Um dos argumentos mais utilizados pelos opositores da reforma da Previdência é o de que a seguridade social teria superávit, e não déficit, não sendo necessário, portanto, mudar as regras da Previdência. Esse é um argumento não apenas errado, como perigoso.
A Constituição de 1988 segmentou o Orçamento federal em dois. As ações de Previdência Social, saúde e assistência social foram alocadas no orçamento da seguridade social, que tem fontes próprias de receita. Todas as demais ações do governo federal ficaram no orçamento fiscal.
Cálculos realizados pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) indicam que o orçamento da seguridade social teria sido superavitário em 2015, dado que vem sendo usado como argumento contra a reforma da Previdência. Tais cálculos são, no entanto, bastante questionáveis, além de a própria Anfip reconhecer que, pela mesma metodologia, a seguridade teve déficit em 2016.
Por um lado, o cálculo da Anfip considera como receita os benefícios fiscais que reduzem as receitas previdenciárias, como o Simples Nacional, além de desconsiderar a redução de receita decorrente da Desvinculação de Receitas da União (DRU – mecanismo constitucional que desvincula parte das receitas da seguridade). Por outro lado, esse cálculo exclui das receitas e despesas da seguridade social a previdência dos servidores públicos federais (o que torna estranho o uso do superávit da seguridade como argumento contra a reforma da previdência dos servidores).
Mas a discussão sobre se a seguridade tem ou não superávit não é a questão relevante. Relevantes são a dimensão e a trajetória dos gastos com a Previdência.
No Orçamento de 2017, as despesas com benefícios previdenciários do INSS e dos servidores federais, mais as despesas com benefícios assistenciais para idosos e deficientes, correspondem a 56% de todas as despesas primárias da União (que já são muito superiores às receitas, pois a previsão é de que o Orçamento tenha um déficit de R$ 159 bilhões). Todas as demais despesas do governo federal – inclusive despesas sociais com saúde, educação e Bolsa Família – dispõem de apenas 44% do Orçamento. Como agravante, com o rápido envelhecimento da população brasileira, a tendência é de que os gastos previdenciários cresçam aceleradamente, pressionando ainda mais as demais despesas.
Usar o argumento de que a seguridade social tem superávit para não mudar a Previdência é o mesmo que dizer que o ajuste fiscal tem de ser feito integralmente sobre as demais despesas do Orçamento, ou por meio de um forte aumento da carga tributária. Esse talvez até fosse um argumento defensável, se nossa Previdência fosse socialmente justa, o que não é o caso.
É difícil de defender que uma pessoa possa se aposentar aos 50 anos de idade (em plena capacidade de trabalho) e que toda a sociedade deva pagar por essa aposentadoria. É difícil de defender que os servidores públicos tenham uma aposentadoria que é muitas vezes superior à dos trabalhadores do setor privado. Ora, esses são exatamente os pontos que a reforma da Previdência busca corrigir.
A discussão sobre a necessidade ou não da reforma da Previdência – como, aliás, a discussão sobre qualquer alocação orçamentária – deve ter como referência a definição de prioridades. O que é mais importante: melhorar a educação básica ou manter um sistema que permite aposentadorias precoces aos 50 anos? Melhorar a segurança pública ou garantir aposentadorias ultragenerosas para os servidores públicos?
Segmentar o Orçamento em dois, e dizer que uma parte tem superávit, certamente, não é uma boa forma de definir prioridades.
É claro que o País tem outros problemas que precisam ser equacionados e que podem melhorar as contas públicas, como o combate à corrupção e a redução de privilégios. Mas a economia obtida com a redução desses problemas é muito pequena, quando comparada ao tamanho das despesas previdenciárias.
*DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL