesenhar o estilo de vida. Retomou a terapia e começou a fazer meditação e exercícios físicos diariamente. O processo durou em torno de um ano. Com a mudança, pediu demissão e abriu a própria empresa, no qual até hoje ajuda executivos.

Segundo Raquel Christoff, mesmo que uma profissional tenha uma carreira bem-sucedida acumulando tarefas, chega um momento em que não consegue dar conta de tudo. A saúde mental sofre com o excesso, pois a sobrecarga e a frustração surgem com mais facilidade diante de atividades que a tarefeira não conseguir realizar.

“É uma necessidade, uma busca por algo maior. A mulher se torna uma super-realizadora de tudo. E aí, vem uma cobrança maior ainda”, afirma.

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Como lidar com a ‘síndrome da tarefeira’

Se você se identifica com os sinais descritos acima, algumas ações podem ajudar a reequilibrar sua rotina:

1. Aceite que não é possível fazer tudo: comece a priorizar e entenda que algumas demandas vão ficar de fora.

2. Defina objetivos claros: identifique o que realmente importa para a carreira e foque nas atividades que podem ter impacto direto nesse objetivo.

Rebecca Fischer, cofundadora da Divibank, diz que a "síndrome da tarefeira" nunca desapareceu por completo. Ela adota estratégias para amenizar o problema.  Foto: Tiago Queiroz/Estadão

3. Busque alinhamento com lideranças: converse com seus gestores diretos para entender quais competências, habilidades e ações são necessárias para crescer dentro da organização.

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4. Faça planejamentos: tente organizar a rotina para equilibrar carreira, família e autocuidado, mesmo que nem sempre seja possível ter foco em todas as áreas.

5. Desenvolva soft e hard skills direcionadas: invista em formações que sejam estratégicas para o cargo que deseja ocupar.

6. Aprenda a delegar tarefas e dividir responsabilidades: em casa, compartilhe tarefas domésticas e familiares. No trabalho, delegue tarefas e confie que as pessoas vão executar a demanda indicada.

7. Valorize esforços consistentes, não a quantidade: priorize qualidade e estratégia em vez de quantidade de trabalho. Projetos podem trazer mais resultados que pequenas atividades realizadas ao longo de um ano, por exemplo.

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